Em 1944, o “Journal of Neurophysiology” publicou o artigo “Spreading depression of activity in the cerebral cortex” do jovem pesquisador Aristides Pacheco Leão, que obtivera seu doutorado na Universidade de Harvard. Ao usar estimulação elétrica para provocar epilepsia experimental em coelhos, Leão se defrontou com uma redução paradoxal dos potenciais elétricos do eletrocorticograma (semelhante ao eletroencefalograma, mas, registrado na superfície do cérebro). Este fenômeno se propagava com velocidade baixa, o tecido se recuperava na mesma sequência ao longo do córtex e, por isso, foi batizado de depressão alastrante (DA).
Este e outros trabalhos de Leão, feitos após voltar ao Brasil e já no Instituto de Biofísica da então Universidade do Brasil, se tornaram clássicos, incluindo uma inovação metodológica que é usada em pesquisas atuais sobre DA em todo o mundo. Embora seus mecanismos ainda sejam obscuros, atribui-se à DA eventos iniciais (aura) da crise epiléptica ou da enxaqueca. Por sua descoberta, Leão ganhou um lugar de destaque entre os neurofisiologistas de todo o mundo, sendo o fenômeno que descobriu estudado no mundo inteiro sob o nome de Onda de Leão (Leãos Wave).
Comemoração do centenário
Em 2014, comemorando o centenário de nascimento do pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente emérito da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) organizou um Memorial e um simpósio científico.
Na solenidade de abertura, a diretora do IBCCF Sandra Azevedo convidou à mesa o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Acadêmico Jorge Guimarães; o presidente da ABC Jacob Palis; o presidente do Comitê Executivo da ABC, Lindolpho de Carvalho Dias e o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rubem Guedes.
Sandra Azevedo, Lindolpho Dias, Jacob Palis, Jorge Guimarães e Rubem Guedes
Sandra agradeceu à D. Bebeth, viúva do homenageado, às pós-graduações do Instituto de Biofísica, à equipe do Espaço Memorial Carlos Chagas Filho – que preparou o Espaço Aristides Pacheco Leão, especialmente à professora Mariana Silveira – à ABC e a todos que colaboraram para a realização do evento e a construção do memorial.
O auditório cheio contou com a presença, ainda, dos Acadêmicos Adalberto Vieyra, Eliezer Barreiro, Fernando Garcia de Mello, Guilherme Suarez-Kurtz, José Israel Vargas, Leny Cavalcante, Maurício Peixoto, Mécia Oliveira, Rafael Linden, Ricardo Gattass, Roberto Lent e Sérgio Teixeira Ferreira.
Nova edição do PAPL-IC
A cerimônia foi iniciada com uma ótima notícia: a retomada do Programa Aristides Pacheco Leão de Iniciação Científica (PAPL-IC), com apoio da Capes e realização da ABC. O Programa foi criado em 1994, com foco no estímulo as vocações científicas, e durou até 2005. Nestes onze anos, centenas de estudantes de todo o Brasil tiveram o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para estagiar em laboratórios dirigidos por membros da ABC, com linhas de pesquisa definidas e reconhecidamente produtivas.
Após assinar o convênio junto com o presidente da ABC, Guimarães destacou que essa nova edição do Programa manterá o modelo centrado nos Acadêmicos, mas poderá incorporar laboratórios de outros pesquisadores. Outra mudança será o público-alvo, pois serão priorizados estudantes da região amazônica. “A ideia é formar o pessoal de lá e fixá-los de volta em sua região de origem, mas com uma vivência científica diferenciada e uma formação geral ampliada”, comentou Guimarães. Confira mais detalhes sobre o acordo de cooperação.
Jacob Palis e Jorge Guimarães
Ele relatou que será dado início imediato ao Programa, contando com os pesquisadores da UFRJ e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). A Capes pagará as passagens e dará uma bolsa-auxílio para cobrir os gastos dos jovens estagiários, que passarão o período de férias escolares convivendo e trabalhando com as equipes dos laboratórios de destino. Guimarães relatou que a Capes já conduz programas semelhantes em Angola e Cabo Verde.
O presidente da ABC, Jacob Palis, agradeceu a decisão de Jorge Guimarães, que compreendeu a importância da retomada do programa e comprometeu-se a reativá-lo assim que tivesse oportunidade. “Agora a oportunidade surgiu e Jorge compartilha do pensamento da ABC, que tem um grupo de estudos voltado para o desafio da Amazônia no século XXI e decidiu dar prioridade aos estudantes amazônidas, de forma a contribuir com a capacitação e fixação de cientistas naquela região.”
Breve histórico do homenageado
O pesquisador Rubem Carlos Araujo Guedes, ex-aluno de Aristides Leão, relatou episódios interessantes que caracterizavam a personalidade do homenageado, que combinava vasta cultura com uma absoluta simplicidade. Com seus colaboradores Hiss Martins Ferreira, Gustavo de Oliveira Castro e Romualdo José do Carmo, Leão desenvolveu estudos que se tornaram clássicos, revelando os fatos fenomenológicos mais relevantes da entidade que descobrira. Abordou então o desdobramento das pesquisas sobre a depressão alastrante realizadas pelo grupo de Recife, que envolveu dezenas de pesquisadores, além de Guedes.
