Em matéria publicada no dia 22/1 na Folha de S. Paulo, o ministro da Ciência e Tecnologia, o Acadêmico Sergio Rezende, classificou como irresponsável o corte de 25% no orçamento da sua pasta – correspondente a R$ 1,1 bilhão – aprovado pelo Congresso Nacional para 2009. “Faltou responsabilidade, compromisso com o futuro do Brasil”, afirmou Rezende. O ministro afirmou que vai tentar resolver a questão e achar uma saída.
O corte no orçamento recebeu duras críticas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para Jacob Palis, presidente da ABC, é “dar um tiro no pé”. Ele demonstrou seu ponto de vista com o exemplo dos Estados Unidos: “No meio da maior crise que o país já teve, o presidente Barack Obama convocou grandes líderes científicos para participarem do governo e se comprometeu com o aumento dos investimentos no setor inicialmente de 16 bolhões de dólares além do orçamento anteriormente aprovado”, disse. “Fazer cortes em ciência é uma política de suicídio. A maneira de sair da crise é ser competitivo”, afirmou Palis.
Os dois presidentes temem por sério prejuízo às bolsas de estudo em todos os níveis, à tentativa de manter bons pesquisadores na Amazônia e atrair novos cientistas para a região, pela inovação em nossa indústria e à integração academia-setor produtivo, dentre muitos outros programas relevantes para o avanço do país em C&T, podendo trazer reflexos negativos até nos recém-criados Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.
Por notícias vinculadas pela mídia relativas ao presidente da República e ao ministro do Planejamento, além dos ministros de C&T, Educação e Saúde, o Governo reagiu positivamente à proposta feita pela ABC e SBPC de recomposição total do orçamento enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional. Nele, o valor total para a pasta era de R$ 6,1 bilhões.
O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), como sinalizado por Rezende, não se acomodou. No dia 23/1, sua assessoria publicou nota na Folha de S. Paulo afirmando estar empenhado em garantir a recomposição do seu orçamento para este ano, cujos recursos são essenciais ao cumprimento das metas previstas pelo Plano de Ação de Ciência Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010 (PACT&I).
Para tanto, o ministro Sergio Rezende está discutindo com o Ministério do Planejamento soluções que assegurem a execução de todas as ações e programas do PACT&I. Como resultado desse esforço, a área econômica do Governo Federal se comprometeu em 23/1 em adicionar ao orçamento deste ministério os recursos de R$ 180 milhões, destinados ao pagamento das bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com essa aprovação, o CNPq passa a contar com 12.100 bolsistas de Produtividade, representando um crescimento de 18% em relação ao ano anterior.
ABC e SBPC: inteligência e ousadia para enfrentar a crise econômica mundial
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, e o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antonio Raupp, publicaram no JC e-mail de 26/1 uma carta conjunta da ABC e SBPC, dirigida ao Presidente da República e entregue ao seu sub-chefe de gabinete em que manifestam profunda preocupação com os cortes orçamentários na área da C&T.
De início, mostraram a surpresa que foi para a comunidade científica e tecnológica a decisão de corte tão drástico, “pois a tradição de nosso Legislativo é a de uma grande solidariedade com estas áreas que escrevem o presente e o futuro do país”.
Em seguida, apresentaram um breve histórico do fomento à C&T no país nas últimas décadas, destacando o brilho e determinação com que o Governo Lula tem tratado a C&T e a Educação. Em especial, destacaram o lançamento dos mais de 100 Institutos Nacionais de C&T, pelo MCT-CNPq, dando sequência aos Institutos do Milênio, em nova dimensão e com dez vezes mais recursos, “compartilhados com agências estaduais em uma notável engenharia financeira, que traz a marca da aprovação nacional ao programa. Havendo bom desempenho, o programa provocará uma revolução científico-tecnológica em todo o país, pois os institutos atuarão em redes, envolvendo centros em desenvolvimento localizados nos mais diversos pontos do território nacional.”
Palis e Raupp reiteraram as ações de apoio e investimento em C&T ocorridas neste governo, exemplificando com diversas situações em que o Congresso Nacional atuou a favor do avanço da C&T em nosso país. “Nossa ciência, muito jovem em relação aos países europeus e da América do Norte, e até mesmo em relação à Argentina, tem hoje papel de destaque e respeito da comunidade internacional”, apontaram os autores.
