As regiões tropicais têm grande potencial para produção de alimentos de origem vegetal e animal. Contudo, características climáticas e de solo requerem adequações tecnológicas para a plena exploração deste potencial. Por suas características, o Brasil tem desenvolvido competência tecnológica nesta área, que deve ser priorizada como elemento estratégico para o pleno desenvolvimento socioeconômico, com fortes repercussões em outras regiões do planeta.
A mesa-redonda realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, durante o 2º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência 2013, teve como palestrantes Evaldo Ferreira Vilela (Universidade Federal de Viçosa – UFV), que tratou da tecnologia aplicada à expansão da agricultura tropical; José Aurélio Bergmann (UFMG), cuja apresentação abordou a produção animal nos trópicos; e o Acadêmico Elíbio Rech (Universidade de Brasília – UnB), que falou sobre biotecnologia e engenharia genética aplicada à produção de alimentos. O coordenador foi Gilman Viana Rodrigues (Emater-MG) e o relator foi o Acadêmico José Oswaldo Siqueira.
Gilman Rodrigues, Evaldo Vilela, José Aurélio Bergmann, Elíbio Rech
De acordo com o resumo do relator – o Acadêmico José Oswaldo Siqueira, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV-Vale) e professor emérito da Universidade Federal de Lavras (UFLA) -, a agricultura brasileira renasceu com a decadência da mineração no século XVIII para garantir as exportações, época em que sofreu grande influência dos europeus e, mais tarde, dos norte-americanos. “Eles instituíram as primeiras escolas de agricultura no país e foram os primeiros pesquisadores a serem contratados para os institutos de pesquisa criados na época, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
“É interessante notar que, por longo tempo, acreditava-se que somente as regiões temperadas poderiam efetivamente alimentar o mundo- um paradigma preconceituoso que atrasou muito nossa agricultura, que era extrativista naquela época. “De fato, a importação de tecnologias de produção dos países desenvolvidos não deu certo no Brasil e só conseguimos crescer quando nos tornamos capazes de desenvolver técnicas próprias”, observou Siqueira.
O Brasil que deu certo
Siqueira destacou que nas três conferências apresentadas foram abordados diversos temas sobre a CT&I no contexto da produção vegetal e animal no Brasil, todas com ênfase na evolução da geração de conhecimento e na relação deste com a construção de competência científica e capacidade de produção no campo. “Ficou muito evidente nas apresentações que o Brasil reinventou a agricultura e promoveu a maior revolução tecnológica já vista em terras tropicais, revolução esta que teve grandes consequências para o desenvolvimento industrial, tecnológico e social do país”, resumiu.
A agricultura contribuiu para a urbanização e, por consequência, para a industrialização, garantindo alimentos na cidade e promovendo melhoria da qualidade de vida geral para milhões de brasileiros. Essa revolução foi, inicialmente, fundamentada nos princípios da revolução verde. Entretanto, com o tempo, esses princípios mostraram seus efeitos adversos, exigindo mudanças. E as mudanças ocorreram, levando a uma nova onda de desenvolvimento que emprega tecnologias mais avançadas e sistemas de produção inovadores, de alta eficiência produtiva, elevada consciência ecológica e ambiental e responsabilidade social.
O conjunto destas atividades, denominado agronegócio, tornou-se o setor de maior importância econômica do país, com um PIB que atinge quase um trilhão de reais/ano, gerando empregos e renda e garantindo a segurança alimentar do brasileiro. Tornou-se o setor de maior contribuição para os valores exportados, contribuindo efetivamente para o pagamento da dívida externa brasileira. Siqueira ressaltou que “nossa agricultura sempre se mostrou muito dinâmica e com grande capacidade de mudanças e assim poderá seguir sua trajetória de eficiência e intensificação, contando com amplo suporte da C&T nacional.”
O Brasil da agricultura e da pecuária é o Brasil que deu certo e que serve de exemplo para o resto do mundo. O país passou de uma agricultura baseada em processos predatórios e trabalho escravo para uma agricultura moderna, eficiente, sustentável, competitiva internacionalmente e com fortes repercussões em outras regiões do planeta. “Por esses avanços, o país se tornou referência mundial na produção agrícola, no combate à fome, na expansão da produção, na formação de recursos humanos, exibindo grande potencial para transferência de agro tecnologias para outras regiões tropicais”, acrescentou Siqueira.
Intensificação sustentável
A ciência e a tecnologia (C&T), aliadas a políticas públicas e investimentos, tiveram papel fundamental nesse processo. “Realizamos avanços incríveis no volume e eficiência da produção, tanto vegetal quanto animal, o que tem contribuído para diminuir os impactos negativos das atividades agropecuárias, especialmente sua extensão para novas terras, à custa da destruição de ecossistemas naturais”, relatou o pesquisador.
