O coordenador do Simpósio sobre Ciências da Terra no Brasil, parte da Conferência Avanços e Perspectivas da Ciência na América Latina e Caribe no dia 30/11, foi o Acadêmico Reinhardt Fuck, geólogo formado pela UFRGS com pós-doutorado em Geologia e Petrologia pela Universidade de Durham, no Reino Unido, que atualmente é Professor Titular da Universidade de Brasília.

Segundo o coordenador a sessão abordou a microanálise, uma ferramenta moderna que alavancou a área de forma extraordinária. “Com base em análise pontual de minerais, podemos extrair informações importantes no sentido de entender como a Terra evoluiu, como as coisas se formaram e daí por diante”, ilustrou Fuck. A palestra do representante da Petrobras trouxe para a academia a visão mais científica e técnica que é o pré-sal. “Ele explicou onde é que está esse pré-sal, o que ele significa e qual é o seu potencial, que segundo o palestrante é realmente extraordinário – vai dobrar o estoque de petróleo disponível para o Brasil”. Fuck referiu-se à palestra final como uma visão preciosa do fenômeno das mudanças climáticas – como é percebido, como é medido e de que forma nos afeta no dia a dia, quais são os cenários, as previsões feitas para o futuro. O palestrante deu um alerta: “temos que tomar algumas medidas para que os que nos seguirem neste planeta tenham um planeta habitável”.


Tércio Ambrizzi, Reinhardt Fuck, Marcio Pimentel

Heterogeneidades geológicas: de uma montanha a um grão mineral

A primeira apresentação foi do Acadêmico Márcio Martins Pimentel, doutorado pela Universidade de Oxford (Inglaterra) com pós-doutorados na Université du Quebec (Canadá) e na Australian National University (Austrália), que atualmente é Professor Titular e responsável pelo Laboratório de Geocronologia e Geologia de Isótopos da UnB.

Pimentel explica que os problemas geológicos que precisam ser resolvidos são de várias escalas. Na Terra, as heterogeneidades geológicas são observadas desde a escala continental até o interior de um grão mineral. “O que se descobriu é que uma separação de continentes, a formação de uma bacia sedimentar, o soerguimento de uma cadeia de montanhas estão também registrados em microescala, na forma de novos crescimentos de minerais”, esclarece o pesquisador. Aí entra a microanálise: conhecendo o mineral em todas as suas fases de crescimento, se pode investigar as diferentes partes e daí tirar as informações de larga escala. “Assim, os eventos de larga escala que acontecem na superfície da terra podem ser investigados e datados com base em partes de grãos de minerais.”

Essa técnica foi desenvolvida há algum tempo, mas o equipamento que realmente deu certo foi criado em 1980 na Universidade Nacional da Austrália. Um grupo de pesquisadores brasileiros que estudava lá, incluindo Pimentel, se organizou para conseguir trazer aparelhos para o país. Faz análises ultrarápidas em pequenas partes de cristais que tem significado muito grande em diversos processos geológicos. A instalação desses equipamentos trará um avanço muito grande para a nossa geologia.

O Acadêmico conta que até 2005, o Brasil não tinha capacidade de microanálise isotópica em laboratórios de Geociências. Os primeiros aparelhos instalados no Brasil estão na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade de Brasília (UnB). “Agora será instalado um na Universidade Federal do Pará (UFPA) e teremos um mais moderno – o SHRIMP – instalado na USP”.

O Brasil tem os únicos equipamentos deste tipo em funcionamento na América Latina, o que já propiciou um acréscimo sensível na interação com grupos de pesquisa da Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, Venezuela e Panamá (Smithsonian), bem como com grupos da África – Camarões, Angola, Moçambique e África do Sul. “Estamos deixando de ser compradores de microanálises em laboratórios no exterior para sermos fornecedores”.

O desafio do pré-sal

O Doutor em Geociências gaúcho Edison José Milani, gerente geral de Pesquisa e Desenvolvimento de Exploração do Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), foi o segundo palestrante. Ele apresentou a instituição, que desenvolve pesquisa em Geologia e Geofísica, especialmente em Sedimentologia/Estratigrafia, Geologia Estrutural, Geoquímica, Bioestratigrafia e Física de Rochas. “O Cenpes atua em rede com as universidades e instituições de pesquisa nacionais, mantendo forte interação com a comunidade científica internacional.”

