Leia abaixo, na íntegra, a carta encaminhada ao ministro Aloizio Mercadante, responsável pela pasta da Educação, assinada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), o Acadêmico Vitor Francisco Ferreira. O texto discorre sobre a recente proposta do Ministério da Educação (MEC) a respeito da reforma do currículo do ensino médio brasileiro, sendo uma das modificações a integração das disciplinas de física, química e biologia numa única de ciências naturais.
“Excelentíssimo Senhor
Ministro de Estado da Educação
Dr. Aloizio Mercadante
Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Ed. Sede e Anexos,
70.047-900 – Brasília / DF
Senhor Ministro,
A proposta de reforma do currículo do ensino médio no País, noticiada recentemente pelo MEC, e que até início de 2013 deverá ser enviada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) é decisão muito importante e que, por isso mesmo, deve ser conduzida com base em sólidos estudos. Modificações radicais que envolvam a carreira de milhões de alunos e professores devem ser refletidas e bem discutidas com a sociedade. Nesse sentido, entendemos, a priori, que a simples redução do número de disciplinas com a integração das disciplinas de ciências Física, Química e Biologia numa única disciplina de Ciências Naturais é um retrocesso histórico.
Sabe-se que os atuais avanços científicos e tecnológicos, alcançados no Brasil e no mundo, são oriundos de trabalhos interdisciplinares que envolvem as áreas das ciências Física, Química e Biologia como áreas autônomas e profissionais com formação específica em cada área.
Concordamos plenamente que os alunos do ensino médio precisam ser mais bem preparados nessas disciplinas para que, quando chegarem ao ensino superior, possam se tornar melhores profissionais. Para isso é preciso que todas as escolas brasileiras tenham salas confortáveis, número de alunos apropriado à estrutura escolar, acesso à Internet, laboratórios adequados em que se possa ministrar aulas experimentais planejadas e interdisciplinares, seguindo experimentos bem desenhados. É preciso, também – e principalmente – que os professores sejam bem remunerados e, quando possível, com dedicação exclusiva, fazendo da docência uma carreira que atraia muitos e bons profissionais.
Diante do exposto, a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) por meio deste documento, manifesta sua preocupação com a proposta de fusão das disciplinas Química, Física e Biologia no nível médio de ensino, pelas razões elencadas abaixo:
- até o momento não consta que exista qualquer estudo profundo sobre este tema que justifique tal mudança radical, e não é consenso na comunidade docente que a fragmentação do currículo prejudica a aprendizagem;
- a redução do número de disciplinas, ao invés de integrar seus conteúdos, vai diluí-los e torná-los superficiais e generalistas;
- a carência de licenciados nas áreas técnicas de Química, Física e Biologia no nível médio de ensino não pode ser a força motriz oculta dessa proposta;
- o argumento de que a rede estadual de Pernambuco já adota modelo semelhante ao pretendido pelo MEC não justifica a cópia desse modelo para o país sem se ter resultados conclusivos e positivos que demonstrem que esta fórmula é muito melhor do que a existente;
- a cooptação de escolas para aderirem ao projeto do MEC dos quatro grandes eixos norteadores do Enem com repasse adicionais de recursos é injusta e quebra os princípios da isonomia do ensino.
Além das razões expostas, outros questionamentos não podem ser esquecidos. Que profissional as universidades formarão para atender à disciplina de Ciências Naturais? Quanto tempo os cursos superiores levarão para se adaptar a esse novo modelo e colocar no mercado profissionais adequadamente formados? No curto prazo, quais as consequências práticas de um professor especializado em apenas uma das áreas “tentar” ensinar as demais?
A SBQ já vem discutindo, há cerca de dez anos, a questão da melhoria do ensino superior, em especial no que concerne às licenciaturas, haja vista seu desdobramento e consequências na formação de estudantes de nível médio. Estudos foram realizados e propostas foram apontadas. Sugere-se, por exemplo, a leitura do artigo – Recursos Humanos para Novos Cenários – (Quim. Nova, Vol. 32, No. 3, 567-570, 2009).
Vale ressaltar que, pelo seu caráter central, o conceito formal da Química, como disciplina, vem sendo ressignificado; seu conteúdo não mais é estudado isoladamente, mas como parte importante, subjacente e indispensável a outras matérias, temas ou disciplinas. O conhecimento, cada vez mais multifacetado, pressupõe um diálogo entre as várias áreas, ficando a Química, dada a sua natureza de processo fundamental, implícita aos conteúdos das demais matérias. Entretanto, a aplicação deste conceito de forma ampla requer estudos e testes em “escala-piloto”.
No momento a SBQ, apreensiva com a possibilidade de uma mudança radical do sistema de ensino de ciências, sem a necessária fundamentação, solicita ao MEC que divulgue os estudos realizados nesta direção, a lógica da mudança, a metodologia que será utilizada, os prazos, etc. Ao mesmo tempo, propõe-se a colaborar, participando, com outras Sociedades representativas das áreas de Física, Biologia, de discussões sobre a possibilidade (ou não) de efetuar a divulgada fusão e como fazê-la. Acreditamos que não basta uma boa ideia; é preciso ter uma boa metodologia que suporte a implantação e o sucesso desta ideia.”
Vitor Francisco Ferreira
Presidente da SBQ