Maneesha Inamdar, Stevens Rehen, Vaijayanti Kale, M. S. Rao, Patricia Rocco e Adalberto Vieyra
O segundo dia do Simpósio Indo-Brasileiro de Ciências Biomédicas, que aconteceu na sede da ABC, teve como tema as células-tronco. Entre os pesquisadores brasileiros e indianos que falaram sobre o tema incluíam-se Lygia da Veiga Pereira (USP), Stevens Kastrup Rehen (UFRJ), Vaijayanti P. Kale (NCCS), Maneesha Inamdar (JNCASR) e Adalberto Vieyra (UFRJ).
Explorando a diversidade genética do país
Graduada em Física pela PUC-Rio, Lygia da Veiga Pereira completou o mestrado em Biofísica pela UFRJ e o doutorado em Ciências Biomédicas pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. A pesquisadora recebeu diversas homenagens pelo seu trabalho, entre eles o Prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo. Em 2010, ela foi eleita uma das cem personalidades mais influentes no Brasil e no mundo pela revista Isto É.
A pesquisa apresentada por Lygia trata da derivação de novas linhagens de células-tronco embrionárias humanas oriundas da população brasileira, explorando a diversidade genética do país. Seu trabalho começou com a produção da primeira linhagem, chamada de BR-1, em 2008, a partir de embriões que sobram das clínicas de fertilização in vitro. “Para fazer um tecido a partir dessa célula que vai ser transplantada, pode ser necessária uma compatibilidade entre ela e o paciente. A nossa hipótese era de que uma célula brasileira seria mais compatível com a nossa população do que células feitas em outros lugares do mundo”, informa Lygia.
Para a surpresa de seu grupo, no entanto, eles perceberam que a BR-1 era muito pouco compatível com a população, então decidiram analisar a ancestralidade genética da linhagem, descobrindo que a mesma é 98% europeia. “Assim, passamos a achar que, como os embriões que conseguimos são de clínicas de fertilização in vitro privadas – uma vez que os serviços públicos não congelam o embrião – e essas clínicas são caras, ácessíveis apenas a uma parcela limitada da sociedade, os embriões oriundos dessas clínicas não devem representar a diversidade genética da população brasileira. Agora nós seguimos fazendo outras linhagens de células embrionárias no nosso laboratório”.
Transformando pele em neurônio
Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Stevens Kastrup Rehen é graduado em Ciências Biológicas e tem mestrado e doutorado em Biofísica pela mesma universidade. Completou um pós-doutorado em Neurociências na Universidade da Califórnia e outro no Instituto de Pesquisa Scripps, ambos nos Estados Unidos. Sua pesquisa consiste no uso da técnica de reprogramação celular para estudar os neurônios de pacientes esquizofrênicos. Esta técnica envolve a extração de uma célula da pele do paciente e a introdução nela de um vírus contendo o gene de um embrião. Assim, ela é reprogramada para se tornar uma célula-tronco embrionária, que pode assumir a forma de diferentes tecidos – no caso, a célula-tronco foi “transformada em neurônio”.
Dste modo, foi possível estudar o neurônio vivo de um paciente esquizofrênico, o que possibilitou uma observação inédita: os neurônios de pessoas com esse distúrbio mental consomem mais oxigênio do que neurônios normais, mas não produzem mais energia. O excesso de oxigênio provoca a geração de radicais livres, que podem provocar danos na célula. Esta descoberta, que pode ser a causa da esquizofrenia, abrirá possibilidades de para se desenvolver medicamentos mais eficazes.
A apresentação dos resultados da pesquisa de Rehen na ABC atraiu o interesse da imprensa nacional e internacional. Clique aqui para acessar uma matéria mais detalhada sobre a pesquisa do cientista e para conferir a repercussão da mesma na mídia.
Criando medula óssea artificial
A pesquisadora Vaijayanti P. Kale é cientista sênior no Centro Nacional para Ciência Celular (NCCS, na sigla em inglês), fundado pelo Departamento de Biotecnologia do Governo da Índia. Ela tornou-se pesquisadora de células-tronco na instituição em 1989, após completar seu pós-doutorado no Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos. A cientista é membro de diversas sociedades científicas, entre elas a Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco (ISSCR).
