A última mesa do VII Seminário Nacional do programa “ABC na Educação Científica”, realizado em Niterói, debateu o tema “Discutindo o currículo e a qualidade de ensino: perspectiva multicultural e inclusão social”, e teve como coordenador o Acadêmico Diógenes Campos. Ana Canen (UFRJ), Cléa Monteiro (Subsecretaria de Educação de Niterói) e Andréa Pavão (UFF) foram as conferencistas.

Currículo multicultural

Dando início ao debate, a professora Ana Canen, do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre diversidade cultural e inclusão. Ela buscou analisar os sentidos e abordagens do currículo multicultural e discutir sua concepção de centralidade da identidade, além de observar as implicações da educação multicultural para o ensino das ciências. A participante explicou que “educação multicultural é aquela que questiona a discriminação, a desigualdade de classes sociais, valoriza a pluralidade, respeita as diferenças, desafia os preconceitos.”

Nesse sentido, Canen propõe uma nova forma de pensar sobre o conhecimento, a pesquisa e seus paradigmas e metodologias. “Como podemos articular esses conteúdos do currículo de ciências a uma atividade multicultural?” Em seguida, ela abordou a questão da centralidade da identidade, associando o currículo multicultural a uma seleção da cultura e à possibilidade de ressignificação: “A identidade tem seu componente genético, mas é construída e reconstruída nas relações. Esse currículo valoriza as identidades plurais – individuais, coletivas, institucionais”. De acordo com a professora, a escola atua como organização multicultural. “Não é um currículo homogêneo, que tenta compactar todos. Ele vai além da sala de aula, mostra a diversidade”.

Ela abordou as implicações da educação multicultural para o ensino das ciências: conteúdos contextualizados; abordagens folclóricas; crítica cultural; entre outros. “Não deixamos de dar os conteúdos, mas os multiculturalizamos, tornamos o currículo proativo”, resumiu. “Por exemplo: em uma aula sobre a pele, o professor pode falar sobre o racismo. O aluno vai aprender sobre as camadas epiteliais, as células etc, mas também vai saber que a pele é objeto de discriminação.” Além disso, Ana Canen falou sobre as possibilidades da educação multicultural na formação inicial e continuada de professores, através de parcerias com Secretarias de Educação.

Educação de qualidade em Niterói

A subsecretária de Educação de Niterói, Cléa Monteiro, declarou que as autoridades do município consideram como uma de suas atribuições mais importantes assegurar aprendizagem de qualidade a seus alunos. “Ou seja, uma aprendizagem que confira ao aluno as ferramentas para o crescimento de sua autonomia, o instrumentaliza para o desenvolvimento do seu senso crítico, contribuindo, assim, para que se reconheça como membro de uma coletividade.” Ela também afirmou que a inclusão social é uma prioridade para o município.

Em 2009, iniciou-se a construção dos referenciais curriculares de Niterói, instituídos em 2011 na rede municipal de ensino. “Constituem uma proposta pedagógica que define a escola do nosso tempo, revisitada, reconstruída, retrabalhada”, comentou Monteiro. Segundo a subsecretária, esse trabalho se baseou no multiculturalismo e na valorização da diversidade cultural, étnica, racial, religiosa, entre outras. “Temos o objetivo de incentivar um posicionamento crítico e autônomo em relação às questões sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais.”

Monteiro também citou algumas políticas públicas do município que valorizam o magistério, como o aumento salarial e a formação continuada de professores. “Além disso, temos as nossas políticas de leitura: residência pedagógica, Voz Vez do Leitor, Magia de Ler, concurso de poesias e outras”. Ela citou os programas vinculados à educação integral: Reorientação da Aprendizagem, Quartas Intensivas e Mais Educação, uma parceria com o governo federal, além das políticas voltadas para o ensino da matemática.

A hierarquia da cultura

Já a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Andréa Pavão, que atua no campo da antropologia, afirmou que esta ciência é uma das fontes do multiculturalismo, uma vez que trabalha a questão da cultura e busca um afastamento desta em relação ao senso comum. “A cultura do senso comum é aquela que hierarquiza e, para a antropologia, todo mundo tem uma cultura”, defendeu a palestrante, que exemplificou sua declaração: “O que interessa não é a negritude, a melanina, os aspectos biológicos, e sim a construção da identidade negra. Por isso, o IBGE pede que as pessoas classifiquem a si próprias.”

Ela afirmou que um ponto relativamente consensual na antropologia é pensar a cultura como uma rede de significados. “Lévi-Strauss diz que a natureza biológica dos animais é norteada pelos instintos. Mas o ser humano tem uma peculiaridade, que é a cultura. Ou seja, o que norteia nossas ações é o grupo cultural com o qual mantemos uma relação de lealdade.” Ela continuou, dizendo que as identidades vão sendo construídas na relação de alteridade, de oposição ao outro: “É claro que essa diversidade cultural gera conflitos. Esperamos que um flamenguista respeite um vascaíno, mas ele não pode amá-lo. Então, para a vida social não se tornar uma barbárie, é importante esse trabalho do multiculturalismo, do respeito à diferença”.

Pavão alegou que tais diferenças implicam em hierarquias, ligadas ao conflito existente entre o relativismo cultural e o evolucionismo. Ela comentou que, apesar de o Brasil ser uma potência, destina apenas 4,5% do PIB para educação. “Nem países da América Latina fazem isso.” A professora criticou o fato de que quem define hoje, pelas políticas públicas, os conteúdos dados é o sistema nacional de avaliação: “Provinha Brasil, ENEM, Enade… em todos os níveis da educação existe esse controle. Lutamos, por exemplo, para incluir a filosofia no ensino médio, mas como ela não é cobrada no ENEM, é deixada de lado”. Pavão enfatizou a importância de se educar para a diversidade, mas pensando também em garantir a função social da escola. “As políticas públicas têm que assegurar o acesso de todos.”