”Os chineses usam dois ideogramas para escrever a palavra ‘crise’: um significa ‘perigo’, o outro, ‘oportunidade’”. Assim o Acadêmico Marco Antônio Zago, reitor da Universidade de São Paulo (USP) desde o início do ano, comentou sobre o momento difícil pelo qual passa a instituição, com gastos superando o orçamento, greve de funcionários e outros problemas que emperram as atividades acadêmicas. Zago esteve na Academia Brasileira de Ciências (ABC) para participar do Simpósio Internacional sobre Excelência do Ensino Superior, e falou sobre temas como autonomia, governança, financiamento e avaliação.

Para o Acadêmico, o modelo de gerenciamento das universidades públicas está ultrapassado e é um dos maiores empecilhos para o bom funcionamento dessas instituições. ”Lei 8.666
que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Pública], estabilidade de todos os servidores – não apenas dos docentes -, isonomia obrigatória, sem escala de salários, gratuidade garantida pela Constituição. É nesse ambiente que nós temos que trabalhar.”

Zago enfatizou que as instituições públicas de ensino superior não acompanham as mudanças que vem ocorrendo em todos os âmbitos da sociedade. ”Os membros das universidades, de um modo geral, são liberais, esquerdistas na política e na economia, mas as universidades em si são extremamente conservadoras. Por que elas são tão lentas para mudar? O pior de tudo é que o sistema universitário se reproduz assim mesmo, as pessoas aceitam.”

A autonomia e a governança das universidades derivam do artigo 207 da Constituição Federal, mas, para Zago, este não condiz com a realidade. Ele explicou que a USP é uma das três universidades mantidas pelo governo do Estado de São Paulo e, juntas, elas recebem 9,57% do ICMS. Em 2014, esse total era de R$ 10 bilhões de reais. O orçamento da USP, de R$ 5 bilhões, pode ser gasto livremente, conforme informou o Acadêmico. Já os empregos são criados pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e o reitor é selecionado pelo governador, a partir de três nomes indicados por um colégio eleitoral. ”A representação da comunidade externa é extremamente pequena.”

Dos recursos da USP, 78% vêm da transferência direta do governo do Estado, que são obtidos de forma não competitiva e não estão sujeitos a nenhum tipo de controle social. Ou seja, uma pequena parte do orçamento se baseia na competitividade, avaliação dos pares, resultados e avaliação externa. Para Zago, essa é uma das principais fraquezas da universidade.

 

Um sistema difícil de mudar

”Os cientistas mais criativos não encontram espaço nas universidades, que sempre vão preferir alguém um pouco medíocre, mas que se enquadre naquela divisão. Dificilmente o mais brilhante vai ser escolhido em um concurso universitário – a banca também não vai escolher o pior porque fica feio, então seleciona o segundo ou o terceiro colocado”, provocou o reitor, criticando a dificuldade de se inovar. ”Interdisciplinaridade tende a virar uma palavra vazia, pois tem sido muito usada sem que se apresente atitudes concretas para executá-la.”

Ainda assim, Zago, que já ocupou o cargo de pró-reitor e é professor da USP há mais de 40 anos, mencionou iniciativas inovadoras realizadas na instituição, nos últimos anos. Um deles foi um programa com o objetivo de estimular a criação de grupos interdisciplinares, oferecendo recursos adicionais para quem rompesse os limites departamentais. Assim, surgiram grupos de neurociências aplicadas, bioenergia sustentável, entre outros.

Outra iniciativa foi a de incentivar a colaboração internacional, criando grupos de pesquisa mistos da USP com outras universidades. Deste modo, entre 2007 a 2011, enquanto a cooperação entre o Brasil e outros países teve uma taxa de 24.7%, a da USP foi de 28,1%.

Zago destacou que o que faz a universidade não é o reitor, mas um conjunto de lideranças. ”Foi isso que fez a USP ser muito forte no passado. Se os acadêmicos não reassumirem o seu papel com toda força, não haverá lei ou reforma que possa resolver o problema.”

 

Universidades plásticas

A pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Acadêmica, Débora Foguel, complementou que as universidades, embora conservadoras, são plásticas, e capazes de responder às demandas da sociedade. ”Elas já mudaram muito, antes estavam limitadas a ensinar, depois expandiram suas atividades para a pesquisa e serviços, e contribuíram para resolver os graves problemas da educação básica”, opinou.

Para a Acadêmica, apesar da expansão do acesso nos últimos anos, ainda mais pessoas deveriam estar cursando o ensino terciário no Brasil. Foguel também falou da importância de receber estudantes de fora e da necessidade de internacionalização. Afirmou, no entanto, que a responsabilidade de tornar o país mais inovador e produtor de patentes recai sobre as universidades, quando esta não é sua missão primordial: ”Não podemos apontar apenas para este fim, porque é nas universidades que a pesquisa básica é realizada e devemos cultivar esse patrimônio”.

Foguel questionou, ainda, por que é tão difícil implementar mudanças. ”Nós sabemos que não são necessárias tantas horas de aula, que devemos estimular a interdisciplinaridade e, quando fechamos a porta da sala, somos apenas nós e nossos alunos. Esse é o máximo de autonomia que teremos, então por que não colocamos na prática? Será o medo do novo?”

Para que as mudanças ocorram, é preciso engajamento de toda a comunidade universitária. Nesse contexto, a palestrante citou a ”regra do um terço”, informando que, na UFRJ, um terço dos professores ensina, um terço faz pesquisa, um terço faz extensão e um terço administra. ”Isso é possível porque, na verdade, trata-se do mesmo terço!”, provocou.

Monica Heilbron, pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reforçou que uma das maiores dificuldades enfrentadas pela instituição é o controle externo excessivo pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Estado. ”Eles auditam antes, durante e depois da prestação de contas. Ninguém consegue mais trabalhar porque recebemos de 10 a 15 processos por semana do MP.”

Segundo Heilbron, o desconhecimento que esses órgãos têm do funcionamento das universidades dificulta ainda mais o caminho rumo à excelência. É preciso, por exemplo, responder a perguntas como ”por que a universidade contrata professores visitantes?”. ”A excelência é maravilhosa do ponto de vista platônico, mas também é muito custosa”, lamentou a pró-reitora.

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