A edição de 16 de março do Journal of Biological Chemistry (JBC), o mais tradicional periódico na área de bioquímica, traz, em sua coluna “Reflections”, um artigo do pesquisador e Acadêmico Leopoldo de Meis. Mais do que a mera publicação, o artigo traduz o prestígio do brasileiro: é o primeiro pesquisador no país a assinar na coluna. Para se ter uma ideia, o convite é reservado àqueles, entre cientistas do mundo inteiro, que tenham deixado importante contribuição nas áreas de bioquímica e biologia molecular.
Reconhecido por vários prêmios internacionais, Leopoldo também já esteve perto de ganhar um prêmio Nobel, como afirmou Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), por ocasião da entrega do Prêmio Conrado Wessel, em 2009. Pesquisador Visitante Emérito da FAPERJ, ele vem estudando, há anos, os mecanismos pela qual enzimas utilizam a energia derivada da hidrólise de compostos fosforilados de alta energia para realizar trabalho. “Gosto de trabalhar na bancada realizando meus próprios experimentos. É lá que percebo muitos dos dados que publiquei”, afirma. Seu trabalho é também o ponto de partida para várias aplicações. “Em paralelo à minha linha principal de trabalho tive a sorte de colaborar com a doutora Denise Pires (com ele na foto acima), do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, uma especialista de alto nível em disfunções hormonais. Ela me introduziu no mundo da patologia clínica e já publicamos diversos trabalhos em colaboração”, acrescenta.
Tanto quanto mostrar seu trabalho e sua própria história, o artigo, escrito em primeira pessoa, acompanha a história de se fazer ciência no Brasil. “Já tinha escrito algo parecido para a Elsevier, que tem uma série sobre a experiência de vida e ciência. É algo que está crescendo bastante, uma forma de se mostrar não apenas a ciência, o trabalho, mas também resgatando a importância do pesquisador, mostrando como fui caminhando na ciência.”
No começo, o estudante Leopoldo ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pensando em se tornar médico, mas um ano mais tarde, ao aceitar a oferta de uma bolsa para trabalhar num laboratório de pesquisa, acabou mudando de rumo, conquistado pela investigação científica, como ele mesmo admite. Não tinha certeza do que era ciência quando iniciou, mas aprendeu com Walter Oswaldo Cruz (na foto abaixo), no Instituto Oswaldo Cruz e, mais tarde, com Herbert Tabor, no Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos. Hoje, busca certas características nos jovens estudantes que procuram seu laboratório: bom humor e um bocado de intuição. “É preciso ter bom humor para saber lidar com a frustração naquelas situações em que as experiências não saem como esperávamos, muitas vezes deitando por terra meses de trabalho. É preciso ter muita determinação para começar novamente, sem falsas interpretações ou, pior ainda, sem cair na tentação de adaptar resultados”, afirma.
Além das atribulações da própria prática de fazer ciência, outras questões ameaçaram interromper seu trabalho. Durante a ditadura militar, instaurada no país em 1964, Leopoldo e outros pesquisadores do Instituto de Biofísica, onde trabalhava à época, por várias vezes peregrinaram por delegacias do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) à procura de alunos que pudessem ter sido presos como opositores do regime. Embora inteiramente avesso à política, certo dia, Leopoldo foi aconselhado a tirar um longo período sabático, com a família, fora do país. Terminou indo para a Alemanha, mais precisamente para o Max Planck Institute, onde teve a chance de trabalhar no laboratório de William Hasselbach, o descobridor da Ca 2+-ATPase do retículo sarcoplasmático ou, em outras palavras, da estrutura que controla o ciclo de contração e relaxamento músculo esquelético.
De volta do Brasil, Leopoldo de Meis continuou com suas pesquisas, procurando sempre dividir seu tempo de modo a dar conta de outros interesses relacionados à profissão: a educação e estudos sociais em ciência. Além das horas no laboratório, isso o leva a gastar boa parte de seu tempo em cursos de iniciação científica para estudantes de baixa renda. “Não fazemos receita de bolo. Colocamos a garotada para resolver problemas. Tem os que desistem logo e aqueles que insistem até o fim. É uma forma de descobrir talentos para a ciência e ao mesmo tempo fazer algo pelos jovens de periferia, que não têm condições para se preparar para entrar na universidade. Os que têm mais chance são aqueles que em casa têm um ambiente mais estruturado. E quanto mais jovem, melhor. Fica mais fácil despertar neles o interesse pela ciência”, anima-se.
Segundo afirma de Meis, já foi organizada uma rede que conta com mais de 30 desses grupos pelo país. Um de seus ex-alunos, exemplo sempre citado, é Wagner Seixas. “Ele frequentou um desses cursos, tomou gosto pela ciência, entrou para a faculdade, formou-se em Biologia, na UFRJ, e fez doutorado em Química Biológica, na mesma universidade, sob minha orientação e do professor Antonio Galina. O pós-doutorado foi no Harvard Institute of Medicine, nos Estados Unidos”, conta. Hoje, além de suas pesquisas, Seixas também leva adiante o projeto do professor de Meis, desenvolvendo trabalhos de extensão com professores e alunos do ensino médio para melhorar o ensino de ciências.
Para selecionar vocações como Seixas, de Meis tem seus métodos: “Quando vejo que numa entrevista, o candidato enumera dados e mais dados, sem fazer uma associação clara entre eles, imagino que será um pesquisador mediano. Mas quando aparece alguém que relata o trabalho de forma simples e compreensível, em que os dados se relacionam de forma a explicar toda a experiência, sei que esse será um bom pesquisador”, garante. Outra estratégia usada por de Meis, quando percebe que a convivência no laboratório está fazendo com que os pesquisadores comecem a pensar todos do mesmo jeito, é convidar cientistas de fora. “É sempre bom expor a equipe, e a mim também, a diferentes formas de pensar. É revigorante buscar novos caminhos”, ensina. São iniciativas que levam o pesquisador a prosseguir sempre em busca de novas descobertas.