Paula Autran escreve para O Globo:
Basta entrar no prédio 110 da Estrada Dona Castorina, no Jardim Botânico, para comprovar por A + B que a realidade dos números não é fria. Considerado pelo matemático americano Jerry Bona como o departamento de matemática mais lindo do mundo, por sua localização privilegiada, em meio à Mata Atlântica, há 57 anos o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) faz bonito na escala mundial de entidades do gênero.
Segundo indicadores de produção científica mais recentes do Mathscinet – banco de dados da American Mathematical Society, que calcula o número de publicações em revistas de primeira categoria por pesquisador de cada instituição -, em 2007 o Impa atingiu a média de 1,83, à frente das americanas Princeton (1,73) e Berkeley (1,60).
Aluno pode levar medalha que é o Nobel da matemática
O fator de impacto desses artigos, medidos pelo Institute for Scientific Information (ISI) no mesmo ano, reforça como o instituto mantém o país entre os melhores do gênero: 1,50, em pé de igualdade com Berkeley (1,47) e não muito atrás de Harvard (1,90) e Princeton (1,75).
Em matemática aplicada, a também brasileira USP alcançou apenas 0,38. Com 38 pesquisadores (a maioria é de brasileiros, sendo só uma mulher) e cerca de 150 estudantes de mestrado e doutorado (metade estrangeira), a pós-graduação do Impa recebeu sempre a nota máxima da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é 7.
Somado a tudo isso, de todos os cerca de dez brasileiros que já foram convidados a dar palestra no ICM, o Congresso Internacional de Matemática (maior reunião de matemáticos do mundo, que acontece de quatro em quatro anos e em 2010 será na Índia), só um não era de lá, e sim da PUC. “E hoje temos um candidato forte a ganhar a Medalha Fields (considerada o Nobel da matemática), que o Brasil nunca conquistou. É meu neto-aluno Artur Ávila. Ele está indo para o congresso do ano que vem para uma plenária, o que é ainda mais importante e raro do que uma palestra”, diz o ex-diretor e pesquisador do Impa Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Noves fora a intimidação que tantos números podem causar a um leigo, o Impa é um lugar acolhedor. Suas salas têm janelas voltadas para a mata, há ambientes aconchegantes (com quadro-negro, computadores e sofás) para pequenos grupos de alunos se espalharem e uma sala de estudos aberta ao público, inclusive aos sábados, domingos e feriados (das 9h às 23h). Na biblioteca, a melhor da América Latina, há 33.649 livros e 36.786 periódicos, incluindo exemplares de revistas especializadas desde o século XVII.
E, para quem acha que só há espaço para numerais, vale uma visita a laboratórios como a sala de visualização estereoscópica interativa, onde os alunos se valem de artifícios como computação gráfica e fotografia para simulações que testem métodos de modelagem.
Lá, Bruno Eduardo Madeira, aluno de mestrado de 29 anos que é capitão do Exército, simula pilotar uma aeronave, com visão de frente, lateral e de cima. Na área de dinâmica de fluidos, equações são usadas para descrever movimentos como a propagação das ondas do mar, a fim de medir como essa ondulação pode afetar a segurança das plataformas de petróleo. “Estive no Impa pela primeira vez num curso de verão, aos 17 anos. Vim com cinco amigos de Maceió e ficamos num quarto alugado em Copacabana”, recorda Fernando Codá, de 29 anos, doutor em geometria diferencial que se tornou pesquisador do instituto há seis anos e viajará com Artur Ávila para dar uma palestra no ICM.
Codá foi um dos muitos estudantes – do Brasil e de países como Suécia, Alemanha e Espanha – que conheceram o Impa em cursos de verão que, apesar de ministrados nessa agradável ilha de excelência cercada de verde por todos os lados, não deixam espaço para descanso. “São cerca de 300 candidatos, a maioria da América Latina. A seleção é pelo histórico escolar e por cartas de recomendação. Há casos de alunos do ensino médio que acabam iniciando o mestrado antes de concluir o segundo grau” conta André Nachbin, coordenador da Comissão de Ensino.
Instituto já formou 652 mestres e 309 doutores
Com dez áreas de pesquisa, o Impa já formou 652 mestres e 309 doutores, sendo 85 estrangeiros. Detalhe: as aulas são ministradas em português. “Nesta instituição predomina o sotaque”, diz o diretor Cesar Camacho, também membro da ABC, que é peruano e iniciou sua história no instituto em 1965. “O fato de ser no Rio é uma atração a mais”. Que o diga, em ótimo português, o pesquisador iraniano Houssein Movasati, de 34 anos. “As aulas até me ajudaram a entender o idioma”, diz ele.
Pesquisadores têm salário de R$ 8 mil a R$ 12 mil
Nascida numa pequena sala no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em 1952, por iniciativa de matemáticos como Leopoldo Nachbin, Maurício Peixoto e Elon Lima, o Impa cresceu e apareceu. Com o objetivo de disseminar a matemática, integrando-a com outras áreas da ciência, da educação, da cultura e do setor produtivo, a antiga autarquia do Ministério de Ciência e Tecnologia se tornou organização social (OS) em 2001.
Com orçamento de R$ 10 milhões, seus alunos são bolsistas. O salário dos pesquisadores varia de R$ 8 mil a R$ 12 mil. Para ser admitido não basta ser doutor em matemática. O candidato passa por um concurso internacional e precisa ter experiência mínima de dois anos no exterior, além de apresentar referências de cinco matemáticos de renome. Este ano há duas vagas. Mas a admissão não é permanente: o contrato é de quatro anos, após os quais o desempenho do profissional é avaliado.
“Não existe mais distribuição de recursos por rubrica. Isso permite mais maleabilidade na hora da contratação de um pesquisador e cumpre um papel fundamental na renovação dos quadros de pesquisa. Não corremos mais o risco de perder um grande nome porque não há um concurso previsto. E não precisamos contaminar a instituição para preencher dez vagas só porque houve um concurso”, explica o diretor do Impa, Cesar Camacho. “Também posso contratar pesquisadores extraordinariamente. Temos dois assim: o mais velho, Harold Rosenberg, aposentado na França, e o Artur Ávila, um dos mais novos.”
Segundo o contrato com o governo, o Impa se compromete a cumprir um plano de metas. De acordo com Camacho, atualmente o controle é muito maior do que antes. “Passamos por três crivos: do Tribunal de Contas da União, da Controladoria Geral da União e da controladoria interna.”