O Brasil segue na contramão do que se faz no mundo para promover a excelência no ensino superior. A afirmação é do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Abilio Baeta Neves, durante mesa-redonda na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu em julho, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro. Neves alertou que o ensino superior tem que se diferenciar, pois as instituições fariam melhor se atendessem vocacionalmente objetivos distintos.
Abilio Neves, Luiz Curi, Hernan Chaimovich e Luiz Davidovich
“É preciso entender que há uma necessidade de diferenciar instituições e suas vocações, gerando indicadores de qualidade que afiram a qualidade do ensino, mas também valorizem quem se preocupa de fato com essa qualidade”, afirmou Neves. Em relação à avaliação de excelência, ele defende que precisamos ter instrumentos adequados para avaliar objetivos distintos. “Quando falamos de universidades de pesquisa e de nível internacional, temos uma percepção clara do que significa. Nossa comunidade é móvel, circula internacionalmente e sabe o que está acontecendo no exterior, mas parece que quando volta para o Brasil, bloqueia a experiência internacional para construir um projeto nacional.”

O número de alunos estrangeiros nas instituições de ensino superior é muito baixo, e temos ainda menos disposição de abrir o corpo docente das universidades, agregando pesquisadores e professores de formação internacional. “Países escandinavos estão com quase 45% dos docentes de ensino superior estrangeiros. Aqui, parece que temos que funcionar com uma espécie de reserva nacional. Isso é interessante na perspectiva da abertura de emprego para os nacionais, mas não de internacionalização.”
Números do ensino superior

O Brasil foi marcado por um processo de expansão do ensino superior errático, de modo que o Sudeste concentra 46% dos estudantes, o Nordeste, 20% e o Sul, 17%. Um dos dados mais marcantes é que, por conta da falta de equilíbrio, 56% das vagas de ensino superior existentes no país não estão ocupadas, o que contrasta com a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de ampliar o número de matrículas. “O número de concluintes foi menor em 2014 do que em 2012”, informou Curi.
Essa concentração regional se manifesta mesmo na educação à distância, que também é mais incidente no Sudeste. Ou seja, vai contra o propósito da EaD, cuja política é de proporcionar a diversidade e levar o ensino a áreas com pouca oferta presencial. Uma informação preocupante é que 66% dos municípios não têm oferta alguma de educação superior. “Se tivesse acesso mesmo por meio de educação à distância, o quadro ia se alterar completamente.”
Sobre o aumento na ociosidade das vagas constatado recentemente, Luiz Curi explicou que está havendo uma queda na demanda por vagas públicas, uma vez que a uma maior oerta de matrículas por custo baixo nas instituições privadas. “Não é ruim, mas não favorece um equilíbrio maior. É mais difícil criar universidade na região Norte do que no Sudeste, pois não é fácil seguir os critérios da Capes sem oferta de mestres e doutores.”
Assim, há não apenas concentração de vagas em determinadas regiões do país, como também concentração das matriculas em quatro cursos: administração, direito, pedagogia e ciências contábeis, que correspondem a 36% das matrículas. Um fator considerável é que, pela primeira vez, o curso de direito passou a ter o maior número de matrículas no país, ultrapassando administração.
Temos uma taxa de 17% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, incluindo os que já concluíram. Na Bolívia, esse índice é de 21%, e na Venezuela, 26%. Já em relação aos jovens de 18 anos ou mais, a taxa brasileira passa a ser de 26%. A meta 12 do PNE é que suba para 33% a matrícula dos jovens de 18 a 24 anos e 50% para os de 18 ou mais. “Difícil, porque esse número só vai crescer se houver incentivos para tal.”
Luiz Curi também criticou a política de avaliação, afirmando que esta não pode se limitar a um diagnóstico básico de continuidade ou não. “A avaliação brasileira não estimula políticas institucionais, e aí não estimula governanças. A própria nota do Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes] não é capa de determinar a necessidade de política de melhoria dos cursos.”
Investimentos em CT&I estagnados

