O Acadêmico Luiz Drude de Lacerda, coordenador do evento e do INCT de Transferência de Materiais Continente-Oceano da Universidade Federal do Ceará (UFC), abriu o simpósio “Interrelações Oceano-Continente no Cenário das Mudanças Globais” na 4ª feira, 3/10. Segundo Drude, a produção científica brasileira sobre clima e oceanos no Atlântico Sul cresceu exponencialmente desde 1990, mas 90% da dela é feita em cooperação internacional, especialmente com a Argentina, a França e a Inglaterra. Assim, foram convidados como palestrantes do evento pesquisadores que atuam em projetos internacionais da área.
Por políticas públicas de crescimento sustentável baseadas no ecossistema
O vice-diretor do Instituto de Oceanografia (IO-FURG) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), José Muelbert, foi o primeiro a se apresentar. Doutorado em oceanografia pela Universidade de Dalhousie, no Canadá, Muelbert atua no Comitê Científico Executor do programa Global Ocean Observing System (GOOS), que é patrocinado pela Comissão Oceanográfica Internacional da Organização das Nações Unidas Para Educação Ciência e Cultura (COI/Unesco). Ele tratou da abordagem ecossistêmica para observação de zonas costeiras em um cenário de mudanças globais.
Muelbert observou que esse foi o terceiro evento do ano para o qual foi convidado para tratar desse tema – os anteriores foram a reunião preparatória para a Rio +20 e o 1º Encontro Preparatório para o World Science Forum 2013, realizado na Fapesp. “Isso indica que está havendo um movimento para colocar os oceanos em pauta, no contexto das mudanças globais”, avaliou. A universidade em que trabalha, a FURG, tem como foco o ecossistema costeiro e isso envolve todos os cursos, inclusive os das áreas das ciências humanas e da saúde. “Por isso, é natural que toda a sua comunidade acadêmica esteja envolvida em grandes projetos nacionais internacionais”, explicou.
Considerando que 40% da população mundial vivem em áreas costeiras e que 11 das 15 maiores cidades do mundo ficam nessas áreas, parece evidente que esse acúmulo populacional – que deve dobrar ate 2050 – vai trazer grandes problemas. “Na biologia se diz que nada que cresce exponencialmente se sustenta por muito tempo”, alertou. Para fazer modelos preditivos e avaliar concretamente a saúde e o bem estar dos oceanos, é preciso fazer observações e modelagem sustentável. Um dos sistemas de observações oceânicas criado para isso é o GOOS, que é conduzido de forma sustentável, com colaboração entre vários países. “O GOOS defende todos os elementos do sistema, fornece uma plataforma para colaboração e promove participação global, através da capacitação de pessoal”, informa o coordenador.
Os objetivos do programa, de acordo com o oceanógrafo, envolvem a monitoração do clima, o aprimoramento das previsões climáticas, o fornecimento de previsão oceânica, a melhoria do gerenciamento dos ecossistemas costeiros, marinhos e de seus recursos, a mitigação dos danos decorrentes da poluição e desastres naturais, a proteção da vida e da propriedade na costa e nos mares, assim como pretende garantir a realização de pesquisa científica.
Criado em 2000 para lidar com a grande pressão sob a qual estão os oceanos atualmente, Muelbert esclarece que o programa vem se reestruturando permanentemente, em função das novas demandas. Durante os primeiros oito anos, segundo o palestrante, o GOOS foi crescendo, mas em 2008 se estabilizou e pouco evoluiu. “Hoje ele propicia coordenação internacional e intergovernamental para a observação sustentável dos oceanos, gera produtos e serviços oceanográficos, assim como um se tornou um fórum para a interação entre os setores envolvidos (algas, pescadores etc.), dando uma abordagem ecossistêmica. “Reformular o sistema de observação para que ele se torne global, como é a observação meteorológica hoje em dia, é o nosso objetivo. Precisamos dessa base para criar políticas públicas de crescimento sustentável baseada no ecossistema.”

