Dona de um currículo capaz de intimidar muitos cientistas de sucesso, a editora da revista Science, uma das publicações científicas de maior prestígio mundial, é enfática em suas opiniões. Para ela, a mídia tradicional não dá espaço suficiente a tópicos exclusivamente científicos, o sucesso de grandes companhias muitas vezes é sustentado por mulheres que atuam em cargos secundários e a integridade científica não pode nem deve ser confundida com a capacidade de reprodução dos resultados de um trabalho.
Marcia McNutt foi a primeira diretora do US Geological Survey (USGS) desde sua fundação, em 1879. A riqueza da trajetória profissional da norte-americana – que também conta com uma passagem pelo Departamento de Interiores dos Estados Unidos, onde atuou como consultora – talvez seja fruto da criação recebida durante sua infância. Filha de pai autônomo e mãe dona de casa, a instrução de mulheres era mais do que uma tradição em sua família; estudar, na realidade, era uma norma que foi muito bem seguida por McNutt e suas irmãs.
Antes de ingressar no USGS, a geofísica graduada pela Universidade do Colorado ainda atuou como CEO do Instituto de Pesquisas Monterey Bay Aquarium e como professora das universidades de Stanford e da Califórnia. Mas engana-se quem pensa que em seu histórico constam apenas atividades acadêmicas ou administrativas: Marcia McNutt é mergulhadora certificada pela Associação Nacional de Instrutores Subaquáticos (NAUI), com experiência em atividades envolvendo demolição e manuseio de explosivos em ambiente marinho.
Defensora da capacidade feminina de conciliar atividades maternas com cargos profissionais de liderança, em entrevista exclusiva ao Notícias da ABC a editora da Science falou, dentre outros tópicos, sobre o Fórum Mundial de Ciência 2013. Pela primeira vez fora da Hungria, o evento será sediado no Rio de Janeiro entre os dias 24 e 27 de novembro e contará com a participação de McNutt durante a plenária “Ciência para os Recursos Naturais”.
Além de ter sido a primeira mulher a dirigir o US Geological Survey, a senhora foi nomeada, em 2002, uma das cinquenta mulheres mais importantes na ciência pela Discover Magazine. Em sua opinião, qual o segredo para derrubar as barreiras criadas por estereótipos em relação aos papeis de cada gênero em uma sociedade?
Tornar-me a primeira diretora do US Geological Survey e ser a primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe da Science provavelmente foram conquistas que se classificam como quebras das barreiras impostas por estereótipos de gênero. No entanto, essas duas organizações [a USGS e a Science Magazine] tiveram, por muitos anos, muitas mulheres talentosas ocupando papeis secundários que davam suporte a líderes homens. Eu inclusive me arriscaria a postular que a excelência de ambas provinha da combinação dos esforços dessas notáveis mulheres. Portanto, era apenas uma questão de tempo para que os encarregados de escolher novos líderes – geralmente homens – percebessem que uma mulher poderia ocupar posições de liderança.
Como editora-chefe de uma das publicações científicas mais relevantes do mundo, como você avalia a responsabilidade da mídia na promoção de uma relação mais próxima entre cientistas e a sociedade? Ainda que o investimento em CT&I tenha se tornado essencial no desenvolvimento de qualquer país, no Brasil, isso não ganha muito espaço na mídia tradicional. A divulgação científica também enfrenta essa espécie de desafio nos EUA?
Infelizmente, pelo menos nos EUA, a tendência tem sido todos os veículos tradicionais de mídia dedicarem menos espaço à cobertura de assuntos exclusivamente científicos. Ao mesmo tempo, muitos tópicos “dignos de notícia” envolvem algum elemento da ciência. São inúmeros os exemplos de matérias de capa que não são sobre ciência, mas, mesmo assim, contam com componentes científicos. Dentre eles estão a segurança cibernética, os cuidados com a saúde, as catástrofes naturais, os resíduos tóxicos em nosso ar e água e as mudanças climáticas. O fato é que, enquanto cada vez menos profissionais podem se dar ao luxo de serem jornalistas exclusivamente científicos, todos os jornalistas precisam saber muito de ciência para reportarem as histórias com precisão.
