Debater o ensino médio é particularmente importante para o Brasil de hoje. O país nunca teve e nunca deverá ter uma juventude maior que a atual. A afirmação é do Acadêmico Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e um dos maiores especialistas do mundo em pobreza e desigualdade, temas que relaciona à educação. Apresentado por Antonio Gois, colunista de educação do jornal O Globo, Barros proferiu a conferência de encerramento do “Simpósio Internacional Desafios da Educação Técnico-Científica no Ensino Médio”, que aconteceu nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.

O colunista de educação do jornal O Globo Antonio Gois, que apresentou o palestrante Ricardo Paes e Barros, à direita: “Sou seu fã. É um orgulho estar aqui na ABC, nesse debate sobre educação, tema que está no seu DNA”
Hoje, a maior juventude; amanhã, uma população idosa
Ricardo Paes de Barros, que foi um dos formuladores dos programas de combate à pobreza do governo Fernando Henrique Cardoso, hoje tem uma visão abrangente – e preocupante – da realidade social e econômica brasileira. A explicação é relativamente simples: se temos, neste momento, a maior juventude da história do país – são cerca de 50 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos -, também teremos a maior força de trabalho de todos os tempos. Mas, sem uma educação e treinamento adequados, essa força de trabalho não terá a produtividade necessária para gerar riqueza suficiente, de modo que o país possa lidar com a fase seguinte, em termos de demografia: uma população majoritariamente idosa.
“Essa juventude precisa desesperadamente de um ensino médio de qualidade e significativo”, afirmou Barros. “Nas próximas décadas, o Brasil vai ter 65 milhões de pessoas produtivas a mais do que de dependentes e isso, obviamente, vai desaparecer depois. Esse povo vai ter uma oportunidade rara de investir no país e fazê-lo crescer. Se não o fizerem, quando essa fase acabar, teremos problemas.”
Segundo o Acadêmico, essa brecha é chamada de bônus demográfico. “O país pode investir e dar um salto, como aconteceu na Coreia do Sul. Depende do Brasil aproveitar bem esse bônus.” Antes, o país tinha muitas crianças e poucos idosos, mas isso vai se reverter. Assim, com uma população idosa, teremos um custo social alto – Barros afirma que idosos são mais “caros” do que crianças – e, se não tivermos gerado grandes poupanças, não será possível arcar com esse gasto.
“Não nos damos conta de quão rápido essa fase de termos a maior juventude de todos os tempos vai cair”, alertou. “O Brasil vai reduzir a juventude mais rápido do que quase todos os países. A China é um dos poucos países que tem um caso parecido. A França demorou 120 anos para fazer a transição de 7% para 14% da população de idosos. Nós vamos fazer isso em 20 anos.” Assim, essa juventude não apenas terá que trabalhar muito, mas também terá que pensar em uma política social e econômica de adaptação a essa realidade.
Falta de oportunidades para os jovens

Barros ressaltou que a quantidade de jovens estudando também é um problema, apesar da ideia predominante de que o acesso foi ampliado nos últimos anos. No Brasil, 55% dos que nascem terminam o ensino médio com no máximo um ano de atraso. No Chile, são 85%, e todos fazem o ensino médio em tempo integral. Além disso, o estudante brasileiro deveria completar três anos de estudo entre 15 e 18 anos, mas completa apenas 2,4. “para chegar a três anos vai demorar muitas décadas.”
Os jovens entre 18 e 22 anos estão em situação ainda pior. Desde 2000, o número de séries que o brasileiro nessa faixa etária completa está estagnado – inclusive, sofreu uma leve redução. “O número de jovens que não estudam, não trabalham e não procuram trabalho está crescendo e é enorme. Eles não estão se interessando pelo que oferecemos a eles. Então temos um problema de qualidade, quantidade e conteúdo.”
Jovens nascidos em 1988 estão entrando na vida adulta com dez anos de escolaridade. Os chilenos têm 12. E os pais desses chilenos que nasceram em 1988, os que nasceram no início da década de 60, têm a mesma escolaridade dos jovens brasileiros – dez anos. “Então, estamos uma geração atrasada, são 23 anos de atraso de tempo de escolaridade”, apontou Barros.
Desigualdades sociais aumentam o problema
Os dados apresentados, no entanto, correspondem a uma visão da classe média, que esconde muitas desigualdades. Os números se tornam ainda piores se considerarmos a população mais pobre. Dependendo do ambiente familiar, a probabilidade de um estudante completar uma série na idade certa é quatro vezes menor do que se estiver em um ambiente não vulnerável. Veja o gráfico abaixo:
Embora o gasto anual com educação básica tenha aumentado 12% entre 2005 e 2011, os dispêndios no ensino médio estão muito abaixo da média mundial. O país gasta anualmente, por aluno, 20% da renda per capita – tanto no ensino fundamental quanto no médio, mas esses dois níveis de educação não têm o mesmo custo (o ensino médio é mais caro). O gasto maior vai para o ensino superior, em que o aluno custa 80% da renda per capita. “Em outros países, o gasto com a graduação envolve uma contrapartida da família. A educação básica tem que ser gratuita, a superior não”, disse Barros.
Esse problema se reflete nas atividades econômicas. A produtividade do trabalho permanece estagnada ha três décadas. Em 1980, estávamos igual à Coreia do Sul. Hoje, três brasileiros produzem o equivalente ao que um coreano produz. Também em 1980, eram necessários dez chineses para produzir o que um brasileiro produzia. Atualmente, essa proporção é de um para um.
“Mas como um país com produtividade tão lenta pode reduzir tanto a pobreza?”, questionou o conferencista. “Estamos aumentando a remuneração muito acima da produtividade, e isso só pode ser feito por um tempo. China, Coreia do Sul, Malásia e Chile aumentaram a escolaridade e, consequentemente, a produtividade. O Brasil fez um grande esforço para aumentar a escolaridade, mas não conseguimos converter em produtividade. Isso quer dizer que essa educação está tendo pouco significado para nossa economia.”
A educação brasileira perdeu boa parte de sua capacidade de elevar a remuneração dos trabalhadores. A renda do pouco educado cresceu muito, mas a de quem tem nível superior está estagnada há 15 anos. “Não é à toa que o jovem olha para essa educação e não se interessa. Ele decide não fazer o ensino médio porque sabe que não vai valer muita coisa.”
Segundo Barros, os jovens de 18 a 21 anos que não estudam, não trabalham e não procuram trabalho já são 20%, e os gráficos mostram que isso não acontece porque eles têm filhos ou afazeres domésticos, mas por desinteresse. “Precisamos dar melhores oportunidades a eles”, alertou o Acadêmico.

