No dia 4 de dezembro, foi realizado o terceiro simpósio da 4ª Conferência Regional de Jovens Cientistas da TWAS-ROLAC (TheAcademy of Sciences for the Developing World – Regional Office forLatin América and the Carribean), com enfoque nas Ciências Humanas. Oencontro fez parte do evento Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe,que foi promovido na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), durante a primeira semana do mês.

Na ocasião, apresentaram os seus trabalhos de pesquisa o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Arlei Damo; o educador do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), no Rio de Janeiro, Felix Lopez Junior; o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Antonio Costa; o docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Marcello Basile, e a professora da Universidade de Brasília (UNB), Patrice Schuch.

Antropologia e sociologia do esporte

O antropólogo Arlei Damo, que é formado em Educação Física pela UFRGS, desenvolveu o seu estudo sobre antropologia e sociologia do esporte durante o mestrado e doutorado, realizados na mesma universidade. “No início, eu foquei a relação dos torcedores com os clubes e, mais tarde, analisei a ligação entre os jogadores e o mercado profissional, que é fundamental no caso do futebol espetáculo”, explica.

O pesquisador, que recebeu o Prêmio Capes de Tese da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2006, afirma que a oferta de recursos na área foi ampliada durante o governo Lula. “Vários jovens pesquisadores têm conseguido incrementar os seus projetos. Obviamente, ainda não há dinheiro sobrando, mas o cenário é bastante diferente daquele que vivenciei quando comecei a graduação. No início dos anos 90 houve um corte radical de financiamento”, recorda.

Damo considera um desafio muito grande participar de conferências interdisciplinares. “Muitos cientistas acreditam pertencer a uma elite do saber, mas em eventos como esse nós nos defrontamos com muita coisa que desconhecemos”, confessa. De acordo com ele, o diálogo entre as diferentes ciências é enriquecedor, porque, embora os procedimentos adotados sejam distintos, os pesquisadores partilham o mesmo processo de pensar, criar e encontrar soluções. Para o antropólogo, a cooperação científica é fundamental e imprescindível para o avanço e a expansão do conhecimento. “A ciência é uma sabedoria universal.”

Atualmente, Damo tem como foco neste momento um projeto voltado para a antropologia da política com orçamento participativo. “Ao contrário das Ciências Exatas, que exige uma especialização continuada, no setor de Humanas valoriza-se muito a capacidade do pesquisador de entender de diferentes assuntos. Após dez anos de pesquisas em torno do futebol, achei que era interessante me reciclar um pouco e fazer um estudo diferente”, relatou.

Interação entre administradores de ONGs e políticos

Doutorado em Sociologia e Antropologia na área de Ciência Política pela UFRJ, Felix Lopez Junior pesquisa as formas de interação entre administradores de organizações não governamentais (ONGs) do Rio de Janeiro e atores da esfera política. “O meu objetivo é entender quais são os incentivos, as motivações, os valores e as representações dos administradores das ONGs no que se refere à interface política, seja para encaminhar os seus projetos, demandar leis ou pressionar as casas legislativas”, esclareceu.

Segundo o pesquisador, as Ciências Sociais são diferentes das ciências duras pelo fato de não gerarem um conhecimento progressivo. “O meu campo específico permite a realização de diversas abordagens teóricas que coexistem entre si”. De acordo com ele, o apoio governamental ao setor parece ter se expandido nos últimos anos. “É auspicioso ouvir o Ministro da Educação mencionar que as verbas destinadas às pesquisas, em todas as áreas, tendem a crescer ainda mais. As perspectivas de desenvolvimento são extremamente positivas se comparadas com o passado recente”, comemora.

Lopez, que recebeu a Bolsa Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) em 2000, avaliou a conferência como uma oportunidade para apresentar os resultados da sua pesquisa a um público diversificado de especialistas. “Esta é uma das nossas obrigações, porque o nosso estudo é, em grande medida, financiado pelo poder público”, justifica. Para o professor, interagir com outros pesquisadores e assistir as apresentações de outras áreas ampliam a percepção sobre as diferentes formas de realizar atividade científica. Na sua percepção, a cooperação é outra ferramenta para o avanço do conhecimento. “O empreendimento da ciência deriva da acumulação dos estudos que evoluem através da colaboração entre diversos cientistas. A cooperação entre países distintos potencializa e maximiza ainda mais o progresso científico”, afirmou.  

Etnologia indígena

O pesquisador Luiz Antonio Costa, que recebeu o Prêmio Meyerstein 1998 em Arqueologia e Antropologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde fez a graduação em Antropologia Social, trabalha na subárea da etnologia indígena. “Estudo a sociedade e a cultura dos povos da Amazônia brasileira. O meu tema específico é sobre o parentesco, a mitologia e a história dos índios Kanamari, do Vale do Javari, no oeste do estado do Amazonas”, explicou. O cientista assegura que o Brasil possui um nível elevado de produção intelectual no setor. “Escolhi fazer a pós-graduação aqui – mestrado, doutorado e pós-doutorado em Antropologia Social na UFRJ – para ter acesso aos melhores professores. Por parte do governo, eu sempre tive bolsa durante todo o meu curso e verba para realizar os trabalhos de campo. Nunca tive problemas com financiamento”, garante.   