Os programas Pirata e Atlas-B
O segundo palestrante foi Edmo Campos, professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Doutorado em meteorologia e física oceanográfica pela Universidade de Miami (EUA), com mestrado e graduação em física pela Universidade de Brasília (UnB) e livre-docência pela USP, Campos realizou seis estágios de pós-doutorado nas áreas de ciências exatas e da terra pela Universidade de Miami (EUA) e mais um na Escola Rosenstiel de Ciência Marinha e Atmosférica, da Universidade de Miami, onde hoje atua como professor adjunto. Lidera, ainda, comitês da área e uma rede de pesquisa sobre modelagem e observação oceanográfica. Suas pesquisas mais recentes abarcam o impacto do Atlântico Sul sobre a circulação oceânica global e os impactos das mudanças climáticas na relação oceano-atmosfera.
Campos tratou, em sua palestra, de dois programas internacionais nos quais o Brasil está envolvido: os programas Pirata e Atlas-B. Ele relatou que, em 1995, um grupo de cientistas do Brasil, França e EUA reunidos no bar do Pirata, em Fortaleza, criaram o Prediction and Research Moored Array in the Tropical Atlantic – PIRATA. O programa de observação do Atlântico Sul, segundo o cientista, consta de um sistema de boias afixadas por cabos de aço no fundo do oceano, em diversos pontos. Nesses cabos são afixados diversos instrumentos de medidas. A Marinha do Brasil vem ajudando esse grupo de cientistas a manter o programa, que não tem embarcações adequadas para conduzir o trabalho e, a cada ano, as boias instaladas têm que ser retiradas e substituídas por novas, que ficam sendo preparadas durante o período. “Esse ano, no entanto, não vai haver o cruzeiro PIRATA e a sequência de dados terá que ser interrompida por um problema no navio Antares, da Marinha brasileira. Isso é uma perda para a ciência, uma situação vergonhosa que resulta do fato de não termos uma estrutura independente”, relatou Muelbert.
O Brasil é responsável por cuidar cuida das boias do lado Oeste do Atlântico Sul, os EUA e a França cuidam das outras. Diferentes boias medem diferentes propriedades, que incluem perfil de temperatura, de atividades oceânicas e atmosféricas, quantidade de gás carbônico e outras. “Uma das nossas boias tem 97% de taxa de retorno, a maior entre todas as boias de todos os países envolvidos no programa, que tem gerado expressiva produção científica”, destacou o palestrante. No entanto, a dificuldade de manter o monitoramento contínuo continua. “Mas estamos contribuindo de forma efetiva e substantiva para essa rede de monitoramento internacional”, afirmou Muelbert, para quem a maior preocupação é com a continuidade do projeto. “Os criadores do Pirata já estão mais velhos, precisamos de uma instituição que assuma esse projeto para que ele persista. Séries de dados não podem ser interrompidas, senão é trabalho perdi
do.”
Projeto ATLAS-B
O Projeto Atlas-B foi criado em 2005, com o objetivo de colocar uma boia, que é um sistema de observação, no ponto 28 SUL – onde surgiu o furacão Catarina. “A boia contém ondógrafos, correntômetros e está combinada com a trajetória de um satélite, para analisar a zona de convergência do Atlântico Sul”, explicou Edmo Campos. A Universidade de São Paulo (USP) adquiriu um navio e está construindo essa boia – que se chamará Guariroba – para ser fundeada. A construção está sendo feita em parceria com duas empresas do Rio de Janeiro. Saiba mais sobre o projeto na matéria http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/10/boias-ao-mar/ da revista Pesquisa Fapesp.
“Esta será uma contribuição muito boa da comunidade científica brasileira para esse esforço mundial. Só que ela custou 750 mil reais e é preciso fazer outra, para substituí-la no ano que vem e, de novo, não temos ainda quem dê continuidade a esse trabalho”, alertou o palestrante. “Precisamos de uma política nacional que assuma as iniciativas de indivíduos ou de pequenos grupos de cientistas. Precisamos de um Instituto Nacional de Oceanografia, construído a partir das nossas demandas.”
