No dia 18/11, representantes da CAPES e da DAAD, agência financiadora alemã, se uniram na sede da Academia Brasileira de Ciências no evento Ano Brasil-Alemanha da Ciência, Tecnologia e Inovação para trocar experiências e ouvir o que alunos bolsistas dos dois países têm a dizer sobre o seu intercâmbio, resultado de um convênio entre as duas agências.

O diretor de Relações Internacionais da CAPES, Sandoval Carneiro Junior, abriu o evento. Ele lembrou que as agências financiadoras brasileiras ainda são muito recentes – tanto a CAPES quanto o CNPq foram criados em 1951 – comparadas às européias. Mas salientou a importância de ações como estas para avaliar os resultados dos convênios e também para estreitar os laços entre a CAPES e a DAAD.

Ciências Exatas

Em seguida, foram convidados a relatar suas impressões Marvin Waldiger e Felix Frebzel, ambos estudantes de graduação em Engenharia Química, atualmente fazendo intercâmbio na Universidade Federal Fluminense (UFF). A dupla alemã fez uma apresentação em conjunto na qual mostrou as maiores diferenças percebidas entre os dois países no que diz respeito à comunicação, comportamento e cultura científica.

A primeira e mais notável diferença, segundo eles, foi o trato casual do brasileiro, tanto no ambiente acadêmico – “onde até o professor é chamado pelo primeiro nome”, comentam – quanto fora dele. Eles lembram que isso tem pontos positivos, como maior facilidade em se conhecer as pessoas, mais tempo de lazer com os colegas de laboratório, mas também revelam ter reagido com estranheza às conversas durante o horário de trabalho e o ambiente relaxado do laboratório.


Marvin Waldiger e Felix Frebzel

Outra diferença a qual foi difícil adaptar-se foi o que eles chamara de “um conceito diferente de amizade”. Para os estudantes, a família no Brasil é muito mais importante do que na Alemanha e ocupa aqui um lugar que lá muitas vezes seria ocupado pelos amigos, tornando a intimidade muito mais difícil. “Aqui todo mundo se conhece, mas as relações mais profundas são até mais difíceis do que na Alemanha”, revela Frebzel, lembrando que nos momentos que sentia saudade, por exemplo, não tinha tantas pessoas para conversar quanto tinha quando queria sair a noite ou ir à praia.

No âmbito científico, eles disseram ter encontrado uma estrutura menos avançada do que a que tinham na Alemanha, como já era esperado. Porém, se surpreenderam com a maneira tipicamente brasileira para lidar com a falta de recursos: o famoso “jeitinho brasileiro”. Eles acharam graça de algumas soluções encontradas em seus laboratórios para problemas nos equipamentos e consideraram a experiência importante e única, pois aprenderam a usar a criatividade para driblar problemas. Dentro de sala de aula, eles acharam que havia bastante interação professor-aluno, o que os lembrou das aulas das faculdades aplicadas da Alemanha; quanto ao conteúdo, eles não sentiram diferenças importantes. Disseram também não ter tido nenhum problema com o idioma, pois desde o primeiro dia todos já falavam com eles em português e em duas semanas eles já se comunicavam bem.

Em seguida, o brasileiro Gilson Costa contou sua experiência como doutorando de Engenharia Elétrica na Universidade de Hannover e apresentou os resultados do convênio de sua universidade brasileira, a PUC-Rio, com a universidade alemã.

Costa relatou uma experiência um pouco diferente da dos outros presentes, pois levou com ele sua mulher e os dois filhos. A primeira dificuldade enfrentada foi ainda no Brasil, quando precisou conseguir o visto e descobriu que sua mulher só poderia ir se eles fossem legalmente casados. Ele nunca havia pensado nisso antes, mas “se casou em nome da ciência” e foi com toda a família para Hannover. Chegando lá, sentiu-se um pouco sem apoio para cuidar de sua família e preferiu matricular os filhos em um colégio católico, apesar de não ser religioso, por pensar que ali poderia criar uma rede social mais sólida devido ao grande número de latinos. Funcionou, e com o apoio da mulher, que podia dedicar-se aos filhos enquanto o marido estava no laboratório, ele não teve problemas maiores de adaptação e ainda recebeu uma agradável surpresa do governo alemão – uma generosa bolsa concedida por filho.

Quanto à adaptação ao dia-a-dia da cidade, Costa ressalta como ponto positivo o uso da bicicleta como principal meio de transporte e como negativo o clima, devido à natural dificuldade de um carioca de se adaptar ao rigoroso inverno alemão, e “a longa espera entre o Natal e a primavera”. No mais, ele achou a cidade lindíssima e disse que só não conseguiu aprender alemão mais rápido e melhor porque todos falavam inglês, mas lembrou a importância de se esforçar para aprender, pois os alemães apreciam muito esse esforço.

