Um tsunami, como ocorreu na Indonésia em 2004, um furacão, como o Katrina nos Estados Unidos em 2005, um terremoto, como ocorreu no Haiti em 2010, são eventos naturais extremos, mas eles só se tornam catástrofes humanitárias quando vitimam populações inteiras. Para um evento natural tornar-se uma catástrofe humanitária há uma parcela de culpa da ação humana que ocupa, devasta, não planeja sua presença no meio ambiente e o explora de forma predatória. E como a natureza não reconhece fronteiras nacionais, todos os países precisam envolver-se nessas questões para resolvê-las.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizou o simpósio Mudanças climáticas e desastres naturais: desafios e oportunidades para o setor de seguros em parceria com a Geneva Association [Associação de Genebra] e com o apoio da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), Munich Reinsurance Co. (Munich Re), Swiss Reinsurance Co. (Swiss Re) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no dia 26 de setembro, em sua sede no Rio de Janeiro.

Entre outras lideranças do governo, terceiro setor e da comunidade científica brasileira e internacional, palestraram o Acadêmico José Antonio Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Agostinho Tadashi Ogura, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Richard Murray, chefe do Projeto de Regimes de Responsabilidade da Associação de Genebra, e Ina Ebert, líder em Responsabilidade/Direito de Seguros da Munich Re.

Eles apresentaram a expertise de cada grupo a respeito das mudanças climáticas e ressaltaram o papel dos governos na amenização dos impactos dessas mudanças e na regulação dos litígios decorrentes delas.

Países continuam despreparados para eventos climáticos


Muitas das mudanças no clima vividas pelo planeta hoje foram antecipadas por cientistas da área através da modelagem climática, a reprodução matemática dos componentes que condicionam o clima – tais como, solo, oceanos e geleiras – e também de componentes complexos – por exemplo, a química atmosférica – para compreendê-lo em escalas de tempo distintas.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) talvez seja a principal associação sobre o assunto. Integrante do Painel e membro da ABC, José Marengo proferiu sua palestra a partir dessa experiência e alertou: “Não basta que os cientistas façam projeções, é preciso que os países façam alguma coisa a respeito”.

Marengo explicou que as catástrofes naturais são geradas pelo agravamento de eventos climáticos que a princípio não teriam as proporções alcançadas caso houvesse um planejamento para evitá-las. “As mudanças climáticas estão ocorrendo em todo globo aumentando a vulnerabilidade dos países, mas elas afetam especialmente aqueles que não estão suficientemente preparados para um evento natural extremo. Entre os fatores de risco estão o crescimento populacional, a colonização, a industrialização e ainda a aglomeração de população e valores em áreas. Todos eles são de ordem socioeconômica, mas aumentam a possibilidade dos eventos naturais tornarem-se catástrofes devastadoras”, afirmou.

De acordo com Marengo, em resposta a isso, os governos sul-americanos listaram suas prioridades na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNECC): “Esses países compartilham a preocupação em relação à agricultura e priorizaram ações de adaptação relacionadas a recursos de água potável, recursos costeiros, de biodiversidade e florestais. Também existem preocupações relacionadas à saúde humana e provisões de energia, ao passo que sistemas urbanos, transporte, habitação, pesca, áreas semiáridas, gestão de resíduos e gestão de riscos, ou seja, fatores de responsabilidade dos governos, esses foram identificados em uma extensão muito menor”.

A construção de cenários de risco ambiental também é uma forma encontrada pelos cientistas para prever o que a alteração do clima, ou um evento climático extremo, podem ocasionar a uma dada região e aos seus habitantes. Isso é feito através da identificação das ações que os componentes naturais e humanos exercem no clima e na região.

A palestra de Agostinho Tadashi Ogura, pesquisador do ITP, abordou esses cenários no Brasil. Segundo ele, a tecnologia existente para esse recurso é capaz de identificar as situações de risco e tem a capacidade de amenizar os riscos ambientais. “A dificuldade está em reverter os processos de urbanização, mudar os padrões de produção e consumo e entrar nas agendas políticas”, afirmou.

Indo adiante, Ogura afirmou que o conhecimento acumulado pela construção de cenário de risco é pouco aproveitado no país: “Mapas de risco e diversos produtos de análise de risco do impacto natural para infraestrutura das cidades existem, mas eles não estão efetivamente disponíveis para um grande número de empreendimentos, e ficam sem ser utilizados, apesar da sua importância”.