Oceanos: o ar condicionado do planeta
Graduada em física pela Universidade de São Paulo (USP) com doutorado em meteorologia pela Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), Ilana Wainer é livre docente do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). A palestrante participa do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Criosfera, onde contribui com pesquisas em modelagem do clima para entender o papel do gelo marinho e plataformas de gelo da Antártica na circulação do oceano e impactos climáticos. Integra e lidera comitês científicos de programas internacionais em sua área. Atualmente é vice-presidente do Comitê Científico de Pesquisas Oceânicas (SCOR, na sigla em inglês), tema de sua apresentação no evento da ABC.
Para contextualizar a entidade, Ilana Wainer relatou que as grandes questões globais da área oceanográfica atualmente estão relacionadas com os impactos do aquecimento global – como a erosão costeira, as variações do nível do mar, o manejo dos recursos marinhos, a densidade dos oceanos as mudanças na salinidade e O2. “São questões cientificas complexas, interdisciplinares, que requerem coordenação desde o nível global ate o nível local, onde muita atenção deve ser dada à informação climática direcionada aos tomadores de decisão”, ressaltou a pesquisadora. “O desafio é manter a base da pesquisa. Não adianta só gerar os dados, temos que disponibilizá-los da melhor forma possível”, observou Ilana.
Essa cooperação internacional, segundo a palestrante, pode se dar de forma intergovernamental – que conta com a Unesco como a maior organização cientifica – ou de forma não governamental. “As ONGs contam com cientistas de vários países que trabalham de forma integrada, como o ICSU [Conselho Internacional para Ciência]”, salientou Ilana. No meio oceanográfico, as principais ONGs são a Associação Internacional para a Oceanografia Biológica (IABO, na sigla em inglês), a Associação Internacional para as Ciências Físicas dos Oceanos (IAPSO, na sigla em inglês
http://www.iugg.org/associations/iapso.php) e a União Internacional para Geodésica e Geofísica (IUGG http://www.iugg.org/). Ilana acrescentou que existem ainda diversas organizações temáticas associadas ao COmitÊ Científico para Problemas do Ambiente (SCOPE/ICSU, na sigla em inglês), além de programas de mudanças ambientais globais como o DIVERSITAS http://www.diversitas-international.org/, voltado para a pesquisa de biodiversidade.
O SCOR, entidade da qual a palestrante é vice-presidente, é uma dessas ONGs e procura estimular a pesquisa de ponta na fronteira do conhecimento na área de oceanos, reunindo pesquisadores do mundo inteiro. “São 35 países, com três membros por país. Cada nação tem seu comitê nacional, que faz a ligação entre comunidades oceanográficas nacionais e o SCOR internacional”, explica a cientista.
O Comitê atua também na formação de recursos humanos – são U$75 mil anuais de investimentos para financiar a viagem de pesquisadores visitantes em grandes centros de pesquisa. “A rede regional de pós-graduação está propondo a criação de um curso de pós-graduação internacional em oceanografia”, relatou Ilana. Ela explica que o Comitê Nacional funciona como uma ONG, com representantes de diferentes regiões do Brasil e de diferentes áreas da oceanografia. “Estamos submetendo boas propostas de avanço do conhecimento global em oceanografia. O Brasil pode participar mais do SCOR, pode nomear um membro para cada grupo de trabalho e financiar sua participação em reuniões, como fizeram a Coreia e a África do Sul. Os oceanos são o ar refrigerado do planeta e, portanto, têm uma clara importância estratégica.”
Brasil não tem uma política de Estado em relação aos oceanos
O palestrante seguinte foi o vice-reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sidney Mello. Com pós-doutorado pela Universidade da Bretanha Ocidental (França), onde também foi pesquisador visitante, Mello doutorou-se em geofísica marinha pela Escola de Ciências da Terra da Universidade de Leeds (Inglaterra), tendo completado anteriormente mestrado e graduação em geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O pesquisador observou que houve um esvaziamento das comissões nacionais de Ciências do Mar nos órgãos do governo e apresentou o Programa Integrado de Perfuração Oceânica (IODP, www.iodp.org na sigla em inglês), o maior e mais antigo projeto de pesquisa do mundo sobre a natureza e dinâmica da Terra. Criado em 1961 e apoiado hoje por 24 países, o programa é de alto mérito científico e procura o Brasil desde a década de 70, segundo Sidney Mello. “Representantes do IODP já procuraram o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação], a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos do MVTI] e a Petrobras, mas foi a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação] que tomou para si esse compromisso, agora em 2012”, relatou o palestrante.