A pesquisa de Kale é focada na identificação de mecanismos intrínsecos e extrínsecos envolvidos na regulação do destino de células-tronco. Ela desenvolveu um sistema in vitro para criar medula óssea artificial que pode ser usado para regular positivamente funções das células-tronco em suas aplicações. “Nossos dados indicam que é possível modular as funções das células-tronco através da criação de nichos especializados in vitro (IVN) usando várias abordagens”, afirma a pesquisadora. “Esses IVNs fornecem fisiologicamente uma plataforma celular relevante para estudar as interações de nicho de células-tronco hematopoéticas”.
Analisando o desenvolvimento cardiovascular através de modelos de células-tronco
A pesquisadora Maneesha Inamdar é professora associada no Laboratório de Células-Tronco e Biologia Vascular, dentro do Centro Jawaharlal Nehru para Pesquisa Científica Avançada (JNCASR). Ela doutorou-se em Biologia Molecular no Instituto Tata para Pesquisa Fundamental, em Mumbai, na Índia, e completou o pós-doutorado em Biologia Cardiovascular na Universidade de Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Sua pesquisa consiste na análise do desenvolvimento cardiovascular usando modelos de células-tronco. “Observamos como o coração e os vasos sanguíneos são formados e se desenvolvem”, explica Maneesha. Segundo a pesquisadora, muitos problemas relacionados à fertilidade e ao desenvolvimento dos bebês têm ligação com o sistema cardiovascular e, para resolvê-los, é necessário entender a formação do mesmo. “O sistema cardiovascular que funciona durante toda a nossa vida é o mesmo e é fundamental para a nossa sobrevivência, portanto, se há algo de errado com o coração ou os vasos sanguíneos, temos que saber como consertar”. Para isso, o seu grupo faz uso de células-tronco embrionárias humanas e ratos de laboratório.
Maneesha afirma que eles tentam encontrar as moléculas que controlam a formação desse sistema para, então, remover as funções das mesmas. O que eles conseguiram mostrar foi que, retirando tais funções, o desenvolvimento do sistema é prejudicado e doenças como tumor ou deficiências cardíacas podem propagar-se. Agora, seu grupo está usando células-tronco para fazer um modelo das doenças humanas, já que, apesar de não se poder estudar embriões, é possível usar células-tronco no laboratório.
Aplicando células-tronco em doenças renais agudas
Graduado em Medicina pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, com mestrado e doutorado em Biofísica pela UFRJ, o Acadêmico Adalberto Vieyra é professor titular da mesma universidade. Sua pesquisa trata do possível uso terapêutico e eventualmente preventivo de células-tronco derivadas da medula óssea em doenças renais agudas e, ainda, como adjuvante no transplante renal. “Existe um conjunto de doenças conhecidas do mundo global, como insuficiência renal aguda, de grande número de causas. Essas causas podem ser anteriores ao rim, podem estar no próprio rim ou ser posteriores”, informa Vieyra.
Ele complementa com o exemplo de que, quando se tem uma súbita queda de pressão ou uma grande depleção (diminuição da quantidade de líquido) de plasma nas desidratações profundas, o rim não é irrigado, mas esse processo não altera a sua estrutura e função. No entanto, existem lesões que atingem o próprio tecido renal. Elas podem ser infecciosas, inflamatórias, mas sempre têm um componente comum – a isquemia (falta de suprimento sanguíneo e, portanto, de oxigênio). Ela impede a circulação renal infecciosa e se relaciona à insuficiência renal aguda.
“Nossos estudos se focalizaram na seguinte pergunta: já que os rins têm um metabolismo tão intenso, como estarão as mitocôndrias, aquelas usinas de ATP da moeda energética universal, no quadro de isquemia seguido de reperfusão (a retomada da circulação sanguínea)? E as células-tronco podem fazer alguma coisa?” Vieyra conta que seus estudos mostraram que todos os aspectos da função mitocondrial são comprometidos nos quadros de isquemia. No entanto, viram também que as células-tronco têm um efeito benéfico e os efeitos colaterais – como a formação de radicais livres, que são muito deletérios para as células – também são removidos pelas células-tronco.