Nesse contexto, Chaimovich citou as características de uma universidade de pesquisa: excelência em pesquisa, liberdade acadêmica, entusiasmo intelectual, instalações adequadas para o trabalho acadêmico oferecendo suporte a pesquisa e ensino, consistentes e duradouras, governança, liderança acadêmica em todos os níveis. “Elas desenvolvem ciência e tecnologia, mas também cultura e educação. Têm que ter distribuição de autoridade e funções entre unidades de uma instituição; clareza dos modos de comunicação e controle entre as unidades; uma tradição estabelecida garantindo controle sobre a admissão de estudantes, currículo, critérios para a concessão de títulos, seleção de novos membros.”
O presidente do CNPq lembrou que, no Brasil, o número de trabalhos científicos aumenta, mas a relevância deles não cresce na mesma proporção. Há pouca correlação entre quanta p
esquisa se faz no país e o quanto elas contribuem para o Índice de Desenvolvimento Humano no pais. Além disso, nossa produção de patentes é muito baixa. “Em qualquer país desenvolvido, as patentes são produzidas por empresas, mas, no Brasil, são as universidades que fornecem a maior quantidade de inovação.” Ainda assim, a produção científica está concentrada em poucas universidades.
Chaimovich ressaltou que existem bons programas de estímulo à pesquisa, como os INCTs, citados previamente por Abilio Neves. “Não há um estado no Brasil que não tenha um grupo de pesquisa associado a um INCT.” O problema é que o dispêndio em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil está muito abaixo de países como a China, Estados Unidos, Japão e Alemanha. “Estamos estagnados há 15 anos. O Estado não considera que ciência, tecnologia e inovação (CT&I) merecem além da porcentagem de 1,2% do PIB que o país está recebendo há tanto tempo.”
Repensando o ensino superior

Além desse, um documento produzido pela ABC em 2008 versa sobre o ensino de ciências e a educação básica e um livro sobre a aprendizagem infantil foi publicado em 2011. A Academia produz, atualmente, mais uma publicação, com o título provisório “Repensar a educação superior no Brasil – análises, subsídios e propostas”. Davidovich também citou como referência o Livro Azul, com conclusões da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em 2010, que teve a participação de amplos setores da sociedade.
O presidente da ABC comentou que já começamos atrasados no ensino superior: nossa primeira universidade foi a federal do Amazonas, criada em 1909. A Universidade de Bologna foi fundada em 1088 e Harvard, em 1636. “Mesmo assim, tivemos sucessos – aviões da Embraer resultaram do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Coppe tem o maior tanque oceânico do mundo, de 23 milhões de litros, fruto da colaboração com a Petrobras”, lembrou Davidovich. Ele também citou a Embrapa, que com ciência e tecnologia contribuiu para o aumento da produtividade de alimentos de forma que, hoje, podemos produzir quatro vezes mais soja sem expandir o uso de terras.
Ainda assim, mais da metade da população no Brasil não concluiu o ensino médio e uma proporção pequena concluiu o superior. O país está em uma situação ruim comparado mesmo com países da América Latina. A proporção da população de 55 a 64 anos e de 25 a 34 anos com ensino superior aumentou, portanto a educação melhorou, mas os níveis são muito baixos se comparados aos da Coreia do Sul.
Os gastos em relação aos vários níveis de educação no Brasil giram em torno de 6% do PIB, não estando, portanto, muito diferentes do que é despendido em outros países. “O problema aparece quando se trata do gasto por estudante no Brasil comparado com outras nações: é muito pequeno.”, disse Davidovich. Na relação entre o gasto por aluno em educação superior e educação primária, o Brasil é campeão. “Ou seja, gasta-se por aluno no ensino superior muito mais do que no nível básico.”
Davidovich fez mais algumas comparações. Nos Estados Unidos, o número de matriculados em college é mais ou menos o número brasileiro de matriculados em cursos de quatro anos. Por lá, o número de instituições privadas com intenção de lucro é pequeno, diferentemente do Brasil. Aqui, os colégios universitários são realizados de instituições privadas que visam lucro e detêm 75% das matrículas. O Kroton-Anhanguera, que já era um grupo educacional enorme, está comprando a Estácio e, assim que finalizada a negociação, teremos uma instituição privada com o objetivo de lucro com mais de 1,6 milhão de estudantes. Será a maior do mundo.
O físico comentou que está acontecendo um movimento internacional pela renovação e reforma da educação superior. Em Harvard, estudantes têm que fazer pelo menos um curso em outra área que não a sua. Há áreas como compreensão estética e interpretativa, raciocínio empírico, raciocínio ético, cultura e crença, os estados e o mundo e ciência dos sistemas vivos. O objetivo é formar profissionais com uma visão do mundo mais universal. Já a China, em 1995, escolheu 100 universidades-chave para receber financiamento e monitoramento especiais e serem incentivadas a cooperar com instituições estrangeiras.
Uma mostra da necessidade de repensar o ensino superior no Brasil é a carga horária dos cursos de engenharia. O CNE estabelece o mínimo de 3.600 a 4.000 horas, mas as universidades públicas chegam a 4.500 horas. No Massachusetts Institute of Technology (MIT), a carga horária é de 2.800 horas, incluindo eletivas em humanidades. Assim, os alunos têm mais tempo para estudarem sozinhos, não sendo sobrecarregados com disciplinas obrigatórias ultraespecializadas.