O setor petrolífero se divide em dois grandes segmentos, de acordo com o palestrante: o upstream, que envolve a exploração desenvolvimento da produção e a produção propriamente dita, quando há uma descoberta durante algumas décadas e o downstream, que abrange o refino, transporte, comercialização, a petroquímica, tudo que usa o petróleo como insumo.

Milani focou o upstream, especificamente a ciência na prospecção petrolífera. “O grande gol do processo exploratório é propor o local aonde vai se perfurar um poço pioneiro. Quando a natureza ajuda, encontramos a jazida”, explicou. Os geólogos perfuram os poços de delimitação, para avaliar o volume descoberto e então entram os engenheiros, que montam os dutos, válvulas e plataformas que vão permitir o processo de produção propriamente dito. “A exploração de um poço dura algumas décadas”. Milani procurou explicitar os grandes desafios que o Brasil enfrenta atualmente na área do petróleo, a partir do grande conjunto de jazidas encontrado recentemente, que formam o chamado pré-sal.

Em águas mais profundas (pós-sal) se encontram jazidas maiores, reservas em torno de 14 a 15 bilhões de barris. A administração da produção nessa área é mais difícil do que em terra, mas já existe tecnologia suficiente para tanto, segundo Milani. Já o pré-sal está abaixo de uma larga camada de sal que percorre quase toda a costa brasileira. “Nesta região a dificuldade de prospecção é bem maior, porque a visibilidade através de equipamentos que geram imagens é ruim, não têm boa resolução”. Além disso, Milani explica que o pré-sal é um meio poroso muito complexo, o que torna a produção um grande desafio a ser vencido. “O problema é varrer toda a rocha para tirar toda a jazida, há várias pesquisas correndo nesse sentido”.

Milani concluiu destacando que há muitas questões científicas e tecnológicas a serem resolvidas para romper as barreiras e chegar essa produção, que é potencialmente muito grande. Para tanto, estão sendo estabelecidas redes envolvendo a Petrobras, várias universidades brasileiras e entidades internacionais, já que essa busca de geoconhecimento ligado à produção petrolífera interessa a diversos países.

Mudanças climáticas e desigualdade social

O doutor em Meteorologia pela Universidade de Reading, na Inglaterra, Tercio Ambrizzi, atualmente é diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Ele deu início à palestra observando que a quantidade de gases estufa na atmosfera da Terra é natural. “Se eles não existissem não existiria vida na Terra”, ressaltou. Abordou então as porcentagens que esses gases ocupam em termos de produção da indústria e uso de combustível fóssil – 66% do que é emitido pelo país, “que em termos mundiais é um número baixo. Mas tem uma porcentagem grande do uso da terra e da agropecuária, é onde deveríamos estar atacando aqui no Brasil”, apontou.

Ambrizzi levantou a possibilidade de caracterizar a variabilidade climática relacionada à mudanças climáticas. “Temos passado por eventos extremos como as inundações em Santa Catarina, a seca na Amazônia em 2005, o furacão Catarina em 2004, as enchentes no Piauí”. Um aspecto que o preocupa é a diferença na reação pública. “Vimos toda uma comoção nacional para ajudar o pessoal em Santa Catarina, mas não percebemos comoção correspondente com relação aos piauienses”. Segundo o especialista, o alerta está dado: “as mudanças climáticas estão ocorrendo, os eventos extremos estão se exarcebando e aí existe essa conotação de desigualdade social, pois o problema vai afetar principalmente os menos favorecidos.”

Para Ambrizzi, está claro que é preciso investir hoje para termos um futuro mais seguro. O país precisa desenvolver sistemas de alertas precoces para eventos extremos e estabelecer ações para enfrenta-los, pois são inevitáveis. Também é fundamental, segundo o especialista, aumentar a capacidade das ações comunitárias, particularmente entre os mais vulneráveis. Além disso, é necessário implantar as melhores práticas na construção civil e no tratamento dos recursos hídricos. Por fim, Ambrizzi apontou a urgência de se expandir o uso das informações do tempo e do clima regionais pelos planejadores e tomadores de decisão.