Anuranjan Anand, Nihar Ranjan Jana, Rosalia Mendez-Otero e Luiz Carlos da Lima Silveira
O primeiro dia do Simpósio Indo-Brasileiro de Ciências Biomédicas recebeu pesquisadores dos dois países para falar sobre neurociências. Entre os brasileiros e indianos que apresentaram seus trabalhos na sede da ABC estavam Luiz Carlos de Lima Silveira (UFPA), Nihar Ranjan Jana (NBRC) e os Acadêmicos Iván Antonio Izquierdo (PUC-RS) e Rosalia Mendez-Otero (UFRJ).
Compreendendo os mecanismos de formação da memória
Graduado e doutorado em Medicina e Farmacologia, respectivamente, pela Universidade de Buenos Aires, na Argentina, o pesquisador Iván Izquierdo obteve um pós-doutorado em neuropsicofarmacologia pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ganhador do Prêmio Almirante Álvaro Alberto deste ano, concedido pelo CNPq, Izquierdo, que é professor titular da PUC do Rio Grande do Sul, pesquisa a formação e manutenção da memória, tema do seu livro “A Arte de Esquecer – Cérebro, Memória e Esquecimento“.
“Acho que fomos os pesquisadores que chegaram mais longe no estudo dos mecanismos de formação da memória”, comenta Izquierdo. “Eu diria que conhecemos quase todos os passos de sua organização no cérebro”. Ele explica que a memória se organiza na região cerebral denominada hipocampo, localizada no lobo temporal, e que “se parece com um cavalo-marinho”. Nesta área se forma a maior parte das memórias de fatos ou eventos e depois passa para outras regiões. “Alguma coisa que nos aconteceu, um filme que vimos, qualquer evento autobiográfico – aqueles que recordamos como sendo nossos, não de outras pessoas – tudo isso é guardado aí”.
Outras memórias – como a maneira de tocar teclado ou andar de bicicleta – formam-se em outros lugares do cérebro, entre eles o cerebelo. Izquierdo explica que o mecanismo de formação da memória envolve a concatenação de uma série de passos bioquímicos complexos, que resultam em uma facilitação da atividade sináptica dessa região e de outras as quais ela inerva. Por essas inervações com outras regiões do cérebro, as memórias passam, depois, a ser guardadas efetivamente em outros lugares.
Izquierdo afirma que essa cooperação entre Brasil e Índia vai ser muito importante, visto que o país oriental é muito avançado cientificamente em muitas áreas, como medicina, física e matemática. “Nós, os participantes desse simpósio, provavelmente seremos os promotores dessa cooperação em neurociência, que está se iniciando agora”.
Entendendo a Síndrome de Angelman
Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas do Cérebro (NBRC, na sigla em inglês) desde 2001, Nihar Ranjan Jana concluiu o mestrado em Fisiologia Humana na Universidade de Calcutá e o doutorado na Universidade de Viva-Bharati. Após um período de estágio durante seu pós-doutorado no Instituto Nacional de Estudos Ambientais (NIES), no Japão, Jana trabalhou no Instituto Riken de Ciências do Cérebro, no mesmo país. Sua pesquisa tenta entender a função fisiológica do gene Ube3a e a patogênese da Síndrome de Angelman.
Jana informa que a Síndrome de Angelman se assemelha a outras desordens do desenvolvimento neurológico, como a Síndrome de Rett e o autismo. Tais desordens ocorrem principalmente em crianças, tanto de países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, como a Índia. Aquelas que sofrem da síndrome apresentam atraso no desenvolvimento, retardo mental grave, ausência de fala, ataxia, alteração do modo de andar, distúrbios do sono e outras características.
