O diretor da ABC Luiz Davidovich, secretário-geral da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (4ª CNCTI), apresentou seus resultados no encontro anual da SBPC, realizado em Natal, em 30/7. A 4a CNCTI contou com 3.570 participantes cadastrados, 400 não cadastrados e mais de 40 000 acessos à internet, cerca de dez por minuto. “Apostei que seriam 2.500 participantes cadastrados”, comentou, “perdi a aposta, mas fiquei feliz com a superação das expectativas”.

Por outro lado, lamentou pela cobertura da mídia brasileira, que considerou muito abaixo do que o porte do evento merecia. Mas isso não abalou seu otimismo, visto que no âmbito internacional não faltaram elogios: “Futuro brilhante para a ciência brasileira”, estampou a revista Nature em seu editorial.

Perfil dos participantes

A distribuição dos participantes por área de conhecimento foi bastante equilibrada, o que certamente enriqueceu a Conferência com uma variedade de abordagens e pontos de vista. Dentre estes, 40% eram de Brasília, 13% do Rio de Janeiro, 10% de São Paulo, 5% de Minas Gerais e o restante oriundos de diversos outros estados. A presença de representantes de alguns estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste que nunca tinham participado da Conferência indica que a tão desejada descentralização regional do interesse científico se realiza pouco a pouco.

Quando analisada a distribuição dos participantes da 4a CNCTI por escolaridade, 5% deles tinham completado o ensino fundamental, 4% o médio, 18% estavam cursando alguma especialização, 22% a graduação, 20% o mestrado, 22% o doutorado e 9% o pós-doutorado – ou seja, a maioria (51%) era composta por pós-graduados.

Em seguida, Davidovich fez um breve apanhado histórico das três Conferências realizadas em anos anteriores e descreveu a última, expondo seus eixos, temas e desafios. Também apresentou a Comissão Organizadora e o Conselho Consultivo. Relatou que um cronograma foi estabelecido e cumprido: a partir de setembro de 2009 foram realizadas reuniões periódicas com acadêmicos, empresários, Comissão Organizadora, presidentes das sociedades científicas, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), o Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti) e o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

Em 4 de novembro de 2009 foi lançada oficialmente a 4ª CNCTI. Em abril de 2010, foram apresentados seminários temáticos preparatórios. Até o dia 16 do mesmo mês, foram realizadas reuniões estaduais e regionais. Tudo para culminar na Reunião Nacional em Brasília, ocorrida de 26 a 28 de abril de 2010.

Os seminários preparatórios para o evento tiveram os seguintes temas: Ciência Básica (realizado na Academia Brasileira de Ciências); Desenvolvimento Sustentável; CTI e Educação; Inovação nas Empresas; Brasil no Mundo; e CTI e Desenvolvimento Social. Esses seminários trouxeram contribuições excelentes, segundo Davidovich, que destacou a participação do economista polonês Ignacy Sachs, que apresentou no seminário “Brasil no Mundo” o estudo “Terras da Boa Esperança e as Biocivilizações do Futuro”. Segundo Sachs, regiões como Brasil, África e Índia teriam, graças às suas riquezas naturais, o potencial para dar exemplos ao mundo enquanto sociedades que investem no desenvolvimento social assim como têm compromisso com o respeito ao ambiente.

A Ciência brasileira é jovem

Davidovich remeteu-se em seguida ao desenvolvimento das instituições relacionadas à promoção da Ciência e ao crescimento do país. Citou os institutos Oswaldo Cruz e Butantã, comentando suas ações no combate à peste bubônica e à doença de Chagas.

Também entraram no rol das instituições fundamentais para o desenvolvimento da C&T brasileiras: a Petrobras, o Centro Tecnológico da Marinha, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Isso deixa clara a importância de políticas de longo prazo, visto que os resultados alcançados por essas instituições hoje se devem à contribuição de instituições fundadas nos séculos passado e retrasado”. No caso, a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz e o Instituto Agronômico de Campinas, criados respectivamente em 1901 e 1887.

As universidades brasileiras, apesar de fundadas muito depois das européias e americanas (a de Bolonha data de 1088, enquanto a de Harvard de 1636), também tiveram reconhecido papel no impulso à Ciência. Os sucessos da educação superior brasileira podem ser comprovados pelo crescimento percentual de artigos publicados em revistas internacionais, que supera o da média mundial, enquanto o número de mestres e doutores formados a cada ano só tende a aumentar.