Segundo Costa, a cooperação científica é essencial, principalmente para os pesquisadores que possuem as sociedades indígenas como objeto de estudo e trabalham em áreas de fronteira. “Para poder divulgar a minha pesquisa, participei de diversos congressos internacionais, assim como inúmeros cientistas estrangeiros participam de conferências no Brasil. É através deste intercâmbio que a ciência progride”, finalizou o cientista, que concluiu pós-doutorado no Còllege de France este ano.

Cidadania no Brasil do século XIX

O historiador Marcello Basile estuda o Brasil Império do século XIX, com enfoque nas questões relacionadas com cidadania, nação, pensamento político, imprensa e movimentos de protesto. Formado em História pela UFRJ, com mestrado e doutorado em História Social pela mesma universidade, Basile foi o autor da Melhor Tese de Doutorado, eleita pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, em 2005.

O pesquisador acredita que a reflexão sobre o passado é sempre pautada pelo o que o cientista vivencia no presente. “É claro que a minha experiência influencia a minha abordagem e o meu olhar sobre o passado. Mas o historiador tem que tomar cuidado para não cometer o anacronismo de deixar que o momento presente contamine o seu estudo sobre épocas antigas”, alertou.

Basile, que recebeu a Bolsa Nota 10 da Faperj em 2002, garante que há cada vez mais alunos de graduação interessados em realizar mestrado e doutorado para seguir a carreira acadêmica na área. “Como resultado, o setor obteve uma ampliação enorme, o que acentuou a produção de novas interpretações a partir de novos objetos de estudo”, avaliou.     

Para o historiador, comemorações amplamente divulgadas pela mídia – como os 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil – são benéficas porque estimulam a população a estudar. “Esses eventos provocam uma vulgarização positiva do conhecimento. As revistas de história que são vendidas em bancas de jornal alcançam um público muito maior do que as teses de especialistas”, argumenta.

Segundo o pesquisador, a conferência interdisciplinar se distingue das convencionais porque exige do palestrante a adaptação da linguagem e do conteúdo que serão transmitidos a um público heterogêneo. “As dúvidas que são levantadas nesses encontros também fogem do que seria previsível em um evento restrito à área”, acrescenta Basile.

Justiça restaurativa e adolescente infrator

Graduada em Ciências Sociais, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Antropologia Social, todos pela UFRGS, a antropóloga Patrice Schuch estuda a re-configuração de linguagens, práticas e procedimentos, jurídicos e não jurídicos no Brasil a partir da retórica dos direitos. “Os meus objetos de estudo, nos dois últimos anos, foram os projetos de concessão da justiça restaurativa e a reformação legal no campo da infância e da juventude, com enfoque na formação do adolescente infrator”, esclareceu.

De acordo com a pesquisadora, o seu interesse é investigar a relação entre novas práticas de justiça e novas tecnologias de gestão da vida. “A justiça restaurativa começou a ser implantada no país em 2005, através de três projetos pilotos da Secretaria de Reforma do Judiciário, em São Paulo, Porto Alegre e no Distrito Federal”, informou Patrice.

Segundo a cientista, no novo modelo de justiça que ela estuda os conflitos não são resolvidos por uma terceira parte neutra, representada pelo juiz. “Os problemas são solucionados através de um círculo restaurativo que coloca frente a frente o infrator, a vítima e a comunidade envolvida na disputa. Outro membro do sistema é um facilitador que tem como função guiar as pessoas. O ideal é que ele não dirija diretamente as relações”, explica.

Para Patrice, a justiça restaurativa é inovadora por dar ênfase ao discurso da harmonia social. “Este modelo ensina uma nova forma de gerenciamento emotivo que, neste ideário, proporciona uma cultura da paz, estimulada através da transformação dos indivíduos”, justifica.

A professora, que trabalhou como pesquisadora visitante na Universidade de Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, pretende analisar, no futuro, os projetos que lidam com a tecnologia da não-violência e as suas apropriações nas comunidades. “Esta é uma nova opção de pesquisa, que estudaria o funcionamento das implantações táticas e a reação dos indivíduos que participam do modelo. Através das aplicações práticas, as pessoas podem modificar o próprio ideário que funda este sistema”, esclareceu Patrice.

Ela conta que entre 2005 e 2006 a justiça restaurativa ficou restrita ao aparelho judiciário. “Os projetos contaram com a participação comunitária, mas foram promovidos através de agentes judiciais que representavam a população. Desde o ano de 2007, alguns centros foram instalados nas próprias comunidades, o que provocou um descolamento do judiciário. Agora é necessário analisar como esta mudança interfere no ideário do modelo”, completa Patrice, que recebeu duas vezes a Menção Honrosa no Prêmio ABA/Ford de Antropologia e Direitos Humanos, na categoria doutorado, oferecido pela Associação Brasileira de Antropologia e a Fundação Ford.