No seu modo de ver, isso impede a construção de cidades seguras no Brasil, fato que se relaciona com o gerenciamento dos riscos e também com o gerenciamento das informações e conhecimentos existentes sobre eles. Por isso, ele sugeriu um conjunto de medidas que podem mudar esse quadro: “Há uma grande quantidade de dados técnicos, informações e produtos resultantes de investigação e análise que deve ser organizada para estar disponível para a prevenção de riscos. Os cenários de risco mudam dinamicamente e precisamos usar conhecimentos básicos e avanços tecnológicos atuais para a formulação do modelo adequado, capaz de prever e quantificar esses riscos. Big data, que em tecnologia da informação é um conceito sobre grande armazenamento de dados em alta velocidade, devem ser continuamente coletados e processados por poderosos sistemas integrados em plataforma GIS [Sistemas de Informação Geográfica] para gerar informações sistemáticas sobre o potencial condição de risco variável ao longo do tempo e de lugar para lugar. Além disso, a educação é uma forma importante e barata para aumentar a capacidade das pessoas em reduzir os impactos das condições adversas da natureza”.

Governo precisa arbitrar litígios entre o mercado segurador e a sociedade

Richard Murray, da Associação de Genebra, abordou a responsabilidade civil por catástrofes climáticas em sua palestra e como essas demandas podem estimular o crescimento do mercado de seguros gerais no Brasil e no mundo.

Seguros de responsabilidade civil são aqueles em que a empresa seguradora cobre o risco de o segurado ter de vir a indenizar terceiros por danos que lhes cause, seja por uma atividade, uma profissão ou situações cotidianas e extraordinárias da vida em sociedade. No jargão do setor, a ocorrência de um dos riscos segurados chama-se sinistro.

Murray explicou que no caso de seguros de responsabilidade civil so
bre eventos climáticos, os sinistros são regulados por fatores externos às regras do setor, fazendo com que as despesas da indústria seguradora aumentem muito. “A repercussão na sociedade em torno dos sinistros está influenciando as atividades do setor, e tem uma participação decisiva da fúria social e da mídia nesse processo. A privação não compensada suficientemente e o aumento das demandas massificadas motivam essa repercussão, havendo também, no entanto, muito oportunismo e ganância em jogo”, afirmou.

Indo adiante, Murray situou essa questão no Brasil. Para ele, o direito de responsabilidade civil e o mercado de seguros patrimoniais são pouco desenvolvidos no país, o que eleva o potencial de despesas das seguradoras devido ao risco de perdas imprevistas. Além disso, o número de grupos de pressão organizados na sociedade brasileira e em países da América Latina em torno das mudanças climáticas está crescendo.

Por isso, ele defendeu que as oportunidades de crescimento do setor no país dependem de uma postura das empresas seguradoras, que inclui a criação de seguros de responsabilidade civil ajustados às necessidades brasileiras e parceria com outros setores, como as universidades, para aumentar a expertise de análise de risco, e com o governo, para a mitigação das perdas e a independência dos fatores externos para a formulação de seguros e a sua precificação.

Ina Ebert, da Munich Re., deu prosseguimento ao tema de seguros de responsabilidade civil por eventos climáticos abordando os litígios entre sociedade e empresas seguradoras que estão ocorrendo em diversos países. Ela deu como exemplo os processos judiciais existentes nos Estados Unidos em função de eventos climáticos. “Vítimas do furacão Katrina estão em litígio contra a Murphy Oil, reclamando os danos causados pelas emissões de gases de efeito estufa argumentando que isso contribuiu para o aquecimento global e produziu as condições que resultaram no Katrina, causando danos às suas propriedades, aumentando os preços dos seguros. Nos estados do Alasca, Mississippi e Massachusetts há litígios semelhantes”.

A seu ver, a repercussão social das catástrofes precisa ser mediada pelo governo ou pelo estabelecimento de uma regulação que distribua a responsabilidade das mudanças climáticas entre os diversos setores. “Em todos esses casos, poderiam os pleiteantes demonstrar que seus prejuízos foram imediatamente causados pela conduta dos réus?”, questionou. “Para o setor de seguros a responsabilidade de emissões de gases como o CO2 [gás carbônico] precisa ser tratado juridicamente para que seja definido com legitimidade o quanto da mudança climática é de responsabilidade e deve ser creditada ao segurado. É preciso definir quem causa exatamente qual dano para quem e em qual a extensão”, afirmou.