O Brasil experimenta, desde 2010, uma drástica redução na desigualdade social e econômica, mas esta veio acompanhada de um paradoxo. Isso porque, enquanto o principal determinante desta diminuição foi o aumento na renda de trabalho – responsável por reduzir a desigualdade em 52% -, é neste mesmo setor que reside um dos principais desafios: a produtividade do trabalho, que não aumenta há 30 anos no país. “Em 1980, estávamos no mesmo patamar que a Coreia, mas hoje esse país aumentou quatro vezes a sua produtividade, e nós ficamos estagnados”, afirmou o secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência e membro titular da Academia Brasileira de Ciências Ricardo Paes de Barros, durante a sessão “Desigualdades como barreiras para a sustentabilidade global” do Fórum Mundial de Ciência, na segunda-feira, 25.
Segundo o professor, esse cenário pode ser mudado com investimentos em tecnologia e inovação e melhorias na educação. Esta, apesar de ocupar posições ruins em rankings internacionais como o PISA (em que o ensino no Brasil não ficou nem entre os 50 primeiros entre 65 países avaliados), foi responsável pela redução em 56% da desigualdade nos rendimentos do trabalho. “Uma inclusão produtiva bem sucedida requer consciência da existência de oportunidades disponíveis, eliminação de barreiras artificiais, garantia de condições mínimas, entre outros fatores.”
A inclusão social na China também foi assunto discutido durante a sessão. A vice-diretora do Centro Chinês para Políticas de Agricultura da Academia de Ciências daquele país, Linxiu Zhang, mostrou que a desigualdade no sistema educacional é forte, principalmente em relação a crianças que vivem em áreas rurais pobres. “A desigualdae de renda é um fato atualmente e nada podemos fazer em relação a isso, mas devemos fazer investimentos sociais pesados que englobem toda a população, pensando no futuro”, ressaltou.
Um dos maiores determinantes da desigualdade de renda é a desigualdade no capital humano, principalmente em relação a crianças. Na China, uma criança de área urbana tem 21 vezes mais probabilidade de ir para uma faculdade de elite, em relação à uma de área rural. Ao se considerar uma faculdade qualquer, a chance daquela que mora na cidade é oito vezes maior. Além disso, nas áreas rurais, apenas 40% dos que terminam a escola secundária vão para o ensino médio, e 30% dos estudantes abandonam o ensino secundário.
Quando se trata da escola primária, a situação é ainda pior. Além da baixa qualidade do ensino, há ainda as deficiências de saúde: o índice de anemia ultrapassa 33%, problemas de visão não corrigidos atingem entre 2% e mais de 30% das crianças têm infecções intestinais por vermes. “A performance insatisfatória dos alunos de áreas rurais está relacionada às doenças”, comentou Zhang. Elas começam cedo – de 2.000 bebês testados em uma área rural, 7% estavam com um atraso significativo no desenvolvimento motor e cognitivo. “Se esses bebês não tiverem as deficiências de micronutrientes corrigidas até os 30 meses, as crianças terão problemas de saúde mental, QI, peso e altura.”
Com o objetivo de mudar esse cenário, a chinesa trabalha no projeto “Rural Education Action”, que conta com a colaboração de diversas instituições do país e busca soluções para o desenvolvimento de áreas rurais.
Políticas científicas e governança
Outra sessão abordou a importância da cooperação de governos para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação. O diretor da ABC Luiz Davidovich (na foto ao lado) citou o bem sucedido caso da 4ª Conferência Nacional de CT&I, realizada em 2010, cujas discussões sobre a ciência brasileira se estenderam até este ano. O físico também mencionou a importância de instituições como o InterAcademy Panel (IAP), International Council for Science (ICSU) e Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS), e de programas especiais, como o Future Earth, nessa relação.
A conselheira científica chefe da Comissão Europeia, Anne Glover, reiterou que o papel dos governos é fundamental em relação às políticas científicas e que é necessário criar condições para engajar business e ciência. Lamentou, no entanto, que políticos, cidadãos e a indústria representem desafios para a integração, visto que, muitas vezes, não querem “ver, ouvir e participar”. “Temos o que chamamos de ciencia 2.0 e sobrecarga de informação. A sociedade está mudando muito e se comunica instantânea e globalmente. Mas a governança continua no estagio 1.0.”
Já o ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Zimbábue Heneri Dzinotyweyi (na foto ao lado) afirmou que a maior dificuldade para este setor no país africano é a limitação financeira. “Temos a colaboração de instituições, como academias de ciência, e bons pesquisadores, mas muitos acabam indo para outros países por conta das dificuldades.”
O presidente do Conselho de Ciência do Japão, Takashi Onishi, afirmou que, em seu país, a ciência e tecnologia se pautam em três pilares: segurança, especialmente após o tsunami que devastou a costa nordeste do território em 2011; integridade, que, segundo Onishi, deve ser assegurada pelas academias científicas, e equidade, de forma que todos tenham acesso aos frutos do progresso da ciência.

(Repórter especial Clarice Cudischevitch para Notícias da ABC; fotos Cristina Lacerda)


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