Baseado em pesquisa da jornalista Maria Inês Duque-Estrada, citada por Guedes em sua apresentação, Aristides Leão era um cientista à frente do seu tempo. Nascido em 3 de agosto de 1914, desde pequeno foi atraído pelo mundo da ciência através do tio, Antonio Pacheco Leão, que foi diretor do Jardim Botânico e que deu nome à rua vizinha ao parque. Foi esse tio quem iniciou Aristides no mundo da biologia, incutindo nele o interesse por botânica e ornitologia que o acompanharia a vida inteira. Cursou a Faculdade de Medicina de São Paulo e mais tarde, após enfrentar uma tuberculose, completou sua formação nos EUA.
Aos 32 anos, já de volta dos Estados Unidos, Aristides Leão foi nomeado técnico especializado da cadeira de Física Biológica da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (a partir de 1965 Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em 1947, Leão publicava no “Journal of Neurophysiology” seu primeiro trabalho realizado, todo ele, no Brasil. Já havia sido transferido para o Instituto de Biofísica, que funcionava também no antigo prédio da Praia Vermelha.
Durante quinze ano
s, Aristides Leão lecionou anatomia e fisiologia comparada na UFRJ. Ex-alunos comentam que a principal característica de seu laboratório era a arrumação: cada objeto ou aparelho em uso no seu lugar certo e, nos armários, tudo limpo e devidamente catalogado. E a importância da depressão alastrante não se limita aos estudos ligados à epilepsia: sua descoberta abriu novas perspectivas para o entendimento de outros fenômenos patológicos e também para estudos sobre o comportamento animal e a organização funcional do sistema neural, a memória e o aprendizado.
s, Aristides Leão lecionou anatomia e fisiologia comparada na UFRJ. Ex-alunos comentam que a principal característica de seu laboratório era a arrumação: cada objeto ou aparelho em uso no seu lugar certo e, nos armários, tudo limpo e devidamente catalogado. E a importância da depressão alastrante não se limita aos estudos ligados à epilepsia: sua descoberta abriu novas perspectivas para o entendimento de outros fenômenos patológicos e também para estudos sobre o comportamento animal e a organização funcional do sistema neural, a memória e o aprendizado.
O professor Lindolpho de Carvalho Dias, convidado para falar sobre Aristides Leão representando a ABC, contou que ele foi criado num ambiente culturalmente muito positivo, tanto da parte do pai como da mãe. “Tive o prazer de conhecer toda a família. Um dos irmãos, Carlos Leão, foi um arquiteto notável.”
Aristides Leão trabalhou na direção do Instituto de Biofísica da UFRJ, foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq, com uma atuação exemplar. Foi colega de Lindolpho Dias no Conselho Universitário da UFRJ e no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério de Ciência e Tecnologia (PADCT/MCT).
“Aristides foi um exemplo do que é um cientista dedicado à sua causa. Ele era culto apenas pelo prazer de ser culto, nunca alardeava isso, era discreto e simples. Tinha uma saudável intransigência com respeito à qualidade, nos textos que escrevia e em tudo o mais que fazia. Era um homem de uma notável integridade”, observou Dias.
Quatorze anos à frente da ABC
Entre 1967 e 1981, Aristides Pacheco Leão exerceu a presidência da ABC com independência e habilidade. Foi um período particularmente difícil para a entidade. Exemplo de sua firmeza foi o apoio que deu à Revista Brasileira de Biologia, assegurando a continuidade da publicação quando seus editores foram cassados pelo regime militar. Graças à sua interferência, a revista passou a ser publicada pela ABC. Um dos cassados era o professor Herman Lent, membro titular da ABC desde 1966. Designado para a comissão editorial dos Anais da Academia e da revista, permaneceu no cargo até 1981, embora isso representasse perigo em virtude do momento político que o país atravessava.
Iniciativas importantes do professor Leão durante seu mandato à frente da ABC foram os projetos “Estudos Ecológicos no Nordeste Semi-Árido Brasileiro” e “Estudos Sistemáticos e Químicos da Flora Amazônica”, além de convênios que possibilitaram a concessão de bolsas de estudo de alto nível no exterior e, sobretudo, o intercâmbio internacional de cientistas.
Aristides Leão recebeu uma homenagem póstuma da ABC: o diploma de Presidente Emérito da Academia Brasileira de Ciências, que foi entregue à sua viúva, Elizabeth Raja Gabaglia Leão – Bebeth, como ele a chamava. A cerimônia foi no em 1994, quatro meses após a morte do cientista, ocorrida no final de 1993.
Sandra Azevedo, Bebeth Leão e Mariana Silveira
E mais uma vez, D. Bebeth representou seu falecido marido. No evento da UFRJ, a grande companheira de Leão foi contemplada com uma placa comemorativa do centenário de nascimento do grande pesquisador brasileiro, Aristides Leão, dada pelo IBCC/UFRJ.