Mello chamou atenção para a diversidade de interesses estratégicos do Brasil nos oceanos, que envolvem desde questões relacionadas à defesa, passando pela caracterização dos recursos naturais e das áreas protegidas até a expansão do conhecimento mais amplo sobre as ciências do mar. “Precisamos desenvolver infraestrutura de pesquisa e pesquisa em si, desenvolver tecnologia marinha e ampliar a cooperação internacional”, alertou o geofísico, ressaltando que o Brasil deve assumir a liderança em nível internacional, mas não o faz porque não tem uma política de Estado em relação aos oceanos. “Mas ainda temos condições de tomar a frente, em função da crise financeira nos países ricos. Todos os esforços mundiais que envolvem oceanos querem o Brasil como parceiro. Mas não temos um navio de águas profundas, não temos o conhecimento dessa área”, lamentou Mello. Ele acrescentou quea Índia, por exemplo, avançou imensamente nas ciências do mar no Oceano Índico. “Hoje eles têm navios altamente especializados, assim como a China. A França está na disputa. Mas o Atlântico Sul continua intacto.”

Em termos geológicos e geofísicos, que são sua área de formação, Mello observou que o país pode ampliar muito o conhecimento científico a partir da perfuração oceânica. “Podemos contribuir para a verificação da hipótese de expansão do fundo dos oceanos e da teoria da tectônica de placas, assim como observar a escala do tempo geológico para os últimos 150 milhões de anos”, citou, entre diversas outras linhas interessantes de pesquisas em potencial.

O IODP tem laboratórios analíticos a bordo de navios contratados para o serviço – o Joides Resolution e o Chikus, que são de bandeira libiana, com equipamentos voltados a investigação geofísica. “O Brasil é full member do IODP, o que significa que paga U$ 3 mil por ano e participa de todas as expedições com pelo menos dois pesquisadores, pode propor perfurações, tem assento em todos os comitês de decisão e acesso a todos os dados gerados pelo programa”, explicou Mello. O Comitê Executivo do Programa é composto atualmente por Emídio Cantídio (UFRPE), Manoel Cardoso (CAPES), Luiz Drude de Lacerda (UFC), Adalto Bianchini (FURG) e Sidney L. M. Mello (UFF).
Entre as principais ações do Comitê doPrograma Integrado de Perfuração Oceânica estão divulgar o IODP-Brasil no âmbito da comunidade cientifica brasileira, que deve colaborar para a definição doss objetivos e estratégias do programa no Brasil. “Temos que mandar estudantes para fora, mas garantir que na volta eles terão uma instituição dando condições de trabalho para que eles possam dar continuidade ao conhecimento adquirido.”

“O Brasil não é um país pobre, é um país injusto”
O embaixador Milton Rondó Filho, ministro de Relações Exteriores e coordenador geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores (MRE), é diplomata de carreira. Ele supervisiona a política externa brasileira para a segurança alimentar, desenvolvimento rural e nutrição, incluindo a ação humanitária. Como membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), articula ações e políticas com vários ministérios, agências e fóruns, incluindo o Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério do Desenvolvimento Rural, o Ministério da Agricultura, além da própria Agência do Itamaraty de Cooperação (ABC). Ocupou vários cargos no Ministério, tanto no Brasil quanto no exterior, assim como exerceu funções de liderança na Presidência da República e no Estado do Rio Grande do Sul, no que diz respeito à cooperação internacional e de comunicação das bases com a sociedade civil.
Rondó está implantando uma cooperação internacional para a redução de riscos de desastres naturais e falou da importância do trabalho em rede. “Ou nós trabalhamos em rede, como a natureza, ou ficamos isolado e o projeto fica insustentável. Os três pilares – social, econômico e ambiental – são interdependentes. Os desastres são socioambientais. O Brasil não é um país pobre, é um país injusto.”