Leia a matéria de Sofia Moutinho para a Revista Science. A jornalista ouviu os Acadêmicos Luiz Davidovich, Mercedes Bustamante e Paulo Artaxo.

A corrida presidencial brasileira está muito mais acirrada do que as pesquisas previam – e os cientistas estão preocupados. Muitos temem que outro mandato do presidente Jair Bolsonaro, o ex-capitão do Exército de direita que frequentemente atacou a ciência, traria danos irreversíveis à ciência, à educação, ao meio ambiente – e até à própria democracia brasileira. Bolsonaro lançou dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro e sinalizou que não reconhecerá os resultados se perder.

Seu rival, o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio “Lula” da Silva, vem com sua própria bagagem: ele foi condenado por corrupção em 2018 e passou 18 meses na prisão antes de sua sentença ser anulada. Mas ele prometeu investir mais em ciência e traçar um caminho mais verde do que durante sua primeira presidência, de 2003 a 2011.

Em setembro, pesquisas sugeriam que Lula tinha uma vantagem confortável e poderia até ganhar a maioria absoluta no primeiro turno, em 2 de outubro. Mas ele recebeu apenas 48% dos votos, enquanto Bolsonaro se saiu melhor do que o esperado com 43%, exigindo um segundo turno em 30 de outubro. “Estou preocupado”, diz Luiz Davidovich, físico e professor do campus principal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências. “O que está em jogo agora é a própria democracia, a liberdade de pensamento e a sobrevivência da ciência no Brasil.”

O governo de Bolsonaro fez cortes profundos nos orçamentos de ciência e educação. Ele também ridicularizou medidas contra a Covid-19 baseadas em evidências, como vacinação e distanciamento social, enquanto promovia tratamentos não comprovados, como a hidroxicloroquina. No ano passado, um inquérito parlamentar recomendou que Bolsonaro fosse acusado de crimes contra a humanidade pela resposta malfeita de seu governo à pandemia, que matou mais de 600.000 brasileiros.

O governo Bolsonaro promoveu o desenvolvimento na Amazônia e frequentemente fez vista grossa para o desmatamento ilegal, resultando na perda de 31.000 quilômetros quadrados de vegetação, uma área do tamanho da Bélgica, durante seus 4 anos no poder. (De acordo com o grupo de pesquisa independente MapBiomas, apenas 2,4% dos alertas de desmatamento por satélite emitidos por órgãos ambientais federais entre 2019 e 2021 resultaram em inspeções de acompanhamento ou fiscalização.) O governo criou novas regras que enfraqueceram as inspeções ambientais e, em março, Bolsonaro propôs uma nova lei permitindo concessões de mineração dentro de reservas indígenas. O projeto de lei, que os críticos dizem violar os direitos de soberania indígena garantidos pela Constituição do Brasil, foi acelerado e agora está sob consideração no Congresso.

O governo também enfraqueceu órgãos e instituições federais encarregados de monitorar e atuar sobre o desmatamento, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​e a Agência Espacial Nacional. Mesmo um novo governo “teria dificuldade em parar a destruição e reconstruir as instituições”, diz Mercedes Bustamante, ecologista da Universidade Federal de Brasília e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

Durante a presidência de Lula, há uma década, o financiamento da ciência cresceu, especialmente durante seu primeiro mandato. Lula também presidiu uma economia em expansão que tirou milhões da pobreza, mas seu governo foi manchado por acusações de corrupção, culminando no impeachment de sua sucessora Dilma Rousseff em 2016 e na prisão e condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro em 2018. A sentença de um ano foi anulada em 2020 porque o juiz que o condenou foi considerado parcial, mas Lula nunca foi absolvido oficialmente. Ele proclama sua inocência e argumenta que sua acusação foi politicamente motivada.

Independentemente de seu passado, muitos cientistas e defensores do meio ambiente acreditam que ele é a melhor alternativa. Enquanto a plataforma eleitoral de Bolsonaro é vaga em ciência, pedindo mais financiamento privado para inovação tecnológica nas empresas, a plataforma de Lula descreve a ciência como “estratégica e central para transformar o Brasil em um país verdadeiramente soberano e desenvolvido”. O ex-líder sindical costuma se gabar de abrir mais universidades públicas do que qualquer outro presidente e promete novos investimentos para fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico. Sua campanha prometeu seguir uma política de “desmatamento zero”, combater o uso ilegal da terra e restaurar áreas degradadas. Sua plataforma diz que o Brasil honrará seu compromisso de reduzir as emissões de carbono sob o acordo de Paris de 2015. (O governo de Bolsonaro tem sido criticado por sua abordagem permissiva para calcular essas emissões de carbono.)

Lula nem sempre priorizou o meio ambiente. Marina da Silva, sua ex-ministra do Meio Ambiente, deixou seu governo em 2008 porque se opôs aos planos de desenvolvimento de Lula, incluindo a construção da hidrelétrica de Belo Monte, um grande projeto no estado do Pará. Mas Lula recentemente recuperou seu apoio ao adotar vários pontos da agenda ambiental de Lula, incluindo a promessa de tornar o Brasil um líder na luta contra as mudanças climáticas.

Davidovich tem alguma fé de que Lula honrará suas promessas. Em junho, ele e colegas da Academia Brasileira de Ciências prepararam um relatório contendo conselhos sobre ciência, educação e política ambiental para o próximo governo. Lula enviou um representante para discutir seus planos com o grupo – o único candidato a fazê-lo. “Este é um sinal muito positivo”, diz Davidovich. “Isso mostra que eles estão abertos ao diálogo e interessados ​​em ciência e inovação.”

Reparar a imagem do Brasil no exterior seria um dos desafios mais importantes de Lula, diz o físico e ecologista Paulo Artaxo, do campus principal da Universidade de São Paulo. “O Brasil terá que voltar a ser um player importante no cenário internacional, não só nas questões climáticas e ambientais, mas como líder na América Latina”, diz.

Mas um governo Lula seria severamente restringido. O Congresso brasileiro já aprovou o orçamento para 2023, que contém grandes cortes para ciência e educação que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em carta aberta no mês passado, chamou de “estratégia suicida” para a ciência. Como ato de última hora, Bolsonaro também aprovou por decreto um corte de R$ 1,2 bilhão para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O corte pode dificultar as operações do Sirius, um acelerador recém-concluído que vai gerar intensa radiação para estudos de biologia e materiais.

A composição do novo Congresso eleito em 2 de outubro também prejudicaria um governo Lula. Nenhum partido conquistou a maioria absoluta, mas o Partido Liberal de Bolsonaro tem o maior número de cadeiras nas duas casas do parlamento, inclinando o Congresso ainda mais para a direita. Se Lula se tornar presidente, seu Partido dos Trabalhadores teria que formar difíceis alianças com partidos de centro-direita para governar.

Isso ainda é muito melhor do que outro mandato para o presidente em exercício, diz Bustamante. “Esta eleição não é sobre o que um novo governo pode construir; é sobre o que nos resta proteger”, diz ela. “Mais quatro anos de Bolsonaro seriam colocar um último prego no caixão para a ciência e o meio ambiente no Brasil.”

Leia a matéria original em inglês.