Leia o artigo de opinião do Acadêmico Wanderley de Souza, publicado no Globo em 3/7:

Há hoje um consenso de que estamos atravessando uma séria fase de entressafra na Ciência brasileira. Constatam-se uma inatividade quase que total do financiamento pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e suas agências (CNPq e Finep), redução nas bolsas da Capes e falência da maioria das fundações estaduais de amparo à pesquisa. Felizmente, há as exceções, como o sistema estadual de São Paulo, Paraná e Paraíba, o avanço (ainda que com o esforço hercúleo dos colegas do CNPEM) do projeto Sirius, entre outros. As conversas nas salas e corredores das principais instituições científicas públicas apontam para um desânimo raramente visto. Os jovens se desmotivam com as notícias dos cortes de bolsas, suspensões de concursos etc. Muitos, ao não conseguirem renovar as bolsas de pós-doutoramento, optam pelo caminho do aeroporto e outros por serem motoristas de aplicativos, como o Uber.

Os pesquisadores mais experientes estão atônitos com a falta de liberação dos recursos aprovados em anos anteriores e a ausência de lançamento de novos editais para que possam assegurar a continuidade dos projetos em curto prazo. Estão fazendo cálculos para saber até quando manterão seus laboratórios ativos.

A que se deve tudo isto? Ausência de recursos? Posso afirmar que não. Na realidade, apenas o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem na Finep sua secretaria executiva, vem arrecadando do setor privado recursos crescentes para apoio à pesquisa científica e tecnológica. Acontece que, graças a um certo acordo entre o Poder Executivo federal (mais especificamente a área econômica) e o Congresso Nacional (cujas lideranças e relatores de orçamento aceitam as pressões do Executivo), a maior parte destes recursos adormece na excêntrica figura orçamentária conhecida como “Reserva de Contingência” do FNDCT, mantida sob a guarda do Tesouro Nacional, ajudando no superávit primário. Apenas no Orçamento de 2019 constam na reserva de contingência R$ 3,3 bilhões.

E assim, o FNDCT vai engordando enquanto a Ciência vai ficando no osso. Algumas autoridades financeiras chegam a afirmar que não se pode liberar recursos financeiros sem ter clareza do seu destino. Afinal, o que pode ser feito com os recursos do FNDCT? Ainda que o MCTIC esteja inerte após seis meses de governo, a comunidade científica brasileira sabe muito bem o que fazer com os recursos.

Em 2018, a Academia Brasileira de Ciências produziu um excelente documento intitulado “Projeto de Ciência para o Brasil” apontando as necessidades e prioridades da Ciência brasileira. Por outro lado, no final de 2018, a Diretoria de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep ouviu setores expressivos da comunidade científica e apontou um conjunto preliminar de programas importantes, indicando os valores mínimos necessários para sua execução. Teve o cuidado de ser realista, prevendo a utilização de apenas cerca de 25% dos recursos da Reserva de Contingência para o período 2019-2022. O investimento previsto é de R$ 3,1 bilhões no período 2019-2022. A implementação destas propostas permitirá um planejamento de curto e médio prazos com o objetivo de colocar a Ciência brasileira em sintonia com os avanços que ocorrem em todo o mundo. As seguintes áreas foram priorizadas:

1. Bioeconomia, procurando integrar os conhecimentos básicos do mundo biológico — animal, vegetal, microrganismos diversos, vírus — no sentido de aproveitar seu conteúdo básico bem como processos bioquímicos e moleculares que neles ocorrem para gerar novos produtos e processos;

2. Instrumentação científica, aproveitando a experiência adquirida na construção do Sirius e na indústria aeronáutica e espacial, visando à produção de equipamentos modernos em áreas estratégicas, tanto para permitir avanços na pesquisa experimental no país como para construção de alguns equipamentos de grande uso e que movimentam muitos milhões de dólares por ano nos setores médico e do agronegócio;

3. Pesquisa em doenças negligenciadas que constituem um número significativo de enfermidades causadas principalmente por agentes biológicos, incluindo vírus, bactérias, protozoários e helmintos, não esquecendo a importante participação de insetos transmissores de várias destas doenças, como é caso das arboviroses — zika, chicungunha, dengue e febre amarela — e protozooses — doença de Chagas, leishmanioses e malária;

4. Doenças crônicas não transmissíveis, com ênfase nas doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, doenças respiratórias, entre outras. No seu conjunto, estas doenças correspondem a mais de 70% dos óbitos registrados no país;

5. Programa de Apoio à Infraestrutura de Pesquisa dos Institutos do Ministério da Defesa, que vêm desenvolvendo importantes projetos estratégicos para o país atuando em pesquisa básica, pesquisa aplicada, bem como desenvolvimento e teste de protótipos;

6. Programa de Apoio à Infraestrutura Científica Nacional, procurando manter em boas condições o que temos, dar continuidade a iniciativas importantes como o projeto Sirius, e criar novas infraestruturas em áreas da fronteira da ciência necessárias ao desenvolvimento brasileiro, claramente apontadas no documento da ABC;

7. Expandir os parques tecnológicos e programas de apoio às empresas inovadoras do país;

8. Estimular a formação de recursos humanos e de infraestrutura científica na área das energias renováveis, à semelhança do que tem sido feito com sucesso no setor de petróleo e gás que, inclusive, levou à descoberta do pré-sal, hoje responsável pela maior parte do petróleo brasileiro; Programa de Recursos Hídricos visando estimular a pesquisa científica e tecnológica, bem como a inovação , em toda a cadeia da água: (a) preservando suas fontes, (b) estimulando seu uso racional, inclusive no setor agrícola, (c) desenvolvendo métodos que permitam sua reutilização e (d) desenvolvendo novas metodologias que permitam a obtenção de água doce a partir de água salobra ou salgada;

9. Ampliar o Programa de Subvenção Econômica (a) de modo descentralizado, como opera o Programa Tecnova, da Finep, (b) como elemento para a cooperação internacional entre micro e pequenas empresas atuando em áreas estratégicas de interesse mútuo e (c) de forma direta com empresas atuando em áreas estratégicas de forma associada a operações de crédito;

10. Recuperação das ações verticais dos fundos setoriais.

Finalmente, essas ações devem ser complementadas com outras, visando a reforçar as atividades de C&T nos estados, com a participação das FAPs, e intensificando a cooperação internacional. Esse conjunto de atividades, aliado à ampliação do número de bolsas e de seus valores, poderia reverter o quadro depressivo existente hoje na comunidade acadêmica brasileira.