Nem tudo são flores…

Mesmo com uma visão otimista, Davidovich não deixou de apontar os focos de problema. O percentual brasileiro da população adulta (entre 25 e 64 anos) com Ensino Superior está abaixo da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), ficando atrás de países como México e Turquia. “A Coreia do Sul, por sua vez, é um exemplo: enquanto 10% da população entre 55 e 64 anos completou o Ensino Superior, mais de 50% entre os jovens de 25 a 34 anos têm formação superior, o que indica o progresso da formação superior nas últimas décadas.”

Outro dado preocupante surgiu num gráfico indicando que a maioria dos concluintes do Ensino Superior não atua na sua área de formação. Graduações em Geografia e Economia, por exemplo, levam menos de 10% dos formados a trabalharem nessas áreas. Nas Engenharias, apenas 35% dos graduados trabalha em sua área de formação.

O país precisa urgentemente de muitos engenheiros, professores de Física e de Matemática. No entanto, essas não são as principais áreas de interesse da população. Davidovich apresentou dados que mostram a preferência dos graduandos pelas Ciências Humanas e Sociais – estas áreas recebem 69% das matrículas, contra 13% nas Ciências da Saúde e 11% nas Engenharias e Tecnológicas. As Ciências Exatas e as Agrárias vêm atrás com 4 e 2%, respectivamente. As demais graduações contam com 1% das matrículas. É importante notar que 88% das matrículas em Direito no Brasil são em instituições privadas.

Outra questão levantada por Davidovich referiu-se aos marcos legais. Segundo o organizador da 4ª CNCTI, há um esforço para criar um ambiente propício às necessidades da Ciência, mas é preciso avançar muito mais. A lei apelidada de Importa Fácil, apesar de contrariar o nome na prática, ao menos demonstra a preocupação em fornecer aos cientistas do país os instrumentos e materiais necessários a suas pesquisas. Outras leis têm buscado a autonomia plena das universidades, de modo a torná-las mais ágeis e mais desvinculadas de ditames governamentais.

Mas um dos avanços que deveria ser priorizado para Davidovich é algum marco que combata a estratificação de currículos, muitas vezes resultante de articulações de corporações profissionais. “Essas corporações tendem a engessar a formação profissional, que deveria ser muito mais ágil e flexível para acompanhar o avanço do conhecimento”, avaliou o Acadêmico. Tamanho conservadorismo atrasa as necessidades do país, cada vez mais dinâmicas. Um dos exemplos é a resistência à formação diferenciada de professores para a educação básica, possibilitando por exemplo que graduados em cursos que não são de licenciatura possam lecionar nesse segmento, mediante treinamento adicional específico e sucinto que não os obrigue a seguir um curso inteiro de licenciatura. “Essa formação difere
nciada tem tido muito sucesso em outros países”, afirmou Davidovich.

Essa revisão legal é fundamental porque, segundo Davidovich, muitas leis estão ultrapassadas e não respeitam as especificidades da pesquisa e da inovação. Para tal, é necessária uma avaliação cuidadosa de instrumentos mais recentes, como a Lei de Inovação e Lei do Bem. “É necessário também rever a Lei 8.666, de modo a facilitar a aquisição de equipamentos e insumos para a pesquisa”, apontou o físico.

As propostas

Após a Conferência, foram realizadas reuniões com 54 relatores das Preparatórias, que serão seguidas por reuniões com o Conselho Consultivo e consultas à Comissão Organizadora e às entidades estatais, além de uma consulta pública. Dos debates ocorridos neste ano e das consultas realizadas até agora, resultaram cinco grandes bandeiras da CT&I para a nova década:

– a educação de qualidade em todos os níveis;
– o Brasil na fronteira do conhecimento (ciência básica e tecnologias estratégicas);
– o uso sustentável de biomas, em especial a Amazônia e o mar;
– a agregação de valor à produção e à exportação;
– CT&I para o desenvolvimento social.

