Após anúncio de que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) corre o risco de, no próximo ano, suspender 200 mil bolsas por falta de dinheiro, entidades científicas de todo o país se manifestaram na sexta-feira (3/8) condenando o que classificam de ‘desmonte’ no desenvolvimento de pesquisas brasileiras e alertando para as consequências dessa política.
“Teremos uma pauta de exportação cada vez mais dominada por commodities“, disse Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Para o pesquisador, sem investimento em ciência, o país terá dificuldades para deixar de ser uma economia vendedora de matérias-primas – menos valorizadas no mercado internacional. “Não sou contra elas, tem ciência por trás delas também, mas a pauta de exportação tem que ser diversificada, ou o país fica fragilizado. O preço das commodities é muito sujeito à política internacional, enquanto o de produtos com maior valor agregado o país tem mais controle”, afirma.
A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ANPG (Associação Nacional de Pós-graduandos) também criticaram a perspectiva de diminuição de recursos e pediram que o governo reveja a proposta de redução de mais de R$ 500 milhões do orçamento da Capes. “Na China, quando o crescimento diminui, eles aumentam os recursos para pesquisa porque entendem que ela contribui para a economia”, disse Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC. “O caso da Capes é gravíssimo, atinge diretamente 200 mil pessoas, mas existem outros processos de desconstrução. Já participamos de três audiências no Congresso para falar da importância dos recursos, e isso pode perdurar por anos com a emenda 95 [que limita gastos públicos]”, afirma.
Saúde pública
Além dos impactos econômicos da diminuição dos investimentos em ciência, os pesquisadores alertam para consequências em áreas estratégicas para o país, como saúde pública e inclusive eficiência no campo. “Conseguimos prover respostas sobre o zika porque tínhamos laboratórios funcionando e pessoas trabalhando. Se desmontam isso, o impacto de novas doenças, de novas epidemias vai se acentuar”, diz Moreira.
“A ciência é um projeto de longo prazo, de formação. Esses projetos repercutiram na multiplicação da produtividade da soja pela Embrapa, por exemplo. Quando o pré-sal foi descoberto, questionaram se seria possível a exploração e hoje ele responde por metade do petróleo produzido no país. É milagre? Não, é pesquisa”, disse Davidovich, da ABC.
Para a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, um possível corte de bolsas da Capes trará um custo grande não apenas para as pesquisas, mas também para os pesquisadores. “A pesquisa é um trabalho e as bolsas são a remuneração por esse trabalho. Cortá-las significa a paralisia, o colapso da pesquisa no país”, disse Calé.
O presidente da SBPC também comentou sobre as perspectivas dos pesquisadores no país. “Os jovens já falam em ir para outra área, buscar outras alternativas de vida. Você gera um desestímulo enorme em um mundo que depende cada vez mais de ciência e tecnologia”, disse.
Mobilização
Em resposta, as entidades preparam cartas de apoio à Capes. A ANPG também está coordenando atos para pedir que os recursos para pesquisa sejam mantidos. Há manifestações marcadas para esta sexta-feira no vão do Masp, em São Paulo, e na Cinelândia, no Rio de Janeiro.
“Teremos outros atos no dia 10 nos Estados e no dia 14 em Brasília. Só com mobilização pode haver pressão para assegurar os recursos”, diz Calé. Um abaixo-assinado também começou a ser compartilhado entre grupos de estudantes.
“Parece até que é uma guerra, que um país nos invadiu e quer nos destruir, mas são setores da nossa sociedade, são brasileiros que estão fazendo isso”, disse Davidovich.
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