Durante todo o ano de 2012, a ABC promoveu Encontros Regionais de Membros Afiliados que procuraram não só incentivar a interação entre os pesquisadores presentes, mas também discutir temas de essencial importância ao desenvolvimento do país. Em todas as regiões, os debates passaram pela ética na ciência, por análises críticas da produção científica e pelo financiamento e internacionalização da ciência brasileira. O que, no entanto, despontou como tema mais freqüente – sendo analisado de maneira profunda nos eventos de todas as vice-presidências – foram os desafios e oportunidades em ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
Antigo lastro de desigualdades
“Assimetria é uma maneira polida de se dizer desigualdade”, definiu o Acadêmico e professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Maurício Lima Barreto, palestrante da mesa redonda que tratou das assimetrias regionais durante a reunião organizada pela Regional Nordeste e Espírito Santo. Sob a coordenação do Afiliado Krerley Oliveira, os outros conferencistas do painel eram José Fernandes Lima e o também Acadêmico Valfredo Azevedo Lemos. Segundo Barreto, com o gradual desenvolvimento da ciência e tecnologia brasileiras, torna-se cada vez mais difícil explicar os motivos pelos quais a região nordeste não consegue acompanhar o ritmo de crescimento do país.
Os palestrantes Maurício Lima Barreto, Valfredo Lemos e José Fernandes Lima
Identificando a assimetria científica da região como um antigo lastro de desigualdades políticas, econômicas e sociais, dois dos expositores – José Fernandes Lima e Valfredo Lemos – opinaram que a situação é ainda mais grave quando se fala do interior do nordeste. “Atualmente, os cientistas que trabalham nessas localidades o fazem por vocação, pelo real desejo de transformar essas realidades, pois as condições ainda não são favoráveis à produção científica. E o mais interessante é que isso não tem impedido que bons projetos sejam realizados”, constatou Lima, presidente do Conselho Nacional de Educação. Definindo que “a forma de reprodução da desigualdade passa pelas escalas nacional, regional e estadual, envolvendo todos e aumentando a responsabilidade dos gestores”, Valfredo – professor pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – concordou com a fala de Lima.
Um sucesso retórico
Dando continuidade às discussões da Regional Nordeste, pesquisadores presentes no encontro promovido por outra vice-presidência da ABC concluíram que a comunidade científica brasileira deve – com urgência – voltar suas atenções às regiões menos desenvolvidas do país. Consciente de que a CT&I atua como vetor fundamental no crescimento de qualquer localidade e focando no caso específico da Amazônia, a Regional Norte também se dedicou à assimetria regional em painel intitulado “Ciência, Integração e Desenvolvimento Regional”. Com falas de José Seixas Lourenço, reitor da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), e Emmanuel Zagury Tourinho, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA), a mesa – mediada pelo vice-reitor da UFPA, o Acadêmico Horácio Schneider – teve os Afiliados Cecília Verônica Nunez e Bruno Duarte Gomes no papel de relatores.
Elogiando a iniciativa, Lourenço baseou sua apresentação no documento “Amazônia: Desafio Brasileiro do Séc. XXI”, de autoria da própria ABC. Em nome da instituição, os dois conferencistas foram convidados por Roberto DallAgnol a integrarem o Grupo de Estudos da Academia sobre a Amazônia. Além disso, o vice-presidente regional explicitou o interesse da Academia não só em atualizar sua publicação sobre a região, mas também em investir esforços para colocá-la em destaque na agenda do governo.
De acordo com José Seixas, ex-diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, a atração e fixação de doutores continuam sendo as maiores dificuldades enfrentadas pela região. Assim, o professor avalia como essencial o estabelecimento de valores diferenciados para bolsistas da região: “Seria de fundamental importância os presidentes da ABC e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) irem conosco à Brasília para reivindicar maiores investimentos, através de uma remuneração adicional, que estimulem doutores a se fixarem na Amazônia. Somente com uma ação política efetiva será possível promover esse crescimento.”
