Nos dias 5 e 6 de outubro, aconteceu na sede da Academia Brasileira de Ciências a Conferência de Geociências nos Países de Língua Portuguesa: de um Passado Comum para um Futuro de Integração. O evento foi o encerramento das atividades do Comitê Brasileiro do Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), que, como lembraram muitos dos presentes, foi na verdade um triênio (2007-2008-2009).
O que é o AIPT
O AIPT é uma iniciativa da ONU, da Unesco e da União Internacional de Ciências Geofísicas (IUGS), tendo sido encaminhado no Brasil pela ABC, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), do Ministério de Minas e Energia (MME) e patrocínio da Petrobras. Seu principal objetivo era chamar a atenção das pessoas para as Ciências da Terra – que incluem a Geologia, Geofísica, Meteorologia, Oceanografia, entre outras disciplinas – e sua importância para a sociedade. Dentro deste objetivo, haviam dois focos de ação: o fomento à produção científica na área, bem como a difusão e divulgação das Ciências Geológicas para o restante da sociedade e para os seus governantes.
Atividades do AIPT no Brasil
O geólogo e Acadêmico Diogenes de Almeida Campos, presidente do Comitê Nacional do AIPT, ressaltou que no Brasil foi dada maior ênfase à divulgação do que ao incentivo de pesquisas pois, segundo ele, já existe no país uma boa infraestrutura para pesquisas e uma considerável produção acadêmica na área. Neste sentido, foram desenvolvidos trabalhos relacionados aos dez temas propostos pelo AIPT – Águas Subterrâneas, Megacidades, Clima, da Crosta ao Núcleo da Terra, Desastres Naturais, Oceanos, Recursos Naturais e Energia, Solos, Terra e Saúde e Terra e Vida – e organizados encontros de pesquisadores, assim como concursos entre estudantes.
“As Geociências, de uma maneira geral, estão presente em cada momento da vida das pessoas” lembra o geólogo Carlos Oiti Berbert, organizador do evento e assessor da Presidência do CNPq, atual coordenador geral das Unidades de Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Da comida aos produtos industrializados, tudo vem do solo, subsolo, da água, dos recursos naturais. Só que os benefícios das Geociências não são valorizados, por falta de informação” completa.
Foi isso que o Comitê quis mostrar para o Brasil durante os últimos três anos, quando foram organizados eventos como congressos, palestras, caminhadas geológicas, feiras de ciências, distribuição de cartilhas e exposições, entre outras. A integração de alguns setores da sociedade neste projeto foi surpreendente e motivadora, segundo Diógenes Campos. “Os envolvidos viajaram o país inteiro divulgando as geociências e puderam perceber grande interesse de escolas e prefeituras. Alguns municípios, como Cuiabá, Franca e Sorocaba, chegaram a criar o Dia do Planeta Terra”, destaca Campos.
O ensino das Geociências no ensino básico
Ainda segundo o Acadêmico, as propostas e iniciativas do AIPT não devem acabar junto com eleo Ano, pois ainda há um grande desafio para as Geociências no Brasil: o ensino das Ciências da Terra no nível fundamental e médio. “Quando se ensina Ciências e Geografia nas escolas o foco normalmente é mais político, humano e biológico. Ainda não temos um ensino de Geologia para nossas crianças e adolescentes, o que já acontece em muitos países”, afirmou.
O ensino das geociências em diferentes países da língua portuguesa foi justamente o tema debatido na conferência de encerramento do ano, já que também estamos na Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). O evento contou com a participação de professores representantes de quatro países lusófonos – Brasil, Portugal, Moçambique e Guiné-Bissau.
Os geólogos Umberto Cordani, Acadêmico e professor titular da USP, e Rômulo Machado, professor associado da USP, discutiram o ensino brasileiro das Geociências. Representando Moçambique, falaram os professores Maria de Fátima Momade (Associação Geológico-Mineira de Moçambique) e Daud Liace Jamal (Universidade Eduardo Mondlane e Associação Geológica Mineira de Moçambique). Gilberto Baldé (GoldFluvium) contou a experiência de Guiné-Bissau, enquanto a professora Maria Filomena Amador (Universidade Aberta de Lisboa) apresentou o panorama português.
Cordani mostrou a evolução do ensino de Geologia nas universidades do Brasil e ressaltou a importância das geociências para um desenvolvimento sustentável. Ele citou a Eco 92, sediada no Rio, como um divisor de águas que colocou em pauta no mundo inteiro a questão ambiental.