Os sistemas de produção atuais são conservadores da água, dos nutrientes e da biodiversidade do solo, além de contribuírem para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). No século XXI, o país trilha o caminho da “intensificação sustentável”, que consiste em produzir mais com o mesmo, ou seja, usando menos área, insumos e água. É uma fase mais intensiva em capital e conhecimento de vanguarda, com abordagem multidisciplinar e visão sistêmica. “Nossa agricultura é o melhor exemplo de sucesso em inovação tecnológica em seu sentido mais amplo, pois promove a criação de valor no setor privado e o desenvolvimento de interesse público”, apontou Siqueira.
Pequenos agricultores passam fome
Outro aspecto discutido foi a estrutura fundiária e sua relação com a produção agrícola brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 76,3% do valor da produção são obtidos em apenas 30,7% dos domicílios agrícolas formados por médios e grandes agricultores. Siqueira afirma que isto está em consonância com o que tem sido apontado em diversos estudos mundiais, que indicam que a produção em larga escala é que garantira o fornecimento da demanda mundial de alimentos em 2050.
Por outro lado, dados da Food and Agriculture Organization (FAO/ONU) mostram que 70% das pessoas que passam fome no mundo são pequenos proprietários de terras, o que leva a uma reflexão importante sobre a política agrária nos países em desenvolvimento. “Isso indica que repartir a terra, além de causar sérios impactos ambientais, não resolve o problema da insegurança alimentar e da pobreza”, observou o relator. “Um dos grandes desafios da agricultura brasileira é melhorar a qualidade de vida da pequena fração de brasileiros que ainda vive no campo”, alerto
u, comentando que, no entanto, isto se torna difícil quando se considera que cerca de 80% destes tem baixa escolaridade, sendo a maioria analfabeta. Siqueira ressaltou que, ainda assim, há muitos casos de sucesso da agricultura familiar, pequenos produtores e mesmo comunidades de assentados em programas de reforma agrária, “quando recebem crédito financeiro, tecnologias apropriadas e assistência técnica diferenciada.”
Ciência agrícola brasileira
A ciência da produção agrícola é o conhecimento que gera riqueza e alimenta a humanidade, e por isso sua designação deveria ser expandida para Ciência Agrícola e da Alimentação, pois abrange o campo, a mesa e a saúde das pessoas. Ao longo das últimas quatro décadas, o Brasil construiu o mais robusto sistema de formação de recursos humanos em nível técnico, de graduação e pós-graduação e de competência para a pesquisa agropecuária do mundo.
O país se destaca no cenário mundial contribuindo com 2,7% do fluxo cientifico internacional, o que o garante a 13ª posição no ranking global da geração de conhecimento. A área de agrárias é a que mais contribui com esta produção, sendo responsável por 4% da produção brasileira indexada. “O interesse pela nossa ciência agrícola, assim como sua visibilidade crescem marcadamente, fazendo com esta área ocupe a 10ª posição neste campo no ranking mundial.”
Segundo o relator, a competência brasileira nessa área representa um potencial ainda pouco explorado mundialmente para aliviar o problema da fome que assola quase um bilhão de pessoas nos países não desenvolvidos, a maioria nos trópicos. “Esta capacidade poderia ser melhor utilizada em programas de cooperação solidaria internacional, para promover formação de recursos humanos nos países pobres. Mas isso parece não ser prioridade para a diplomacia e órgãos governamentais brasileiros.”
Siqueira apontou, também, alguns aspectos negativos. Embora seja referência em algumas áreas – como controle biológico, microbiologia de solos tropicais, manejo sustentável de sistemas agropecuários, bovinocultura, café, cana, soja e eucalipto -, o Brasil tem grandes lacunas e desafios a vencer, como a tropicalização do trigo, a revitalização do cacau, aquicultura e pesca, uma maior nacionalização da cadeia de insumos.
Segurança alimentar no mundo
O volume global de recursos financeiros destinados a pesquisa agrícola corresponde a 5% do total de investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e não cresce há anos. Como se não bastasse, mais de 70% dos recursos investidos são de países desenvolvidos e a maior parte vem da iniciativa privada.
“Esta é uma situação paradoxal e preocupante, quando se considera que a expansão agrícola para atender a demanda futura de alimentos deverá ocorrer fora dos países desenvolvidos – ou seja, nas regiões tropicais -, onde se concentra também a maior demanda futura por alimentos”, apontou Siqueira. Ou seja: haverá terras para a expansão da produção nos países não desenvolvidos, mas o domínio tecnológico estará no setor privado do mundo desenvolvido. “O Brasil terá um papel importante no equilíbrio desta questão mundial.”