Realizando uma retrospectiva do contexto amazônico, o ex-diretor presidente da Companhia de Mineração do Pará afirma que a região, antes vista como mera fonte de exploração, passou a despertar grande interesse no exterior. Reativamente, o governo brasileiro começou a incentivar sua ocupação e integração efetiva às pautas nacional e internacional. “À época, era necessário preservar e manter o controle sobre a área. Atualmente, no entanto, a mudança é no sentido de uma preocupação ativa: conhecer para preservar”, opina.
Emmanuel Z. Tourinho, por sua vez, classificou a Amazônia como um sucesso retórico e um fracasso no tocante a ações efetivas. “A pouca velocidade com que ela cresce não nos permite reduzir a lacuna em relação à ciência nacional de ponta”, aponta. Em sua visão, a existência de uma base científica regional sólida é fundamental para o crescimento socioeconômico do país. No entanto, apesar do consenso em relação a essa afirmação, o Brasil continua com uma baixa densidade de recursos humanos na região amazônica. “Hoje em dia, existem mais artigos publicados sobre a Amazônia por pesquisadores estrangeiros do que por brasileiros”, ressalta.
Convicto de que ainda são tímidas as políticas públicas nesse sentido, Tourinho defende a proposição de ações conjuntas entre todos os estados da região: “Uma vez que existem problemas em comum, é necessário pensar e construir medidas conjuntas, evitando separar a Amazônia em Oriental e Ocidental.” O pró-reitor ainda lembrou que a limitação de recursos financeiros se agrava devido à diversidade da demanda. “Se não forem estabelecidas prioridades, os poucos recursos existentes serão pulverizados”, explica. Assim, para que os investimentos sejam aplicados de forma mais eficiente, o coordenador do Colégio de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação das Instituições Federais de Educação Superior (Copropi) ressalta que as lideranças locais devem ser consultadas.
Segundo ele, um exemplo dessa positiva interação entre lideranças locais e agências federais é o edital “Pró-Amazônia”, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ademais, visando a essa unificação de ações, o Fórum de Pró-Reitores da Região Norte elaborou o “Programa de Atração e Fixação de Doutores na Amazônia”, o qual apresenta propostas concretas para reduzir as assimetrias regionais no que diz respeito à especialização dos recursos humanos. O projeto recebeu o apoio de Ideli Salvatti, atual
ministra da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e do deputado federal Sibá Machado.
Por fim, Tourinho afirmou que o país ainda não se deu conta da complexidade de se trabalhar em uma região como a Amazônia. “Para ir de um município a outro, muitas vezes são necessárias seis horas de barco”, destaca. Para lidar com essas particularidades, as instituições de ensino locais têm de se adaptar. A estrutura curricular da Ufopa, por exemplo, oferece a seus alunos uma grade extremamente interdisciplinar, composta por institutos sobre os seguintes grandes temas: águas, biodiversidade, geociências, ciências da sociedade e ciências da educação.
Alocação de investimentos
A Regional Minas Gerais & Centro-Oeste, por sua vez, destinou dois momentos distintos à análise da CT&I brasileiras. No primeiro deles, discutiram-se os principais desafios da área. Em sessão moderada pelo Afiliado Ricardo Fujiwara, os palestrantes foram Mário Neto Borges, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig); Renato Lima Santos, pró-reitor de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e os Acadêmicos Ado Jório de Vasconcelos e Marcelo Terra Cunha. Na visão dos expoentes, como resultado de uma mudança geopolítica mundial em curso, é grande a expectativa em relação à futura influência do Brasil na produção científica global. Entretanto, mesmo que o país ocupe uma posição de destaque nesse cenário, Borges avalia que a CT&I ainda não é suficientemente valorizada pela sociedade e pelos governantes brasileiros.
