O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade e o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, foram os participantes convidados para uma mesa-redonda na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Ildeu Moreira, Luiz Davidovich, José Murilo de Carvalho e Nísia Trindade

Recebidos pelo duplamente Acadêmico José Murilo de Carvalho, que é membro tanto da ABL como da ABC, os três presidentes de entidades representativas da comunidade científica brasileira abordaram os desafios da ciência no Brasil.

Representando o presidente da ABC, Marco Lucchesi, Carvalho destacou que dentre os membros que pertenceram a ambas as Academias, além dele, estão Carlos Chagas Filho, Celso Furtado, Oswaldo Cruz e Roquete Pinto. Ele destacou a importância de que a comunidade científica e as instituições têm que cerrar fileiras neste momento “para preservar o que temos e para tentar sobreviver nesses tempos difíceis. Não se trata de posições partidárias, mas de defesa de interesses nacionais.”

Uma ciência jovem

Para introduzir o tema, Luiz Davidovich ressaltou que a universidade brasileira é muito jovem. A primeira a ser criada foi a Universidade Federal do Amazonas, fundada em 1909, seguida pela do Paraná (1912), do Rio de Janeiro (1920) e de São Paulo (1934). “A Universidade de Bolonha, na Itália, é de 1088; a de San Marcos, em Lima no Peru, é de 1551; a de Córdoba, na Argentina, é de 1613 e a de Harvard, nos EUA, é de 1636”, completou.

A criação da ABC, em 1916, também foi tardia, em relação a algumas de suas congêneres: a Academia de Ciências da França foi fundada em 1666 e a National Academy of Sciences dos EUA, em 1863.

Ainda assim, o desempenho e os avanços da ciência brasileira foram rápidos e impressionantes. O Almirante Álvaro Alberto era presidente da ABC quando fundou e tornou-se o primeiro presidente do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em 1951, mesmo ano de fundação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

As duas instituições, segundo o presidente da ABC, são complementares, mas muito distintas. “O CNPq mira o pesquisador, os jovens pesquisadores que entram na iniciação científica, tem os Comitês de Avaliação que avaliam o desempenho dos cientistas. Já a Capes olha para as instituições, avalia os cursos de pós-graduação, tem outra finalidade. E o primeiro está dentro do Ministério de Ciência, enquanto a outra está integrada ao Ministério de Educação”, explicou. O trabalho conjunto das duas instituições, alinhadas às universidades, resultou numa sólida formação de recursos humanos qualificados, que garantiram o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil e trouxe riqueza para o país.

Ciência gera desenvolvimento

A Embrapa existe hoje porque antes existiram o Instituto Agronômico de Campinas, fundado em 1887, e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, fundada em 1901, além da Escola Superior de Agricultura e Veterinária, fundada em 1922, que deu origem à Universidade de Viçosa. Em seu laboratório no Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola, em Seropédica, no Rio de Janeiro, que mais tarde foi transformado em um Centro de Agrobiologia da Embrapa, Johanna Döbereiner desenvolveu um método de fixação de nitrogênio no solo usando bactérias que aumentou entre 4 e 10 vezes a produtividade da soja no Brasil, dependendo da região, e economiza para o país 15 bilhões por ano em importação de adubo nitrogenado.

Há poucos anos, de acordo com Davidovich, o pré-sal era considerado uma aventura impossível, e hoje é responsável por 50 % da produção brasileira de petróleo, a partir de uma associação entre a Petrobras e diversos laboratórios de pesquisa de universidades, como a Coppe/UFRJ.

Entre inúmeros outros exemplos de sucesso da ciência brasileira, Davidovich ressaltou ainda o sucesso do combate ao vírus da zika, numa parceria da Fiocruz, UFRJ e USP, com relevante participação da Acadêmica Celina Turchi, incluída na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2017 pela Times Magazine.

Isto tudo foi possível por anos de sucessivas políticas de Estado de formação de recursos humanos competentes para ciência, tecnologia e inovação. “Foram décadas de investimentos para esse Brasil que deu certo. Muito foi feito em pouco tempo e agregar valor às exportações brasileiras é algo de grande interesse da sociedade. O investimento em pesquisa reverte para a economia do pais”, destacou o presidente da ABC.

Bioeconomia baseada na biodiversidade

Os desafios para o futuro, na visão de Davidovich, são muitos. A ABC disponibiliza em seu site, inclusive, diversas publicações com estudos de excelência sobre diversos temas de interesse socioeconômico para subsidiar políticas públicas.

A seu ver, o caminho é a bioeconomia baseada na biodiversidade. O Brasil tem 20% da biodiversidade do mundo e conhece apenas 5% dela. Este é o investimento a ser feito – conhecer e aproveitar, de forma sustentável, essa fonte fantástica de riqueza, existente não só em terra como no mar.

Prospectando o futuro

Ele aponta que as atuais fontes de receita do país estão com os dias contados. A soja, cujo maior importador é a China, está sendo plantada na África em terras compradas pelos chineses, que a obterão por menor valor, estando inclusive a menor distância. O etanol vai bem, mas o desenvolvimento dos carros elétricos também vai bem, e as empresas que estão aqui são as mesmas que investem neste novo produto.

Temos o gado, a pecuária. Sim, mas ele relata que a empresa Memphis Meat, no Vale do Silício, já produz carne em laboratório (bovina, de porco e de frango) a partir de células tronco, sem precisar abater animais. E Israel também está investindo nessa tecnologia.

