Leia a seguir artigo escrito pela Acadêmica Mercedes Bustamante e pelos pesquisadores Ricardo Machado, Ludmilla Aguiar e Thomas Lewinsohn para o Jornal da Ciência, publicado em 25 de abril:

Mudanças recentemente implementadas no Ministério do Meio Ambiente e o esvaziamento de suas funções, transferindo para o Ministério da Agricultura parte importante de suas atribuições, como o Cadastro Ambiental Rural, dificultam o estabelecimento de uma relação equilibrada entre o meio ambiente e a agropecuária. O setor é fortemente dependente do meio ambiente. As melhores variedades de plantas hoje cultivadas foram obtidas a partir de formas selvagens que forneceram em seu DNA características desejadas, como defesas naturais contra pragas ou tolerância ao calor. Futuras variedades dependerão da diversidade genética de plantas nativas. A vegetação nativa também protege o solo contra erosão, abranda o clima da região e assegura o fornecimento de água em quantidade e qualidade para as culturas e a pecuária, além do bem-estar que proporcionam ao ser humano. Animais polinizadores, como as abelhas e os morcegos, aumentam substancialmente a produtividade em cafezais, feijoeiros, laranjais e muitos outros cultivos que tenham vegetação nativa em suas proximidades. Além disto, animais atuam como controladores naturais de pragas do milho, algodão, soja e de muitas outras culturas. Tudo isso já foi claramente demonstrado pela ciência.

Por sua vez, áreas naturais preservadas e que mantenham o fluxo das espécies  só existirão em meio às áreas produtivas se as formas de produção forem ambientalmente responsáveis. A ocupação desordenada e excessiva do solo reduz a cobertura vegetal que causa extensa erosão, como se vê em várias regiões do país. Graves casos de erosão com perda de solo agravam a poluição e o assoreamento de rios, escassez hídrica na seca, enchentes nas chuvas, além de ameaçarem a biodiversidade e a oferta de água e comprometerem a produtividade das áreas agrícolas. Os problemas da ocupação desordenada refletem-se na vida das pessoas, como demonstrado recentemente em estudos publicados sobre as mudanças do uso do solo na Amazônia, particularmente em Rondônia e sul do Pará, no chamado Arco do Desmatamento. É sabido que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) aumenta durante o processo de ocupação territorial. No entanto, esse ganho regride até os níveis anteriores à medida que os recursos naturais vão se esgotando, indicando que a exploração irracional do solo pela agricultura, além de causar grandes danos ambientais, não consolida o desenvolvimento regional nem a qualidade de vida da população local.

A primeira versão do Código Florestal, de 1934, já destacava a necessidade de manutenção de vegetação nativa em nascentes e locais vulneráveis e em uma parte das propriedades rurais, na forma de Reserva Legal. Apesar das mudanças recentes, a função dessas áreas está bem clara na lei: assegurar o uso sustentável dos recursos naturais, conservar os processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade. Legalmente, os proprietários rurais são responsáveis, juntamente com o Poder Público, pela conservação da natureza. Esse tem sido o maior ponto de enfrentamento entre ruralistas e ambientalistas. Os ruralistas desejam atenuar ou retardar a plena aplicação dessa exigência, ou até mesmo eliminá-la por completo, acreditando que essa seria uma imposição exclusiva do Brasil. Por seu lado, os ambientalistas entendem que a sustentabilidade ambiental deve ser assegurada em propriedades rurais, assim como a busca da elevada produtividade agropecuária, com responsabilidade ambiental.

A associação da conservação ambiental com a produção agropecuária tecnificada é também uma estratégia empresarial inteligente. Na verdade, ela é a extensão lógica de práticas já consagradas para aumentar a eficiência e produtividade e ainda reduzir impactos ambientais negativos, como a consorciação ou a rotação de diferentes culturas para evitar a exaustão do solo. Como boa parte da produção brasileira de grãos (a segunda maior do mundo) e carne bovina (a primeira do mundo) é voltada para a exportação, é necessário considerar as exigências sobre a qualidade dos produtos e também do processo produtivo. Pressionados por seus consumidores, os compradores internacionais demandam produtos de qualidade, livre de contaminantes, e que tenham sido produzidos com responsabilidade socioambiental. O Brasil já enfrentou embargos por problemas de origem sanitária e corre o crescente risco de ter mercados reduzidos por não demonstrar o cumprimento de requisitos ambientais e sociais.

Proprietários rurais alegam que a implantação e manutenção de áreas nativas em Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais é onerosa. Além disto, também na área ambiental, a legislação brasileira é por vezes contraditória. Essas dificuldades têm sido usadas como pretexto para propostas de reforma da legislação ambiental, reduzindo-a a uma condição simbólica e inoperante. Um dos exemplos da tentativa de reduzir essa responsabilidade é a recente proposta, via Projeto de Lei 1551 do Senador Márcio Bittar, de eliminação da figura da reserva legal. O que o país necessita, no entanto, é de um ajuste realista e praticável entre essas demandas e de capacitação dos técnicos, mostrando essa possibilidade de se produzir com responsabilidade ambiental.

O pagamento por serviços ambientais vem sendo implantado em muitos países, e no Brasil existem experiências piloto bem-sucedidas. Esse sistema pode ser implementado por meio de incentivos fiscais para compensar áreas nativas adicionais à Reserva Legal não exploradas, custeados com um fundo formado com o imposto rural majorado para propriedades que descumprirem as exigências mínimas da lei. O país merece uma visão moderna e bem-informada da relação entre o meio ambiente e a produção agropecuária, independentemente da orientação do governo. O arroz com feijão, mistura tão típica e apreciada no Brasil, é uma combinação perfeita, pois suas composições nutricionais são complementares. Nesse sentido, com a licença de Renato Russo na letra de “Eduardo e Mônica”, o meio ambiente e a agropecuária responsável em paisagens produtivas se completam, que nem feijão com arroz.

Sobre os autores:

Ricardo Bomfim Machado e Ludmilla Moura de Souza Aguiar são docentes do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília e bolsistas de produtividade do CNPq.

Mercedes Bustamante é docente titular do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, bolsista de produtividade do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Thomas Lewinsohn é docente titular do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas, bolsista de produtividade do CNPq e foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação.

O texto é subscrito também pela Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne cientistas de instituições de pesquisa de todas as regiões brasileiras.