“A Síndrome de Angelman tem sido amplamente divulgada nos últimos dez anos, principalmente devido aos mecanismos genéticos recém-descobertos subjacentes a essa desordem”, comenta Jana. Sua incidência ocorre em uma entre 15 mil crianças nascidas. Ela pode ser causada, entre outras razões, pela perda de função da mutação do gene Ube3a, e o objetivo principal de sua pesquisa é compreender a função molecular deste gene. O cientista indiano afirma que espera encontrar a colaboração necessária no Brasil para desenvolver a sua pesquisa.
Pesquisando possíveis terapias celulares em doenças neurológicas
A pesquisadora da UFRJ Rosalia Mendez-Otero possui graduação, mestrado e doutorado em Ciências Biológicas pela mesma universidade, tendo concluído, ainda, um pós-doutorado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Eleita Comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico em 2006, pela Presidência da República, Rosalia pesquisa possibilidades de usar terapias celulares com células-tronco em doenças neurológicas.
“Investigamos vários tipos de células-tronco de várias fontes – embrionárias e adultas – e testamos seu uso em modelos animais de doenças neurológicas”, explica a cientista. Em sua apresentação, ela falou de uma doença específica – o AVC, também conhecido como derrame. “Primeiro, testamos se um determinado tipo de célula tem alguma eficácia em ratos. Quando identificamos uma melhora, passamos para os estudos clínicos”. Rosalia informa que o primeiro estudo clínico feito é o de segurança – os comitês de ética perguntam se a introdução daquelas células-tronco no organismo não vai piorar a situação do paciente.
Após comprovar que a célula é segura, a próxima fase busca responder se ela traz algum benefício. Sua pesquisa encontra-se nesta fase, atualmente, de modo que está planejada a inclusão de 120 pacientes no estudo. “Depois que concluirmos essa pesquisa, vamos poder dizer se essas células podem constituir um tratamento ou não”.
Rosalia afirma que cientistas da Índia estão conduzindo estudos semelhantes e acredita na importância da troca desses resultados: “Nós podemos aprender com eles e eles conosco. Isso vai acelerar o progresso da ciência para que os resultados cheguem mais rapidamente aos pacientes”.
Desenvolvendo métodos de prognóstico de problemas visuais
Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Pará (UFPA), onde atualmente é professor, e com mestrado e doutorado em Biofísica pela UFRJ, Luiz Carlos Silveira também completou um pós-doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Desde 2010, o pesquisador é diretor científico do Instituto Tecnológico Vale (ITV) de Desenvolvimento Sustentável. Sua pesquisa está relacionada à neurociência da visão, tanto de animais quanto de seres humanos.
No estudo voltado para humanos, o interesse é desenvolver métodos que possam ser utilizados no prognóstico de certos problemas visuais: “A abordagem que usamos é o fato de que o sistema visual está organizado em vias paralelas, que vão desde a retina até o córtex visual”, informa Silveira. “Essas vias têm diferentes propriedades, então as doenças, em certas situações, podem acometê-las separadamente ao longo do sistema visual, ou acometer todas as vias quando elas atingem uma camada do sistema visual”.
A ideia da pesquisa é desenvolver métodos que sejam específicos tanto para as camadas – a retina, as vias subcorticais, o córtex visual etc – quanto para essas vias paralelas. Com esses métodos, seu grupo tem estudado várias doenças, algumas importantes para a região amazônica. “Usamos, por exemplo, a cloroquina, que é uma substância usada como antimalárica e antireumática, para estudar as doenças visuais”. Silveira diz que, em doenças reumáticas graves como lúpus e artrite reumatóide, o paciente precisa tomar a cloroquina por um longo tempo, o que tem um efeito deletério para a retina. Deste modo, ele pode desenvolver problemas visuais graves.
Silveira acredita que o Brasil e a Índia têm vários aspectos em comum a serem explorado do ponto de vista da cooperação técnico-científica: “São duas democracias, então é mais fácil de conversarem. Também são países que estão se desenvolvendo aceleradamente e acreditam que ciência e tecnologia podem ter um efeito importante no desenvolvimento econômico, social e na preservação ambiental”.