A participação das mulheres na ciência e na tecnologia é de grande importância para o avanço dessa área, mas não são poucos os desafios com os quais elas têm de lidar. Eles são tanto naturais, como no caso da gravidez, que leva a um gap na produtividade, quanto históricos – por exemplo, o preconceito que existe com a presença feminina nos laboratórios e instituições de pesquisa. Esse foi o tema de um debate informal entre os participantes do 2º Encontro de Membros Afiliados do Rio de Janeiro, realizado em maio, na ABC.
As afiliadas Carolina Bhering e Yraima Cordeiro, a representante da LOréal
Fabiana Munhoz e a química Joyce Kelly da Silva,
com o cartaz do Prêmio Para Mulheres na Ciência
A questão da gravidez foi levantada pela mediadora da mesa e uma das coordenadoras do evento, a afiliada Yraima Cordeiro – ela própria grávida à época do encontro. A interrupção no avanço das pesquisas, no entanto, foi contraposta à possibilidade de aumentar a produção científica no período da gestação: “Filho vale um artigo científico?”, questionou a professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Quando o bebê nasce é bom, porque você tem tempo enquanto ele dorme. Minha primeira filha não dormia, mas quando a segunda nasceu, eu escrevi um artigo”, contou a médica Denise Pires de Carvalho, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ).
Ela citou uma matéria do jornal O Globo que mostra que a participação de mulheres na ciência cai de acordo com o avanço da carreira, além de elas obterem bolsas de produtividade mais tarde que os homens – apenas entre 50 e 59 anos, enquanto que, no caso deles, essa faixa é de 45 a 54 anos. As faixas etárias de menor representatividade feminina coincidem justamente com a idade fértil.
Carvalho foi diretora do IBCCF por três anos, tendo sido a primeira mulher a ocupar o cargo. Ela afirmou que o sexismo existe de uma forma velada, e se dá mais em áreas exatas do que em biomédicas – onde estima que a presença masculina e feminina é mais ou menos igual. “Se há um homem e uma mulher, em mesmas condições, concorrendo a uma vaga, é óbvio que o homem consegue o cargo.”
A engenheira química da Petrobras Lélia Lowe concordou, afirmando que, muitas vezes, boas profissionais não são selecionadas para um emprego por terem filhos pequenos. “A mulher tem que pensar 24 horas em tudo, na vida acadêmica, pessoal etc. Se o filho está doente, você não pode ficar em casa, precisa ter outra pessoa para cuidar. Então a gente persiste e consegue o nosso espaço, mas demora mais e é preciso mostrar muito mais capacidade que o homem”. Ela acredita, no entanto, que já houve mudanças, e conta que, quando entrou na petrolífera, 10% dos funcionários eram mulheres, e hoje estima essa média em 30%.
A pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos também está acostumada a trabalhar com uma maioria de homens. Mas, em relação à gravidez, a bióloga acredita que essa fase só tem a acrescentar: “Eu tive filho escrevendo tese e é nesse período que você faz seu melhor paper, é maravilhoso para a produtividade. Tudo é substituível na vida, menos filhos. Eles são solução, não problema”. Ela opinou, ainda, que, enquanto existir tal discussão sobre a diferença entre homem e mulher, vai haver discriminação. “Isso tem que acabar, pois somos todos iguais.” Denise Carvalho acrescentou: “Eu vou ficar feliz quando não houver mais Dia Internacional da Mulher”.
A química Joyce Kelly da Silva afirmou que vê muita diferença em relação a quando completou a graduação, há quinze anos, em que ela era a única mulher a se formar. “Mas ainda há professores que não aceitam orientar alunas em grupos de trabalho, ou que as fazem assinar um termo garantindo que não vão engravidar durante a graduação. A gente fica sabendo nos bastidores”, contou a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Yraima Cordeiro destacou que é papel das instituições, públicas ou privadas, fazer mais pelas mulheres. “Acho essencial, por exemplo, que ofereçam creche por um período de tempo razoável, ao longo do dia”, opinou. “Se as universidades querem pessoas produtivas, é preciso ter uma estrutura com segurança e estabilidade, contando que a maternidade vai ocorrer. A pesquisadora vai produzir tranquila sabendo que seu filho estará ali do lado.”
O Acadêmico e paleontólogo do Museu Nacional da UFRJ, Alexander Kellner, que participou do encontro, sugeriu que o critério de contratação seja baseado na produção (por exemplo, usando o índice H como parâmetro), de modo que não se leve em conta a maternidade, gênero ou outro fator não igualitário.