Para que esse patamar alcançado com tanto esforço pelo menos se mantenha e, numa perspectiva melhor, evolua, Palis e Raupp defenderam a recomposição urgente do orçamento previsto para C&T, para que não sejam desperdiçados tantos recursos e investimentos realizados nos últimos anos. “Um desastre para a Nação está desenhado, mas a esperança reside, e fortemente, na recomposição deste orçamento pelo Executivo, conforme aquele que enviou ao Congresso. Confiamos que o faça. É preciso. E o Congresso com certeza irá finalmente aplaudir, como sempre o fez nesta área.”
C&T são a base para um Brasil inovador e competitivo
Em artigo conjunto publicado no dia 25/1 na Folha de S.Paulo, Marco Antônio Raupp e Alaor Chaves, Membro Titular da ABC, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), afirmaram que se o Brasil quer manter as esperanças de se tornar mais inovador e competitivo, é imperativo que se reveja o orçamento para C&T.
Para os autores do artigo, o corte de R$ 1,12 bilhão do orçamento do MCT – equivalente a 52% do proposto pelo Executivo – prejudicará extremamente o fomento da pós-graduação, por exemplo, que é um programa extremamente bem articulado e bem-sucedido, um dos que mais avançaram em todo o mundo nas últimas décadas. Num momento em que as universidades públicas estão duplicando o número de vagas, reduzir a qualificação de pessoal para ocupar as novas vagas de docência lhes parece no mínimo incoerente.
A política industrial, tecnológica e de comércio exterior (PITCE), formulada em 2004 pelo Governo Lula com o objetivo de tornar as empresas brasileiras mais inovadoras e, consequentemente, mais competitivas no mercado mundial, também será afetada. De acordo com Chaves e Raupp, o corte de verbas aumentará a deficiência brasileira de profissionais capazes de realizar pesquisa e desenvolvimento (P&D), intimamente relacionada com o pequeno envolvimento de nosso setor empresarial em pesquisa e inovação.
C&T: instrumento poderoso para vencer a crise e promover o bem estar social
O Acadêmico Wanderley de Souza, ex-secretário executivo do MCT e de Estado de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e atual diretor de Programas do Inmetro, lamentou em artigo publicado no JC e-mailem 13/1 que o Congresso Nacional ainda não priorize a Ciência. Circulando no ambiente empresarial, Wanderley percebe grande diferença nos últimos oito anos, resultante de uma política de apoio crescente à inovação tecnológica. “Em momentos de crise econômica internacional, como a que vivemos nesta mudança de ano, é fundamental pisar no acelerador e ampliar os investimentos. Afinal, todos reconhecem que não há desenvolvimento sustentável sem fortes investimentos no setor.”
No blog de Genética da Acadêmica e colunista da Veja.com, Mayana Zatz, foi publicada em 29/1 uma carta para protestar contra os cortes feitos pelo Congresso no orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A mensagem, apoiada pelo presidente da ABC Jacob Palis, afirma que só com investimentos em ciência e tecnologia sairemos fortalecidos dessa crise. A carta está circulando na internet e recolhendo a cada dia mais signatários no endereço http://www.edm.org.br/edm/manifesto.aspx.
Mayana reforça em seu texto que o caminho mais consistente para a riqueza e a soberania das nações é, nos dias de hoje, um sólido desenvolvimento científico e tecnológico. “Os países que apresentaram maior desenvolvimento social e econômico no período que se seguiu à Segunda Grande Guerra foram aqueles que, independentemente do seu modelo político, implementaram uma política consistente e de longo prazo para o aprimoramento de suas pesquisas”, destaca a geneticista e diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP .
Outro forte argumento da pesquisadora é de que o atual governo dos Estados Unidos da América do Norte isentou de cortes a área de Ciência e Tecnologia, mesmo estando no centro da grave crise econômica. “Com isso, os EUA elegem o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia como um instrumento poderoso para vencer as vicissitudes da atual conjuntura e promover o bem estar social”, apontou Mayana.
A Acadêmica enfatiza que o aumento da qualificação do parque brasileiro de pesquisa e a inovação tecnológica dela decorrente vêm gerando riquezas ao país em temas estratégicos para o desenvolvimento nacional, tais como agricultura, petróleo e gás, energia, tecnologia aeronáutica, conservação ambiental, novos medicamentos etc. “O Brasil, nas últimas três décadas, vem exercendo uma política consistente na área de Ciência, cujo resultado é hoje medido pelos índices expressivos de sua produtividade científica. Um corte de recursos agora irá interromper o ciclo virtuoso deste progresso científico e provocará um retrocesso com graves conseqüências negativas em médio e longo prazo.”