Foco principal: Educação

A respeito do primeiro eixo, a educação de qualidade em todos os níveis, Davidovich afirmou que essa é uma questão que envolve todos os segmentos da sociedade. “Pelo fato de a educação perpassar todos os ramos de atividades é que deveria haver uma pressão geral sobre governos e políticos na hora de votar o orçamento da União”, defendeu o físico. “Muitas vezes esse tipo de votação tira recursos da educação para investir em estradas de relevância secundária, para ligar nada a lugar nenhum…”

Ao analisar o sucesso educacional ocorrido em outros países, Davidovich evidenciou que este sucesso esteve diretamente relacionado ao nível de investimento e sua continuidade. “Israel investe há décadas 8,5% do seu PIB em Educação. Islândia, Dinamarca e Coréia investem 6,5%.”

Acrescentou, com pertinência, que o percentual do PIB investido em Educação pelos países mais desenvolvidos não deve ser tomado como modelo. “Esse percentual é bom para os países da OCDE, que já atingiram um nível satisfatório. Mas para os demais países, que ainda precisam de um forte investimento inicial, que alavanque o processo, o percentual tem que ser muito maior”, apontou Davidovich. Mas, no Brasil, isso ainda não acontece. O gasto por estudante no país está abaixo de todos os da OCDE.

Outro aspecto em que o Brasil, infelizmente, é campeão, é na relação profundamente desigual entre o investimento no ensino superior e os demais. Davidovich esclareceu que não considera ruim o investimento na educação superior: o problema é que ele é escasso na pré-escola e no ensino básico. “Em todos os países que obtiveram bons resultados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o professor da 1ª à 4ª série de escola pública é um dos três profissionais mais valorizados e bem pagos. Esses países nos dão a dica, portanto, de que atingir a excelência no Ensino Básico rende bons frutos”, destacou. Ainda nesses países, não há grandes diferenças nos salários dos professores dos diferentes níveis de ensino.

Para ilustrar o perigo do descaso com a educação, Davidovich citou trechos da Carta Aberta publicada em abril de 1983, durante o o governo Reagan, ao povo americano, intitulada Uma Nação em Risco: o imperativo de uma reforma educacional. A carta foi resultado do trabalho de uma comissão de 18 membros, nomeados pelo Secretário de Educação. A Carta afirma: “os fundamentos educacionais da sociedade norte-americana estão sendo corroídos por uma maré crescente de mediocridade que ameaça nosso futuro como Nação e como povo. Se uma potência estrangeira hostil tivesse tentado impor à América o desempenho educacional medíocre que existe hoje em dia, poderíamos muito bem ter encarado esse fato como um ato de guerra. No entanto, nós mesmos permitimos que essa situação ocorresse conosco”.

Segundo o palestrante, a mesma mediocridade educacional ameaça o Brasil. Ato de guerra ou não, o fato é que há urgência em combatê-la. Por isso Davidovich convoca os responsáveis pela educação brasileira a valorizar e qualificar os professores de educação básica, com salários iniciais e plano de carreira atraentes, condições de trabalho dignas e uma adequada formação.

Na fronteira do conhecimento

A segunda bandeira, então, foi içada. O desejo de que o Brasil esteja na fronteira da produção de conhecimento foi nutrido com a apresentação de projetos que fomentem a Ciência Básica e as tecnologias estratégicas.

Com isso, metas foram estabelecidas para 2020, visando dobrar ou triplicar os seguintes itens:

– a titulação anual de mestres e doutores, com a devida prioridade na concessão de bolsas de estudos nas áreas consideradas mais estratégicas e/ou carentes no país;
– o contingente de pesquisadores / técnicos da área de C,T&I no país, inclusive investindo no treinamento de técnicos de laboratórios;
– a publicação de trabalhos científicos em revistas qualificadas;
– investimento na busca e estímulo de talentos como as olimpíadas científicas;
– investimento no ensino de ciência, com a correspondente capacitação de professores;
– investimento nas atividades de cooperação científica internacional;
– investimentos em infra-estrutura, com a expansão do sistema universitário, institutos de pesquisa e laboratórios, inclusive de grande porte.

Para tanto, seria necessário investir 2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D ) até 2020, admitindo um crescimento do PIB de 5% anualmente e o da P&D de 10,4% ao ano.

Em relação às tecnologias estratégicas, Davidovich apontou o atraso do Brasil nas atividades espaciais. “Os satélites, hoje, podem fazer, por exemplo, prospecção sobre recursos minerais, o que permite antecipar sua exploração e os movimentos do mercado. O mais alarmante, contudo, diz respeito à segurança nacional. Um exemplo é o fato de que os Estados Unidos, graças a sua tecnologia de satélites, sabem antes de nós quais navios navegam nossos próprios mares.”

