Um dos maiores problemas relacionados a políticas públicas voltadas para a solução de problemas globais é o fato de que, muitas vezes, elas são ineficazes e sem aplicação ao caso concreto. Especialista em desenvolvimento sustentável do Comitê Regional para a América Latina e Caribe do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), Anthony Clayton fez essa constatação através de exemplos irreverentes, durante o Seminário Internacional Sociedade e Natureza, realizado na Academia Brasileira de Ciencias (ABC) no começo de outubro.

Ele afirmou que um dos principais erros dos governos é atribuir a um acontecimento uma relação de causalidade que não existe de fato. Por exemplo, um investimento é feito em determinada localidade onde se constata, posteriormente, uma queda na mortalidade infantil. Os investidores se fazem valer dessa suposta conquista quando, na verdade, não há garantias de que a intervenção produziu aquele efeito. ”As taxas de mortalidade poderiam já estar caindo.”

Clayton contou que, há alguns anos, na Escócia, constatou-se que os casos de invasão de domicílios tinham diminuído, e a polícia atribuiu o fato a uma maior segurança. Depois percebeu-se que, na verdade, o motivo era que o preço dos equipamentos eletrônicos havia caído e não valiam mais o risco dos criminosos.

Outro erro relaciona-se à resposta ao risco. Voar de avião é mais seguro do que viajar de carro, mas muitas pessoas preferem dirigir por sentirem que o risco é menor, uma vez que estão no controle do veículo, e no da aeronave não. A escolha ”equivocada” tem reflexos: segundo Clayton, o número de mortes por acidentes de carro aumenta no dia 11 de setembro, nos Estados Unidos, porque mais gente opta por não viajar de avião. ”Estatisticamente, voar é mais seguro até do que tomar banho – cerca de 325 cidadãos estadunidenses se afogam em suas banheiras todo ano”, enfatizou o palestrante, professor da University of the West Indies, na Jamaica.

”Muitas vezes, o governo não sabe o que fazer e acaba tendo objetivos difusos”, destacou Clayton. ”Qual é o propósito, por exemplo, da taxa de cigarros? Aumentar a receita do Estado para cobrir os custos do hospital e, assim, lidar com doenças relacionadas ao fumo? Ou desencorajar as pessoas a fumar?”

Outro caso inusitado relatado por Clayton foi que, em 2006, havia 13.638 casos de insolvência na Escócia. Para lidar com esse problema, o governo escocês fez a duvidosa opção de criar o esquema de arranjo de dívidas (DAS, na sigla em inglês), com um custoso orçamento de 12 milhões de libras e 90 conselheiros para ajudar as pessoas a lidarem com os seus débitos.

 

Políticas eficazes para lidar com desastres ambientais e sociais

Clayton sustentou que é necessário, portanto, planejar políticas realmente eficazes para lidar com problemas globais. Até 2030, 50% da população mundial vai viver em áreas com escassez de água. Além disso, também são crescentes a perda de biodiversidade, degradação do solo, sobrepesca, propagação de doenças infecciosas e mudanças climáticas. E os riscos desse cenário não são apenas de desastres ambientais, mas também sociais: conflitos étnicos e religiosos, crescimento da desigualdade, desemprego dos jovens, alto índice de criminalidade, entre outros.

”Ao analisarmos conflitos como os de Darfur e Ruanda, observamos uma combinação de fatores: população crescente, pressão sobre recursos como água e terras, pobreza, tensão étnica, política e religiosa”, informou Clayton. Ele ressaltou a necessidade de identificar países com esse perfil – atualmente, são cerca de 70.

A violência é, de longe, o efeito mais causado pela pobreza. De acordo com o relatório do Banco Mundial de 2011 sobre o desenvolvimento dos países, Burkina Faso e Burundi tinham, no passado, as mesmas taxas de crescimento. Em 1993, no entanto, o Burundi começou a sofrer uma guerra civil e, hoje, o Burkina Faso já é 250% mais rico.

”Alguns tópicos-chave da ciência social devem estar na agenda de pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, como planejamento e gestão urbana, crescimento econômico, comportamento do consumidor, eficiência tecnológica. Tudo isso deve estar adaptado às mudanças climáticas.”, afirmou Clayton, destacando que a abordagem deve ser integrada.

 

Cultura científica

Ernesto Fernandez Polcuch, especialista sênior em políticas de ciência e capacitação do Escritório Regional para Ciência na América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), afirmou que um dos maiores desafios, nesse contexto, é criar uma cultura científica global.

Nesse sentido, a América Latina e o Caribe vêm tendo importantes avanços – a distribuição de atividades de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, está crescendo mais do que no mundo de um modo geral -, mas ainda há um longo caminho a trilhar. Muitos países da região começam a ter uma legislação sobre ciência e tecnologia apenas agora. Ainda assim, temas como propriedade intelectual já são matéria de lei, ainda que recente, em todos os países.

”O desenvolvimento da cultura científica é como escalar uma montanha para alcançar a inovação”, afirmou Polcuch. ”Essa cultura engloba a educação científica, a informação, comunicação, popularização, disseminação, promoção e engajamento público.” É pensando nisso que a Unesco criou, nos anos 90, a Red Pop, uma rede de popularização da ciência na América Latina e Caribe. ”Precisamos de uma mudança de paradigma nas relações entre sociedade e políticas científicas, institucionalizando esse diálogo.”