Maior atenção da mídia também pode encorajar o interesse dos jovens pelas carreiras científicas. De acordo com a senhora, o que mais pode ser feito para que a ciência pareça atraente aos olhos dessa nova geração?
Pesquisas mostram que os cientistas norte-americanos são bastante respeitados em suas comunidades. Um problema que nós, de fato, enfrentamos é o estabelecimento de um percurso bem definido na carreira de aspirantes a cientistas, levando ao sucesso e à estabilidade profissional. Muitos pesquisadores recém-graduados estão presos em posições temporárias de longo prazo ou ainda desempregados. O recente bloqueio orçamentário nos EUA também não ajudou e eu suspeito que, por um bom tempo, nós iremos sentir suas consequências na moral dos cientistas perante o governo federal e naqueles que dependem dos financiamentos governamentais.
A senhora realizou importantes contribuições na área de geofísica e, à época em que o presidente Obama anunciou sua nomeação como diretora da US Geological Survey, seu discurso defendia que muitos outros países estavam à frente dos EUA no uso de fontes alternativas de energia. Esse cenário se alterou desde 2009? Em sua opinião, qual a percepção do governo norte-americano em relação à importância do desenvolvimento sustentável?
Eu não posso (e realmente não quero) falar em nome do governo norte-americano. Fundamentalmente, os EUA são regidos pela lógica de mercado. Desde 2009, com incentivos do Departamento de Interiores e a partir da demanda dos consumidores pela energia verde, houve progresso a nível nacional na geração de energia eólica e solar. Talvez eu enxergue essas mudanças mais claramente porque vivo na Califórnia, que funciona como uma espécie de líder para o resto da nação. As casas, por exemplo, são alimentadas por painéis solares, então nossas contas anuais de energia elétrica são de US$0, e meu marido e eu dirigimos carros híbridos. Pode demorar algum tempo, mas não tenho dúvidas de que o resto do país eventualmente irá nos seguir.
A senhora virá ao Brasil para participar do Fórum Mundial de Ciência. Quais são suas expectativas em relação a este encontro e qual a importância de um evento de tal magnitude ser sediado por um país em desenvolvimento em sua primeira vez fora da Hungria?
Eu nunca estive presente a uma edição do Fórum Mundial de Ciência, então não sei o que devo esperar, mas estou ansiosa para conhecer pessoas interessantes. Países em desenvolvimento agora têm a oportunidade de não recriar o caminho traçado por países desenvolvidos em seus trajetos em direção à prosperidade, caminho esse que envolveu caras reparações ambientais a precoces lapsos de prudência. Hoje em dia, nós temos mais informação e esses países podem alcançar o desenvolvimento sustentável desde o princípio de seus desenvolvimentos.
Integridade científica é um assunto de grande importância. Com qual frequência a senhora enfrenta problemas dessa espécie
com os artigos submetidos à Science e como lida com essas situações?
com os artigos submetidos à Science e como lida com essas situações?
Felizmente, não é comum encontrarmos lapsos de integridade cientifica nos papers submetidos à Science, embora um dos motivos para que isso aconteça seja o nível de qualidade dos trabalhos que costumamos publicar. A responsabilidade de investigar alegações de má conduta científica é das instituições que empregam os autores desses papers suspeitos, por isso nós entregamos o material a elas para uma verificação mais aprofundada. Se a má conduta for confirmada, nós exigimos que esses autores retirem o paper. Também é responsabilidade das instituições empregadoras cobrar quaisquer sanções adicionais a esses autores, embora nós também possamos impedir que eles enviem outros papers à Science.
Este ano, o Fórum Mundial contará com uma sessão plenária dedicada especialmente a essa temática. Quais tópicos você espera que sejam debatidos?
Uma grande questão da atualidade para muitos periódicos é a capacidade de reprodução dos resultados de um trabalho. No entanto, esse problema não deve ser confundido com a integridade científica. Um autor pode produzir resultados ilegítimos, estatisticamente anormais e não reproduzíveis, mas isso não é a mesma coisa que falsificar resultados de forma proposital.