Entre os signatários da carta estão os Acadêmicos Colombo Tassinari, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Técnicas Analíticas para Exploração de Petróleo e Gás; Glaucius Oliva, coordenador do INCT de Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Doenças Infecciosas; João Steiner, coordenador do INCT de Astrofísica; Jorge Elias Kalil Filho, coordenador do INCT de Investigação em Imunologia; José Roberto Postali Parra, coordenador do INCT em Semioquímicos na Agricultura; Mayana Zatz, coordenadora do INCT de Células-Tronco em Doenças Genéticas Humanas; Ohara Augusto, coordenadora do INCT de Processos Redox em Biomedicina-Redoxoma; Vanderlei Bagnato, coordenador do INCT em Óptica e Fotônica.
Em meio à crise, mais 22 INCTS aprovados
Mesmo em circunstâncias momentaneamente adversas, o ministro Sérgio Rezende anunciou em 4/2 a aprovação de mais 22 projetos do Programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), perfazendo um total de 123 institutos. Serão mais quatro no Rio de Janeiro, nove em São Paulo e um em cada um dos seguintes estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
As verbas adicionais vieram do BNDES, que contribuiu com R$ 24 milhões, da Petrobras, que investiu R$ 21 milhões no programa, além de recursos advindos das Fundações de Amparo à Pesquisa do Piauí e do Rio Grande do Norte, que passaram a apoiar o programa, e das FAPs que já participavam com recursos e que aumentaram sua contrapartida, como aa fundações do Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. O Ministério da Educação também entrou com aporte adicional para o Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, sediado na Universidade de Brasília (UnB).
Recomposição de parte de orçamento está praticamente acertada
De acordo com matéria publicada no jornal Valor Econômico, em 27/1, o Ministério do Planejamento negocia com alguns ministérios a recomposição de dotações orçamentárias reduzidas ou eliminadas pelo Congresso. Em comunicação do ministro Sérgio Rezende ao presidente da ABC, Jacob Palis, a mobilização da comunidade científica apoiou a posição do governo, pois o ministro Paulo Bernardo deixou claro que uma das áreas prioritárias para a recomposição orçamentária é a de ciência e tecnologia. O presidente do CNPq, o Acadêmico Marco Antônio Zago, e o presidente da Capes, o Acadêmico Jorge Guimarães, também comemoraram com Palis o resgate de parte das verbas. O MCT informou já ter acertado com a área econômica recomposição de pelo menos R$ 550 milhões.
Dependendo das novas projeções de arrecadação, previstas para março, o montante pode chegar a R$ 800 milhões ou R$ 900 milhões, o que é suficiente para garantir a manutenção de bolsas, mas não evitará provável atraso no lançamento de editais dos fundos setoriais e coloca em risco a amplitude do programa de subvenção econômica a empresas com projetos inovadores.
“Não há mais perigo de cortes de bolsas de pesquisa, mestrado e doutorado”, afirmou ao Valor o ministro Sergio Rezende, demonstrando alívio com a reprogramação financeira anunciada pelo Planejamento. O ministro se comprometeu a fazer uma ginástica orçamentária para preservar todos os recursos prometidos para os institutos nacionais de ciência e tecnologia, focados em pesquisa básica e aplicada, e dar impulso ao Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), que promove articulação entre universidades e empresas.
No entanto, ainda não há garantias de total recomposição das perdas no programa espacial, cujo orçamento caiu 35% em relação à proposta original, e na subvenção econômica às empresas que recebem recursos não-reembolsáveis, cujo programa foi cortado pelos parlamentares, de R$ 520 milhões para R$ 130 milhões.
No jornal Folha de S.Paulo de 30/1, foi publicada nota afirmando que por ordem direta do presidente Lula o orçamento dos Ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia serão recompostos em parte. Os demais ministérios vão aguardar a nova revisão do orçamento, em março.
Em declaração às Notícias da ABC, em 6/2, o subsecretário de Planejamento e Orçamento do MCT, Roberto Andrade, esclareceu que embora haja uma ansiedade compreensível da parte da comunidade científica quanto à urgência da recomposição orçamentária, esse é um processo que leva um tempo, em função da disponibilidade de recursos da União e dos trâmites legais para que seja viabilizada essa recomposição.
O secretário-executivo do MCT, Luis Antônio Elias, e o chefe de gabinete, Alexandre Navarro, garantiram ao presidente da ABC, na mesma data, que a determinação do presidente é de que a recomposição do orçamento do MCT seja bem ampla e realizada em duas etapas: uma imediata e outra através de Projeto de Lei. E que o ministro e sua equipe, sempre contando com o importante apoio da ABC e da SBPC, estão absolutamente confiantes de que a reconstrução orçamentária virá e forte.