Davidovich aponta que a China também está investindo em carne celular, porque quer reduzir a poluição causada pela pecuária extensiva, e quer aumentar sua independência em termos de carne e de soja, que é usada principalmente para alimentar os animais.

“Enfim, a balança comercial do Brasil mostra um forte declínio dos produtos industrializados, especialmente os de média e alta tecnologia, com a predominância cada vez maior de commodities. Um reflexo da desindustrialização sofrida desde a década de 90”, observou.

Ele afirmou que temos que fazer prospecção do que está acontecendo lá fora para ver para onde temos que caminhar “O mundo está se preparando para a economia 4.0. E nós?”

Pesquisa em saúde e fuga de cérebros

A presidente da Fiocruz, Nisia Trindade, apontou a necessidade de a comunidade científica ampliar sua rede de aliados em defesa da ciência. Afirmou a importância de comprometer os setores empresariais, as diferentes agências e estreitar as relações com a sociedade, não só num movimento junto ao Parlamento, através da divulgação cientifica, como também da aproximação com as representações sindicais. “A agenda tem que ir além dos cientistas.  O valor da ciência tem que ser abraçado pela sociedade.”

Ela destacou que é preciso fortalecer as instituições. “As universidades e as políticas públicas dão estabilidade e permanência no desenvolvimento do conhecimento e na formação de novos quadros. E o Instituto Oswaldo Cruz, que está indo para os 120 anos, tem uma importância muito grande nesse setor institucional”, reiterou.

Trindade ressaltou a I Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1994 e liderada pelo Acadêmico Carlos Morel, que segundo ela deu a base para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), outro patrimônio da população brasileira. “Infelizmente, a desigualdade ainda é nossa mais forte característica. Melhorou em termos de saúde e educação, mas não melhorou no sentido da concentração de renda.”

E ciência e tecnologia são fundamentais para a inovação do sistema de saúde. “É impossível pensar numa coisa sem a outra, principalmente na sociedade 4.0 onde tudo tem caráter sistêmico”, explicou. E tomou como exemplo a vacinação. Contou que o Instituto Butantã já está na fase 3 de testes clínicos da vacina de dengue, mas junto com a vacina tem que vir os programas de imunização, que envolvem políticas sociais. “É um fluxo que vai do campo cientifico a uma visão global e soberana do pais e do acesso a saúde geral e gratuita”, defendeu Trindade.

E para tudo isso, pessoas são necessárias. E pessoas qualificadas. No entanto, o que está se vendo no Brasil hoje é uma grave fuga de cérebros. As pessoas mais bem preparadas estão encontrando melhores oportunidades, com excelentes condições de trabalho, fora do país. E os bolsistas que estavam sendo preparados, tiveram as bolsas cortadas. “Há pesquisas que não podem ser interrompidas, com risco de se perder tudo que vem sendo desenvolvido há anos”, ressaltou a socióloga.

Nísia Trindade reafirmou que conhecimento sistematizado e transmitido é a base para formar recursos humanos de qualidade, alicerce para o pais conseguir superar as desigualdades regionais e resgatar o protagonismo internacional na ciência.

Desafios imediatos: sobreviver e pensar à frente

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, focou nos desafios mais imediatos. Afirmou que a sociedade civil brasileira tem que atuar em conjunto, por um projeto nacional. No momento, dvem ser conduzidas duas estratégias ao mesmo tempo – tentar sobreviver e pensar para frente. “É construir o futuro, porque ele não está dado.”

A ciência brasileira tem tido impacto econômico, tecnológico e social e, de acordo com Moreira, isso tem que ser mostrado para a sociedade. “É urgente uma política de Estado mais ampla. Precisamos de uma agenda nacional de desenvolvimento, em que ciência, tecnologia e inovação estejam no centro”, acentuou. Estas são as ferramentas que todos os países desenvolvidos utilizam para sair das crises. Ele deu como exemplo a China, que num momento de crise fez diversos cortes, mas investiu mais 26% em ciência básica. “O Brasil está simplesmente dando um tiro no pé. Os outros países estão se desenvolvendo e nós estamos andando para trás.”

Comprovando os fatos com dados numéricos de fontes do padrão do Banco Mundial, Moreira ressaltou que a falta de políticas públicas que estimulem a iniciativa privada, que ofereçam subvenção econômica para pequenas e médias empresas freia o desenvolvimento econômico. A desindustrialização afeta inclusive a absorção dos mestres e doutores que estão sendo formados. “Eles não encontram emprego aqui então vão para fora ou estão subutilizados. Isso é um enorme desperdício dos investimentos públicos.”

Ele diz que ele e os outros representantes das comunidades científica e acadêmica vem incansavelmente entregando documentos com análises e subsídios para ações que modifiquem este quadro a todos os deputados e senadores. “Se eles não tomam as decisões corretas, não é por falta de informação. E tudo isso está repercutindo intensa e negativamente na imprensa internacional”, alertou Moreira.

Moreira observa que a excessiva riqueza natural do Brasil fez com que os brasileiros se acomodassem com a exploração delas, sem preocupação em agregar valor. “É uma cultura que não aposta no risco. Faltam políticas para mudar esse quadro”. Mas somos insistentes e repetimos: ciência não é gasto, é investimento. E gera desenvolvimento.