Os conferencistas Marcelo Terra Cunha, Membro Afiliado da ABC, e Mário Neto Borges
Mario Neto Borges enumerou os desafios em questão. Primeiramente, falou sobre o volume de recursos que o país destina à área: a partir do exemplo da Coreia do Sul, que aproveitou o momento de crise para aumentar seus investimentos em CT&I – chegando a um percentual de 4% de todo o seu Produto Interno Bruto (PIB) – ele lamentou os contingenciamentos sofridos nos últimos dois anos. Borges espera que, no ano de 2013, as perspectivas do ministro de CT&I Marco Antonio Raupp de que o setor federal trabalhe com o orçamento integral do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) se confirmem. “Mesmo assim, alcançaremos, no máximo, 1,15% do PIB, o que é muito pouco se realmente quisermos competir no âmbito internacional. Para isso, é necessário chegar ao menos a 2%.”, alerta.
O presidente da Fapemig também destacou que, em muitos casos, os recursos existem, mas – em função da excessiva burocracia – é difícil utilizá-los. A ressalva foi amplamente apoiada pelos outros palestrantes. Terra Cunha, por exemplo, afirmou: “Ninguém entende ao certo as regras de aplicação dos recursos. Certamente, é angustiante correr atrás do dinheiro, mas é ainda pior tê-lo em mãos e não conseguir utilizá-lo de acordo com o planejado.” Já para Santos, o que permeou a fala de todos os participantes da mesa foi a frustração de praticar ciência em meio a um arcabouço jurídico extremamente impeditivo. Por fim, Mario Neto Borges propôs um apoio efetivo à proposta do Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que tramita no Congresso Nacional desde o ano passado. “Espero que esse documento tenha especial preocupação em deixar muito explícitos os princípios que devem nortear a utilização dos recursos”, anseia.
Renato Lima Santos (na foto ao lado) também levantou que uma das maiores barreiras para o crescimento da produção científica brasileira é a natureza de seu investimento, majoritariamente público. “A única possibilidade de se alavancar produção científica no país é através do aumento do investimento privado, que apresenta características diferentes das do investimento público”, opina.
Deixando a questão dos financiamentos de lado por um momento, Borges falou sobre a precariedade do ensino básico nacional, o que acaba por constituir um enorme empecilho para as universidades e agências de fomento à CT&I. Apesar de seus resultados bastante positivos na pós-graduação – formando 13 mil doutores e 40 mil mestres por ano – e a 13ª colocação no ranking de produção mundial de ciência, a base da educação brasileira é muito frágil. “Antes, o problema do país era colocar todas as crianças na escola. Isso já foi resolvido. Agora, o foco deve ser a qualidade”, explica. De acordo com ele, o país ainda tem muito o que aprender nesse sentido: na Coreia, por exemplo, a melhor aposentadoria – em termos de valores – é a do professor do ensino básico. “Valorizar esses profissionais é uma decisão da política nacional do mais alto grau de importância”, defende.
Na visão de Santos, a formação de pessoal qualificado também figura como um dos maiores desafios para a ciência brasileira. Passando à análise do ensino superior, ele critica: “No Brasil, os pesquisadores são treinados para publicar papers e não para resolver problemas tecnológicos das diversas áreas do conhecimento.” Segundo o pesquisador, a concessão de 10% do PIB para a educação seria capaz de resolver o problema, caso esse dinheiro fosse bem investido. “Assim como se 2% do PIB fossem voltados para ciência, tecnologia e inovação”, finaliza Borges.
Casos de sucesso
A fala do Acadêmico Nívio Ziviani, em painel intitulado “Mobilizando conhecimento para geração de riqueza por meio da inovação”, constituiu o segundo momento do evento destinado à temática em questão. Coordenador do Laboratório para Tratamento da Informação do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, ele falou sobre o potencial de pesquisa da universidade brasileira.
