Doenças como dengue, sarampo, febre amarela, malária, leishmaniose, hanseníase (lepra), virose gripal – que afetam um bilhão de pessoas no mundo, principalmente em países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – são negligenciadas no Brasil tanto pelo setor público como pela indústria farmacêutica, que não tem interesse de desenvolver medicamentos para combatê-las.
Essa foi a tônica das discussões de especialistas da área de saúde que ministraram palestra em 30/10, último dia do 2º Encontro Preparatório do Fórum Mundial de Ciência, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. A palestra teve como tema central “A contribuição da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) para a saúde nos trópicos”. O evento foi organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), UFMG e MCTI, dentre outros órgãos.
Embora configure no ranking de 6ª maior economia do mundo, o Brasil tem significativos índices de doenças negligenciadas, o que representa obstáculos para o desenvolvimento nacional. A Organização Mundial da Saúde (OMS) registra 13 doenças como as principais enfermidades negligenciadas no mundo, a maioria presente no território brasileiro.
“Não há condições de uma nação querer ser moderna ou soberana com desenvolvimento social e econômico se não tiver base cientifica e tecnológica”, declarou Manoel Otávio da Costa Rocha, professor titular do Departamento de Clínica Médica da UFMG e pesquisador do CNPq, em sua palestra. Segundo ele, o Brasil é o segundo país com maior índice de hanseníase, ainda que essa seja uma das doenças mais antigas do mundo.
Ausência de políticas públicas
Em outra frente, o Acadêmico Rodrigo Corrêa-Oliveira (na foto ao lado), da Fiocruz-MG, afirmou em sua apresentação que a negligência é a principal causa da incidência dessas doenças – atreladas à pobreza e a miséria. Apesar de reconhecer ações pontuais no País, ele critica a falta de medicamentos eficientes e de políticas públicas para combater e controlar essas enfermidades. “O financiamento para o desenvolvimento de pesquisas para produção de vacinas é baixo ou muitas vezes não existem”, declarou o cientista.
Reforçando tal posição, o professor do Departamento de Clínica Médica da UFMG destaca a necessidade de aumentar a produção de conhecimento científico nessa área, de formar recursos humanos adequados; produzir meios de diagnósticos, medicamentos e vacinas e fortalecer as revistas científicas nacionais a fim de estimular o avanço científico e tecnológico do País.
Análise do contexto
Além de estudos laboratoriais para produção de medicamentos, o cientista da Fiocruz recomendou analisar as questões socioeconômicas e culturais das comunidades prejudicadas pelas enfermidades. Conforme ele entende, a falta de tratamento de esgotos e de serviços de saúde, fora as mudanças climáticas, impactam diretamente na capacidade de controlar essas doenças. “Tem de ser uma abordagem integrada. É preciso analisar os impactos sociais, educacionais, políticos, geográficos, econômicos, o contexto individual, a genética do indivíduo, o vetor e o parasita”, exemplificou Oliveira.
Oliveira recomenda destinar “investimento pesado” tanto para a pesquisa fundamental (pesquisa básica para entender o processo individualmente e contextualizá-lo) como para pesquisa de implementação. Além da produção de vacinas, que são os mecanismos mais eficientes para o controle dessas doenças, ele disse ser necessário implementar medidas de tratamento para erradicá-las.
Mortes no mundo
Segundo Manoel Otávio da Costa Rocha, as infecções representam hoje a segunda causa de morte no mundo, com índices agravantes nos países subdesenvolvidos. Estima-se que essas enfermidades matam mais de 12 milhões de pessoas por ano em países pobres. O sarampo, por exemplo, mata 700 mil crianças por ano.
Os avanços da biomedicina que promoveram aumento de expectativa de vida no mundo – passando de 46,5 anos na década de 50 para 62 anos no início de 2000 – não surtiram os mesmos efeitos nas nações pobres, segundo Rocha. Ele relatou que a expectativa de vida nos 48 países menos desenvolvidos é de 51 anos, enquanto que nos países mais avançados a média é de 78 anos de vida.
Medidas localizadas
Algumas iniciativas são realizadas no País em uma tentativa de conter essas doenças, informou o pesquisador da Fiocruz-MG. Como exemplo, citou a criação de grupos de cientistas que atuam no controle, prevenção e combinação de tratamentos para combatê-las. Acrescentou a parceria público-privado (PPP) entre o laboratório Fiocruz-MG e a ONG da OMS, a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) para criação de drogas contra a malária.
Gargalos gerais
O cientista Oliveira declarou, porém, o desafio de consolidar essas integrações. Além disso, destacou que as cooperações intersetoriais (de pesquisadores e laboratórios) são insuficientes, não existe troca de informações e conhecimento entre países endêmicos, o que gera duplicidade de trabalho para os pesquisadores, já que se tratam das mesmas doenças.
Opinião do governo
Acompanhando a palestra do lado da plateia, Regina Gusmão, analista de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), fez questão de informar sobre o avanço do trabalho conjunto do órgão com o Ministério da Saúde para o controle de doenças negligenciadas, por intermédio do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE).
Medidas pífias
Respondendo à questão, o cientista da Fiocruz-MG, mesmo reconhecendo a iniciativa dos dois ministérios, considerou modestos os investimentos de R$ 18 milhões desembolsados pelo Decit este ano para o controle das doenças negligenciadas. Acrescentou que o País precisa de financiamentos pesados e que esses façam parte de um projeto de cinco anos, por exemplo, para evitar que todo ano o cientista “fique pedindo migalhas” para as pesquisas.
Para o pesquisador, o Brasil sofre problemas seríssimos por não investir em pesquisas. Segundo Oliveira, todos os projetos nacionais de pesquisas sobre doenças tropicais foram financiados pelo Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR), da OMS, valores que superam US$ 600 milhões em mais de 20 anos. Nesse caso, ele também criticou os valores modestos doados (US$ 100 mil anuais nos últimos anos) ao programa pelo Brasil.
Interesse do Itamaraty
Presente também na plateia, Ademar Seabra da Cruz Junior, chefe de divisão de C&T do Ministério de Relações Internacionais (MRE), quis saber de que forma o Itamaraty poderia contribuir para avançar na cooperação bilateral com países em troca de informações e de conhecimento sobre as doenças negligenciadas. Em resposta ao órgão, o cientista da Fiocruz-MG declarou que o Itamaraty tem papel importante para facilitar o processo de coo
peração com os EUA, já que todos os países em desenvolvimento enfrentam problemas semelhantes aos do Brasil.
peração com os EUA, já que todos os países em desenvolvimento enfrentam problemas semelhantes aos do Brasil.