0O Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês), iniciativa pioneira que reúne 240 cientistas do mundo inteiro, está presente na COP 27 em Sharm El-Sheik, no Egito. Na COP anterior, em 2021, o Painel lançou seu relatório de avaliação, o mais completo levantamento já feito sobre o bioma e considerado uma “enciclopédia da Amazônia”. Agora, o SPA está realizando discussões sobre seus recentes Policy Briefs, são eles:

Em sessão realizada no dia 15 de novembro no Hub Amazônia Legal da COP 27, o membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Carlos Nobre, co-presidente do SPA, esteve junto dos pesquisadores Jos Barlow, Ane Alencar e Belén Paez, que também integram o Painel. A moderação ficou por conta de Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú.

Nobre alertou que as consequências das mudanças climáticas já são sentidas na Amazônia, e que a floresta em pé é imprescindível para mitigá-las. Lar de 13% da biodiversidade do planeta, o bioma é o mais importante sumidouro de carbono do mundo e tem papel crucial no ciclo das águas. Mas todos esses serviços ambientais estão ameaçados na medida em que a floresta já está com 17% de sua área totalmente destruída e outros 17% onde a destruição é parcial.

“No sul da Amazônia a situação é particularmente grave, a temperatura já está 2°C mais quente e a estação seca já aumentou em cinco semanas”, avisou o Acadêmico, “se passarmos do ponto de não-retorno perderemos metade da Amazônia só neste século, e as metas do Acordo de Paris se tornarão impossíveis”.

Para conter os motores da destruição, o SPA propõe uma nova bioeconomia para a região, estabelecida ao redor de atividades sustentáveis que façam uso do potencial econômico da floresta conservada. Belén Paez trouxe exemplos de projetos na América Latina que visam incluir as populações tradicionais nessas cadeias de valor, criando alternativas para a exploração destrutiva do ambiente.

“O Equador já vem experimentando com agricultura florestal. Por exemplo, a produção de baunilha deu um salto na última década e já sustenta comunidades inteiras na Amazônia sem desmatamento”, explicou Paez, “a Colombia recentemente estabeleceu metas ousadas de, em 10 anos, gerar 2,5 milhões de novos empregos e fazer a bioeconomia responder por 10% do PIB nacional”.

Na bacia amazônica vivem mais de 2 milhões de indígenas, de 410 etnias e ocupando cerca de 6 mil territórios diferentes. Ane Alencar lembrou que garantir o direito desses povos à terra é uma das formas mais eficazes de prevenir o desmatamento. “Não basta demarcar, é preciso dar apoio técnico e financeiro, além de combater as invasões e as atividades ilegais. Desde 2010, a mineração em terras indígenas cresceu em 500%, isso não pode continuar”, afirmou.

Mas além de mitigar a destruição, é preciso recuperar as áreas já desmatadas. Jos Barlow apresentou alguns projetos locais de reflorestamento que vêm sendo empreendidos no estado do Pará. O cientista também abordou a iniciativa Arco da Restauração, que visa reverter a deterioração do sudeste amazônico a partir de um ousado plano de reflorestamento coordenado e com bases científicas sólidas.

“Restaurar não é só plantar árvores”, explicou, “é preciso levar em conta toda a biodiversidade e as peculiaridades de cada região, estabelecendo bases para que, a partir de um impulso inicial, a floresta consiga se recuperar sozinha no futuro”.

A coordenadora do Painel, Emma Torres, sinalizou que a iniciativa é um exemplo a ser seguido pelo mundo, e que painéis semelhantes já estão sendo organizados para a bacia do Congo e para as florestas tropicais do Sudeste Asiático.

Confira as recomendações-chave dos Policy Briefs:

  • Moratória imediata ao desmatamento, particularmente em áreas com maior vulnerabilidade (por exemplo, Sul-Sudeste da Amazônia), em Áreas Protegidas e em Territórios Indígenas. Zerar o desmatamento até 2030 utilizando mecanismos que ofereçam compensação financeira para cessar a degradação florestal e conservar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, criar oportunidades econômicas em larga escala.
  • As áreas públicas de floresta ainda não alocadas pelos governos nacionais ou estaduais devem ser classificadas urgentemente como áreas proibidas para o extrativismo, através de moratória, ou como áreas de manejo sustentável, a fim de coibir ilegalidades.
  • Restaurar florestas em terras não designadas. Mais de 2,8 milhões de hectares de floresta foram desmatados em terras públicas somente na Amazônia brasileira.
  • Restaurar florestas em Áreas Protegidas. O desmatamento em Áreas Protegidas e Territórios Indígenas aumentou acentuadamente nos últimos anos. Concentrar os esforços de restauração nas áreas que foram derrubadas desde 2015 geraria resultados em menor tempo, com florestas de alta diversidade e estoques de carbono renascendo sem precisar de altos investimentos.
  • Restauração sustentável em terras agrícolas. Práticas de restauração podem ser implementadas em cerca de 24 milhões de hectares de pastagens degradadas apenas na Amazônia brasileira. Pastagens degradadas geram pouca renda e podem ser significativamente melhoradas pela incorporação de medidas de conservação do solo e abordagens silvipastoris, sistemas florestais e agroflorestais.
  • A gestão e o engajamento das comunidades locais são fundamentais para a criação de cadeias de valor sustentáveis para produtos nativos da Amazônia. Essas atividades só podem atingir todo o seu potencial com investimentos em educação e ciência, combinando conhecimentos tradicionais e inovação tecnológica, e a criação de centro de excelência em bioeconomia.
  • Reconhecer o direito à terra dos povos indígenas através de títulos de terra ou outros processos legais de reconhecimento fundiário. Territórios Indígenas (TIs) na Amazônia protegem aproximadamente 24.5 gigatoneladas de carbono (GtC) acima do solo, atuam como barreiras significativas contra o desmatamento, e funcionam como importantes amortecedores contra as mudanças climáticas. Tis demarcadas apresentam desmatamento significativamente menor do que terras não reconhecidas oficialmente.
  • Fornecer apoio técnico e financeiro permanente para garantir as condições necessárias para a implementação autônoma de estratégias de manejo e proteção territorial por parte de povos indígenas e comunidades locais. Isto inclui o reconhecimento, proteção, e mecanismos financeiros que apoiem as línguas, tradições e culturas Indígenas.