Inicialmente, Ziviani falou sobre a diferença entre patentes em função das áreas do conhecimento. Segundo ele, uma patente das áreas de farmácia, química ou biologia leva dez anos para chegar ao mercado. “Em contrapartida, em empresas intensivas em conhecimento das áreas das engenharias, computação e ciência da informação, uma ideia pode chegar ao mercado em dois anos”, relata o pesquisador, que é também Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico – título outorgado pela Presidência da República.
Em seguida, o professor emérito da UFMG passou a relatar alguns casos de sucesso da instituição. Seu primeiro exemplo foi a Akwan, empresa que – idealizada pelo Acadêmico Edleno Moura – criou um mecanismo de busca utilizado pelo Farejador IG e pela UOL e, no ano de 2005, foi comprada pela Google. “Esse fato levou à construção de um centro de pesquisa e desenvolvimento na UFMG, que hoje conta com 130 funcionários. Isso é geração de riquezas”, observa Ziviani.
De acordo com o palestrante, o modelo de criação de start-ups da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT/UFMG), liderada pelo Afiliado Ado Jório de Vasconcelos, começa com uma boa ideia. “Dela se faz um protótipo e, em seguida, entram a tecnologia, a gestão empresarial e o networking, o que gera empreendimento. É preciso ter um plano de negócios e, nesse contexto, a universidade passa a figurar como sócia. Por ser uma sociedade anônima, a start-up não responsabiliza os órgãos envolvidos por event
uais prejuízos financeiros”, explica. Ziviani ainda explica que, nessas empresas, a parte voltada para pesquisa é desenvolvida por alunos de mestrado e doutorado, que são funcionários da empresa. “As dissertações e teses alimentam diretamente a tecnologia. O objetivo é gerar resultados melhores do que o estado da arte”, finaliza.
Identificando os principais desafios da ciência brasileira
Em mesa redonda mediada pelo Membro Afiliado Adriano D. Andricopulo, a Regional São Paulo também promoveu debates sobre os desafios e oportunidades do Brasil em CT&I. Os palestrantes foram os Acadêmicos Hernan Chaimovich, vice-presidente da ABC; José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor-USP); e Manoel Barral Netto, diretor de Relações Institucionais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para Krieger, todos os desafios enfrentados atualmente pela ciência brasileira começam com a palavra “aumentar”. É necessário, em sua visão, aumentar relevância da pesquisa realizada, o número de pesquisadores, a internacionalização e a demanda por pesquisa nas empresas. A área biomédica, seu campo de atuação, está estreitamente ligada à geração de conhecimento, triagem de tecnologia e desenvolvimento potencial de riqueza. Segundo ele, nesse contexto, o papel do governo pode variar: nos Estados Unidos (EUA), por exemplo, suas atribuições são muito bem definidas – é ele o responsável pela infraestrutura e pela educação da população norte americana. “Enquanto 70% da educação dos EUA – considerados o grande centro do capitalismo mundial – é pública, em nosso país esse número é praticamente o inverso”, observa.”Para fazer inovação e transformar conhecimento em riqueza, é preciso, em primeiro lugar, de estabilidade econômica”, enfatiza o cientista, destacando que existe ainda o empecilho da falta de cultura da inovação na sociedade brasileira. A questão do ambiente pode parecer simples, mas não é. Krieger identifica no Brasil aspectos com os quais poucos países têm de conviver: dimensões continentais, 200 milhões de habitantes que falam a mesma língua e um sistema único de saúde que, na sua opinião, não funciona porque – além de pouco eficiente – é subfinanciado. “Os países chamados desenvolvidos gastam entre 8% e 12% do PIB em saúde. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) só conta com 3,5% do PIB.”