No âmbito acadêmico, Costa se surpreendeu positivamente com as discussões intensas e críticas diretas, o que no Brasil é um pouco prejudicado devido ao fato dos brasileiros encararem as críticas como pessoais. Outra diferença foi o ambiente muito quieto de trabalho: “No laboratório, ninguém fala nada”, comenta. Isso tem seu lado positivo, que é a maior concentração no trabalho, mas também pode ser angustiante passar dias inteiros sem dizer quase nada. A última diferença sentida por ele foi a relação com o orientado. No Brasil, o contato era diário e mesmo quando ele estava na Alemanha eles se comunicavam ao menos uma vez por semana; já com o orientador alemão, havia longos períodos sem contato o que fez com que Costa se sentisse um pouco sem apoio em alguns momentos. Entretanto, de um modo geral, a experiência foi muito boa e enriquecedora para ele e toda sua família. A chave do sucesso, segundo ele, “é manter a mente aberta”.

Encerrando as apresentações das Ciências Exatas, Maurício Rigoni, que viveu em Berlim, comentou sua estadia na Alemanha. Ele se surpreendeu com a simpatia e a educação dos alemães, disse que não teve problemas de adaptação, mas também não pode aprender muito alemão já que todos em seu laboratório falavam inglês muito bem. Elogiou principalmente o transporte público e o interesse em pesquisa dos alunos alemães, sempre muito focados e com uma cultura científica bem desenvolvida. “Todas as universidades têm bons escritórios de apoio a estrangeiros, facilitando em muito o dia-a-dia destes estudantes, algo raro no Brasil”, ressaltou o pesquisador.

Ciências Humanas

Na segunda parte do encontro, o representante da DAAD, Christian Müller, mediou uma mesa redonda com estudantes das Ciências Humanas. Estavam presentes os brasileiros Cristina Luna, doutoranda em História da UFRJ que passou um ano e meio em Berlim e Leipzig, e Humberto Kzure-Cerquera, urbanista da UFRRJ que também foi para Berlim. Outros três estudantes alemães comentaram suas experiências: dois estão fazendo intercâmbio de graduação em Produção Cultural na UFF, e um está cursando ciências políticas na USP.

Um dos aspectos mais comentados por todos foram as especificidades das Ciências Humanas no intercâmbio. A primeira dela é a importância de se conhecer a língua do país para onde se vai. “Eu ouvi meus companheiros das engenharias dizer que nos laboratórios em que atuaram só se falava em inglês. No meu caso isso não era possível, pois meu trabalho é solitário e utilizo documentos na língua local”, lembra Cristina, que disse ter se alegrado com a maior acessibilidade aos arquivos nas bibliotecas alemães, já que no Brasil a burocracia às vezes atrapalha as pesquisas.

Outro ponto lembrado é que o objeto de estudo das Ciências Humanas é a sociedade em si, portanto um intercâmbio para outro país é muitas vezes essencial para a pesquisa. No caso dos dois brasileiros, por exemplo, a Alemanha era parte das pesquisas e eles necessitavam de documentos e informações que dificilmente conseguiriam aqui. A pesquisa de Cristina Luna era sobre a influência alemã na formação do exército brasileiro, no início do século passado, e a do urbanista usava o cinema de Nelson Pereira dos Santos e de Wim Wenders para estabelecer comparações entre as dinâmicas das duas metrópoles por eles retratadas, Rio de Janeiro e Berlim, respectivamente.

Os alemães também escolheram o Brasil devido ao seu foco de interesse: a estudante de Produção Cultural se disse muito interessada pela cultura brasileira, principalmente a música. Já o cientista político teceu algumas impressões sobre a cidade de São Paulo, onde, segundo ele, a vida é fragmentada, devido ao alto grau de industrialização, ao pouco contato interpessoal e ao uso do carro como principal meio de transporte, mas ele garante que apesar do estranhamento inicial, aprendeu a gostar da cidade.

Quanto às diferenças culturais e acadêmicas entre os dois países, os brasileiros disseram ter se surpreendido com o espírito prestativo dos alemães, enquanto estes lamentaram o sistema de transportes encontrado por aqui e também lembraram, como pontos negativos, a pobreza e a segurança pública. “O resto foi ótimo: as pessoas, a comida, a natureza, o clima, a música”.

Encerrando o encontro, Müller concluiu que para que o intercâmbio entre Brasil e Alemanha continue crescendo é necessário apoio e colaboração de todos.