A biodiversidade brasileira e a busca por novos fármacos para doenças negligenciadas foi o tema da palestra do químico medicinal Adriano Andricopulo na 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada entre os dias 12 e 17 de julho na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus.

Coordenador do Laboratório de Química Medicinal e Computacional da USP-São Carlos, o membro afiliado da ABC, indicado em 2008, apresentou uma conferência ressaltando o processo de descoberta de novos fármacos, a seleção de alvos moleculares voltados para as doenças negligenciadas e o papel da biodiversidade dentro desse cenário.

Segundo o cientista, a descoberta de novos candidatos a fármacos é um processo altamente complexo e custoso, que demanda esforços integrados envolvendo inovação, conhecimento, informação, tecnologias, especialização, investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e competências de gestão. Andricopulo afirma que, para tanto, é fundamental a integração de pesquisadores, laboratórios e universidades e o estabelecimento de acordos com agências governamentais, privadas indústria e empresas farmacêuticas.

Em um rápido panorama do mercado farmacêutico, o químico destacou seu crescimento e evolução na última década, com um aumento significativo na venda de medicamentos. A Pfizer, empresa número um do mundo no ramo, faturou 48,3 bilhões de dólares em 2008, dos quais investiu oito em P&D. Porém, segundo Andricopulo, o que torna esse quadro desfavorável é o fato de menos de 0,01% do total de P&D (mais de 70 bilhões de dólares) ter sido destinado à área de doenças tropicais negligenciadas, responsáveis pela contaminação de mais de um bilhão de pessoas no mundo.

“As crianças são os alvos mais vulneráveis das doenças tropicais. Esse é um quadro muito crítico se pensarmos na malária: a cada 30 segundos uma criança com menos de cinco anos morre da doença. São três mil mortes ao dia, 90 mil ao mês e mais de um milhão ao ano”, avalia o pesquisador, que garante que dos 1.400 novos fármacos introduzidos no mercado no período de 1975 a 1999, apenas 1% eram destinados às doenças tropicais negligenciadas. “Existe um número extremamente grande de pessoas sofrendo dessas doenças e não há alternativas suficientes, seguras e eficazes para o tratamento”, lamenta Andricopulo.

Por isso, seu foco de estudos está no desenvolvimento de medicamentos para tais doenças, típicas de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como a de Chagas, malária, esquistossomose e leishmaniose, consideradas negligenciadas pela falta de investimentos das indústrias farmacêuticas. “São doenças que afetam as regiões mais pobres e carentes do mundo e por isso a indústria farmacêutica não vê nelas uma oportunidade atrativa de mercado. O retorno financeiro das vendas desses medicamentos não justificaria o investimento em P&D que elas precisariam fazer para obter esses produtos”, explica o coordenador do Centro de Referência Mundial em Química Medicinal para a Doença de Chagas no Brasil, da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os estudos de Andricopulo, graduado em Química Industrial pela Universidade Federal de Santa Maria e pós-doutorado em Química Medicinal pela University of Michigan, procura utilizar compostos obtidos da biodiversidade brasileira, bm como outros de fontes diversas. O processo de descoberta de novos fármacos se inicia com o estudo de novos alvos moleculares – molécula receptora, como uma proteína ou uma enzima, por exemplo, relacionada à doença para a qual se deseja desenvolver um tratamento quimioterápico – e a identificação de moléculas (compostos) bioativas.

Daí, para isolar tais moléculas, os cientistas utilizam um processo chamado de triagem biológica, em que são retiradas da biodiversidade diversas amostras de extratos, misturas e compostos puros de fontes naturais, como plantas ou microrganismos. Na fase seguinte, essas moléculas são testadas contra um parasita, como o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, ou contra uma enzima-alvo do microorganismo. Se os resultados forem promissores, as propriedades destas moléculas podem ser otimizadas, por meio de técnicas de Química Medicinal, para que possam ser utilizadas em humanos com segurança e eficácia.

“Temos vários compostos candidatos a fármacos que estão em processo de síntese, que é a construção, ou em estágio pré-clínico, ou seja, de aprimoramento. Mas o maior desafio é conseguir parcerias com o setor farmacêutico para fazer o desenvolvimento clínico dessas moléculas, que leva alguns anos para ser finalizado”, conta Andricopulo. Hoje, para um novo fármaco chegar ao mercado farmacêutico, são estimados de 12 a 15 anos e um custo da ordem de 200 milhões a um bilhão de dólares.

A busca de Andricopulo por novos fármacos se concentra, sobretudo, na doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanossoma cruzi e que hoje afeta 18 milhões de pessoas, principalmente na América Latina e no sul dos Estados Unidos, causando cerca de 50 mil mortes ao ano. A doença, descoberta em 1909 pelo cientista brasileiro Carlos Chagas – que determinou seu agente etiológico, vetor, hospedeiros, modo de transmissão e manifestações clínicas – ainda não possui um medicamento eficaz e seguro para o seu tratamento, o que entristece o pesquisador.

O cientista integra o Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR, em inglês para Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases), da OMS, que engloba uma rede internacional de laboratórios para a descoberta de novos fármacos. O programa reúne pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (USP) e da Unicamp no Centro de Referência Mundial em Química Medicinal para a Doença de Chagas no Brasil, único da América Latina, coordenado por Andricopulo.

Em tempo: entre os dias 23 e 25 de setembro de 2009 acontecerá na USP o I Simpósio de Planejamento e Desenvolvimento de Fármacos para Doenças Negligenciadas, como parte das comemorações dos 75 anos da Universidade de São Paulo. Mais uma oportunidade de debate e troca de informações nesse vasto campo de atuação.