Durante o debate também foi levantada a questão das patentes, já discutida por Ziviani no evento da Regional Minas Gerais & Centro-Oeste. A produção científica brasileira, de acordo com Chaimovich, é muito acadêmica, o que acaba por gerar poucas patentes – uma vez que as pesquisas realizadas em empresas são aquelas que, de fato, geram um número significativo de produtos e processos. Nesse sentido, o vice-presidente da ABC acredita que as patentes úteis e lucrativas, as quais realmente interessam, não se encontram no conhecimento médio. “Esse é o nosso grande desafio: começarmos a ser menos numéricos e incentivar mais a chegada na fronteira do conhecimento. As patentes são parte de um processo da formação de produto e de riqueza”, opinou, retomando o assunto iniciado por Krieger.
Também passando pelas assimetrias regionais, questão amplamente discutida no evento das Regionais Norte e Nordeste, Chaimovich opinou que o país vem lentamente removendo as lacunas de produção de científica antes existentes em determinadas localidades. De acordo com ele, é essencial que as pessoas com aptidão para a ciência tenham a oportunidade de descobrir esses talentos. “Quando se vive em um ambiente onde ninguém realiza pesquisa, é quase impossível descobrir seu gosto pela área. Por outro lado, a descentralização da produção científica brasileira seja necessária, isso não significa que o objetivo é torná-la completamente uniforme”, alerta.
Partindo da premissa de que avanços econômicos estão muito atrelados a maciços investimentos em CT&I, o conferencista Barral Neto reconhece que o Brasil, nos últimos anos, evoluiu significativamente no tocante à quantidade e qualidade das pesquisas aqui realizadas. Situado entre a 12ª e 13ª produção científica internacional – dependendo da base de dados – ele possui a sexta economia mundial. Por outro lado, existem também outros preocupantes números que não podem ser ignorados: atualmente, de 1000 pessoas economicamente ativas no país, só 1,25 são pesquisadores. Além disso, apenas quatro universidades nacionais se encontram entre as maiores do mundo, todas elas situadas após a 100ª posição. Isso, na visão do pesquisador, é inquietante: “Como a maior parte da nossa produção científica é universitária, devemos identificar os motivos pelos quais as nossas universidades não têm uma relevância internacional maior.”
Após apontar o excesso de burocracia como maior entrave para a realização de pesquisa científica nacional, Barral Neto falou sobre a internacionalização da ciência – o que, segundo ele, configura uma necessidade prioritária do país. “Nós recebemos poucos estrangeiros e também não enviamos muita gente para o exterior. Na USP, por exemplo, somente 3% dos alunos de doutorado são de fora do Brasil. Ou seja, mesmo em uma de nossas maiores universidades, existe pouco dinamismo na questão da internacionalização”, explica.
De acordo com o Acadêmico, uma das explicações para isso é o ensino exclusivamente em português, que prejudica tanto o brasileiro que pretende estudar fora, como o estrangeiro que deseja conhecer as instituições de ensino brasileiras. “O programa Ciência sem Fronteiras (CsF) acabou de demonstrar que o Brasil é um país extremamente monolíngue. Nós perdemos cerca de 50% dos candidatos a bolsas no exterior, pois eles não atingem os níveis de proficiência requeridos, ainda que os padrões estabelecidos pelas instituições estrangeiras sejam bastante baixos. Se nós realmente quisermos internacionalizar, teremos que ter uma quantidade maior de disciplinas oferecidas em inglês”, sentencia.
Pesquisa em engenharia deve ser fomentada em áreas estratégicas
Analisando o CsF sob um prisma diferente, a Afiliada Juliana Loureiro – palestrante do evento organizado pela Regional Rio de Janeiro – opinou que a comunidade de engenheiros que pesquisa e produz resultados de alto nível é pequena no Brasil: “A formação de profissionais dessa área em nosso país é, hoje, um problema crítico. O Brasil apresenta um déficit de 20 mil engenheiros, sem incluir a demanda por mestres e doutores.” Por esse motivo, Loureiro afirma que não apoia o envio de estudantes da área para o exterior por meio desse programa.