As demais áreas estratégicas destacadas pelos encontros da 4ª CNCTI foram as energias alternativas, a biotecnologia, a microeletrônica, as nanociências, a comunicação e informação, a energia nuclear, as mudanças ambientais, a metrologia e a saúde.

Uso sustentável da biodiversidade

Davidovich explicou então a terceira bandeira. A conservação e o uso sustentável dos biomas deverá passar por três ações. A primeira é o fortalecimento das redes de instituições de ensino, pesquisa, desenvolvimento e inovação, públicas e privadas, atuando nos seguintes biomas: Amazônia, Semiárido brasileiro, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Pampas e no bioma marinho.

A segunda se propõe a criar novos institutos de pesquisa, oferecer formação qualificada a cientistas e técnicos para o uso sustentável da Amazônia e do mar. “A idéia é que o monitoramento dos biomas passa por sua ocupação responsável e produtiva”, destacou o cientista. Finalmente, o terceiro ponto sugere uma postura firme e criativa diante dos desafios que forem surgindo, de modo a garantir um desenvolvimento sustentável e aproveitando as novas oportunidades criadas pelo desenvolvimetno tecnológico como, por exemplo, a exploração de fármacos na Amazônia. “Isso é especialmente importante para a exploração do mar, em particular no projeto do pré-sal, e da Amazônia, exigindo-nos cautela no seu aproveitamento socioeconômico”, acrescentou Davidovich.

Agregando valor

A quarta bandeira enfatiza a necessidade de o Brasil agregar valor à produção e à exportação. O Acadêmico reconheceu os progressos ocorridos, estimulados por leis como a Lei de
Informática, a Lei de Inovação (2004) e a Lei do Bem (2005). “Mas como apenas 800 empresas, dentre as 30 mil que declaram atividades de inovação, se beneficiam dessas leis, as ações ainda são poucas e o número de cientistas e engenheiros dedicados à pesquisa e ao desenvolvimento em empresas é extremamente reduzido”, afirmou Davidovich.

Para melhorar esse quadro, duas propostas foram sugeridas na 4ª CNCTI: utilizar o poder de compra do estado para bancar o crescimento inicial da área e incentivar institutos tecnológicos em seu papel de mediação, aproximando academia e empresa.

C&T para o desenvolvimento social

Finalmente, a quinta bandeira defende o uso da Ciência, Tecnologia e Inovação em nome do desenvolvimento social. Para orientar os benefícios tecnológicos no sentido da melhoria da vida da população, algumas ações foram determinadas. Uma delas se refere ao fortalecimento das Secretarias Municipais de C&T. O reforço das tecnologias para a segurança alimentar também é prioridade, assim como a ampliação da divulgação científica, do jornalismo científico e da educação em ciências. Enfim, formular e implantar um Programa Nacional de Inovação e Tecnologia Social, com financiamento, apoio e monitoramento de pesquisas e projetos fecha o conjunto de ações necessárias à realização dos benefícios engendrados pela CT&I.

Para concluir a palestra, o secretário-geral divulgou o portal da 4ª CNCTI. Em http://www.mct.gov.br/4cncti e http://www.cgee.org.br/cncti4 podem-se encontrar vídeos e artigos sobre o evento. Um livro com a síntese das propostas e com a abordagem de grandes temas está sendo redigido para democratizar o conhecimento das necessidades do país e incentivar práticas que ajudem na superaração dos problemas.

Davidovich deixou claro que CT&I deve ser objeto de uma política de Estado e ser assunto de todos os Ministérios, não apenas do de C&T. Também a sociedade civil deveria colaborar, pressionando os governos a assumirem suas responsabilidades. “isso envolverá ainda muita discussão, muito debate, mas temos que ter a consciência de que necessitamos de um esforço concertado desses vários segmentos, cada um com suas identidades e reivindicações próprias,mas atuando como numa orquestra em que cada instrumento emite um som diferente, mas o conjunto tem uma direção e uma harmonia. Assim poderemos contribuir para estruturar a base científica e tecnológica que permitirá um desenvolvimento sustentável dos pontos de vista social, econômico e ambiental”, concluiu.