A Agenda 21, lançada no evento, nos lembra da necessidade de criação de tecnologias limpas e da utilização de fontes de energia renováveis, pois é cada vez mais acentuada a escassez dos recursos naturais. Segundo o professor, é neste ponto que deve atuar a Geologia, buscando entender o Planeta Terra como um sistema interligado do qual o homem faz parte. Para isso, é importante a participação de profissionais de diferentes campos, já que a interdisciplinaridade é cada vez mais valorizada, além de essencial para a compreensão e divulgação dos conteúdos relacionados ao meio ambiente e sua preservação.
Ao encerrar sua palestra, Cordani lembrou que o homem é atualmente o maior agente erosivo do planeta e citou o filósofo empirista inglês Francis Bacon que, ainda no século 17, disse: “A natureza, para ser comandada, tem que ser obedecida”.
Rômulo Machado falou da importância da capacitação de professores para o ensino de Geociências no Ensino Médio. Citou a criação do curso de Licenciatura em Geociências na USP em 2003 como um marco importante e um exemplo a ser seguido. Ele também relatou a experiência do AIPT no Paraná, onde foi ministrado um curso de atualização para professores da rede pública de áreas afins – Geografia, Ciências e Biologia. Para Machado, iniciativas como estas são importantes para despertar desde cedo o interesse para a Geologia e a preservação do Planeta Terra.
Após assistir as palestras de seus colegas, o professor Cordani observou “Moçambique e Portugal estão muito à frente do Brasil no que diz respeito ao conteúdo programático das escolas para o ensino das Ciências da Terra”. Ressaltou, entretanto, que só pelo programa não é possível saber como esses conteúdos são ministrados em Moçambique.
“Em Portugal, existe uma longa tradição de ensino da Geologia no nível pré-universitário, cuja origem remonta ao ano de 1836, quando Passos Manuel (1801-1862), ministro do Reino, propôs a criação dos primeiros liceus” informou Maria Helena Amador. Ela lembrou episódios como o terremoto de Lisboa em 1755, que fazem a humanidade atentar para o fato de que “a natureza não é apenas o cenário onde decorre a ação humana. A natureza é um dos atores da história, tanto quanto os povos são atores na natureza”. Na palestra de Gilberto Balde, foram destacados os desafios encontrados no ensino em Guiné-Bissau – não só nas Geociências, mas de um modo geral – já que o país busca se reconstruir após sucessivos golpes e guerras.
Novos rumos das Geociências
Além dos representantes dos países de língua portuguesa, o evento contou com a presença do secretário-executivo do InternationalYear of Planet Earth e idealizador da iniciativa, Eduardo de Mulder, que expôs um balanço geral do AITP no mundo. O presidente do Comitê Brasileiro, Diógenes Campos, e a Coordenadora do Comitê Português, Maria Helena Henriques (Universidade de Coimbra), complementaram a palestra de Mulder demonstrando as ações e conquistas do AIPT em seus respectivos países.
Também falaram o representante da Petrobras, Adali Spadini, e a representante do Departamento de Recursos Minerais (DRM/RJ), Kátia Mansur. Spadini discutiu os novos rumos das Geociências em tempos de Pré-Sal, destacando a posição de destaque do Brasil e da Petrobras. Kátia Mansur apresentou o projeto Caminhos Geológicos do DRM, que busca levar informações para a sociedade sobre os patrimônios geológicos do Estado do Rio de Janeiro. o meio utilizado para atingir este objetivo foi a implantação de painéis com uma linguagem simples nos pontos onde é possível observar formações geológicas diferenciadas.
Grupo de palestrantes do evento
Desdobramentos
“A experiência vem demonstrando que a divulgação da história geológica desperta interesse imediato nas pessoas”, declarou Kátia. Ela espera que a longo prazo o resultado deste projeto seja a educação das novas gerações para a preservação do planeta e para o conhecimento científico. No final, houve uma mesa redonda onde todos puderam discutir os novos rumos das geociências e as possibilidades de cooperação e integração entre os países presentes.
Embora as atividades do Comitê Nacional tenham terminado, o encerramento oficial das atividades internacionais do AIPT será no próximo mês, em Lisboa. Um grande evento será realizado com a presença de representantes dos quase 100 países envolvidos.