“Os alunos de engenharia viajam por um período de dois anos e, quando retornam ao Brasil, não conseguem validar as disciplinas que lá cursaram. Assim, uma formação que deveria demorar cinco anos se estende para sete, sendo que esses dois anos a mais não trazem benefícios significativos que justifiquem suas viagens”, explica. Ela ainda avalia que o estudante muitas vezes não recebe a devida atenção e respeito dos professores no exterior e acredita que o programa de iniciação
científica (IC) brasileiro pode ser mais proveitoso: “Ao ingressar na IC, o estudante passa a ter mais contato com a pesquisa e, dessa forma, se motiva a aprender o conteúdo das disciplinas da graduação.”
Passando ao caso das pós-graduações, a professora adjunta do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) acredita ser fundamental que as empresas e instituições tecnológicas mudem suas mentalidades e passem a contratar mestres e doutores conscientes de que eles irão gerar resultados mais relevantes – e com maior alcance – do que um profissional só com nível de graduação. Para exemplificar, Juliana citou o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que contratou 600 novos mestres e doutores como concursados, o que mudou efetivamente a missão da instituição.
Ainda de acordo com a pesquisadora, dois pontos muito críticos da área são o discernimento entre pesquisa fundamental e pesquisa aplicada e a combinação – de maneira proveitosa – dessas duas vertentes. Atentando para o fato de que não se tratam de práticas estanques e incapazes de dialogar entre si, ela citou o caso de Irving Langmuir. Primeiro químico industrial a ser laureado com o Prêmio Nobel, o norte-americano demonstrou que a pesquisa aplicada também pode ser reconhecida como produção de alto nível. “Ele dizia que entender os princípios do mundo físico e produzir melhoramentos na tecnologia são partes de uma mesma empresa”, completou a professora. Por fim, Loureiro afirmou que a preocupação com a aplicabilidade confere considerável direcionamento à pesquisa.
Uma minuciosa análise das medidas governamentais
A abordagem realizada pela Regional Sul foi um pouco mais específica: pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o professor Jorge Luis Nicolas Audy falou a respeito do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020 e da Agenda Nacional de Pesquisa 2012-2020.
Sobre o PNPG – cuja construção foi coordenada por Francisco César de Sá Barreto, Membro Titular da ABC, e os resultados apresentados à comunidade acadêmica em 2011 – instituiu-se uma Comissão Especial para acompanhar e monitorar sua implantação. Outra tarefa dessa equipe era coordenar a elaboração da Agenda Nacional de Pesquisa, proposta que surgiu durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia – reunião que, realizada no ano de 2010, contou com a coordenação de Luiz Davidovich, diretor da ABC – e a qual foi posteriormente publicada no Livro Azul da Conferência. Vale ressaltar que integravam a comissão, além do próprio conferencista, os Acadêmicos Álvaro Toubes Prata (MCTI), Celso Pinto de Melo (UFPE), João Fernando Gomes de Oliveira (USP) e Paulo Sérgio Lacerda Beirão (CNPq).
Audy relatou ainda que os eixos do PNPG 2011-2020 são a expansão do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), a criação da Agenda Nacional de Pesquisa, o aperfeiçoamento do sistema de avaliação, a interdisciplinaridade e o apoio a outros níveis de ensino. O Plano, segundo ele, foi muito alicerçado no documento da ABC “Subsídios para a Reforma do Ensino Superior”. Sobre um dos principais objetivos do documentos – o seu “casamento” com o Plano Nacional e Educação (PNE) – o palestrante afirmou: “A meta mais complexa é atingir o numero de 60 mil mestres e 25 mil doutores.”
Passando ao sistema de financiamento a pesquisas no Brasil, o palestrante teceu críticas ao que chamou de “Sistema U”, que inclui o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU) – os quais, a seu ver, transformaram a ciência brasileira “em um relatório de adequação de rubricas e não de resultados de pesquisa”. Audy também reconhece que o orçamento da Capes aumentou 50% de 2010 para 2011, mas aponta que o do CNPq está totalmente atrelado ao FNDCT, não contando com recursos próprios.