A conferência internacional “Africa on the Move”, realizada nos dias 13 e 14 de novembro na Academia Austríaca de Ciências, em Viena, reuniu historiadores europeus, especialistas em Estudos Culturais e autores africanos da diáspora para discutir as múltiplas camadas da relação tensa entre África e Ocidente. O encontro, organizado pela Academia Austríaca de Ciências, em Viena, pretendeu lançar luz sobre episódios pouco conhecidos de migração pelo Atlântico e pelo Mediterrâneo, revelando como esses deslocamentos moldaram sociedades de ambos os lados do mar.
Com a expansão global dos pidgins africanos, pesquisadores apresentaram as consequências linguísticas dessa mobilidade, hoje visíveis em diferentes regiões do mundo. Os pidgins africanos são línguas de contato que surgiram em regiões onde povos de diferentes origens precisaram comunicar-se sem compartilhar um idioma comum, especialmente durante períodos de colonização, comércio e migrações forçadas. Misturando elementos de idiomas europeus — como inglês, francês e português — com diversas línguas africanas, esses pidgins evoluíram como ferramentas práticas de comunicação cotidiana. Em muitos casos, tornaram-se tão enraizados no dia a dia das comunidades que passaram a ser transmitidos entre gerações, desenvolvendo regras próprias e influenciando culturas locais. Hoje, alguns deles são usados por milhões de pessoas, servindo como símbolos de resistência, identidade e criatividade linguística em diferentes países do continente.
As palestras também destacaram personalidades africanas que desafiam estereótipos racistas e analisam a luta contínua por avanços políticos e sociais dentro do continente. Outro ponto de atenção foi a inversão dos fluxos migratórios no período pós-colonial — um movimento que torna mais complexa a circulação e a troca cultural. Nesse cenário, o Caribe aparece como um verdadeiro cruzamento histórico, onde influências africanas e de outras culturas se encontram e se reinventam.
Brasil: apagamento social x protagonismo cultural
Na sessão sobre “Influência Política e Cultural e Trocas Religiosas”, no dia 14/11, o antropólogo e vice-presidente regional da Academia Brasileira de Ciências, Ruben George Oliven, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentou a conferência “Influências Africanas na Cultura Brasileira”. Oliven destacou o profundo impacto das matrizes africanas na formação cultural do Brasil — um país que recebeu cerca de quatro milhões de pessoas escravizadas e aboliu a escravidão tardiamente.

O antropólogo lembrou que no Brasil pessoas brancas representam 43,5% da população e dominam a economia, a política e os espaços de prestígio social. Indicadores como expectativa de vida, escolaridade e renda revelam desigualdades persistentes. Nesse cenário, ele revisitou a obra de Gilberto Freyre, que, nos anos 1920, em meio ao auge do racismo científico, difundiu a ideia de uma “democracia racial” brasileira baseada na mestiçagem — conceito que, por décadas, moldou o imaginário nacional e influenciou inclusive pesquisadores europeus e norte-americanos.
Oliven destacou, porém, o paradoxo central: apesar da exclusão estrutural da população negra, a identidade cultural do Brasil se apoia fortemente em referências africanas. Música, religiosidade, carnaval, futebol, culinária e dança — muitas vezes práticas antes reprimidas ou marginalizadas — foram incorporadas e transformadas em símbolos nacionais.