Como parte das atividades da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês) organizou dois debates em Nova York, nos dias 15 e 16 de setembro, para discutir a situação atual da floresta. Em 2021, o grupo lançou seu primeiro relatório de avaliação, o mais abrangente estudo científico sobre a região e considerado uma “enciclopédia da Amazônia”. O vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, e o membro titular Carlos Nobre integram o painel, e estiveram presentes nos dois dias.

Cenário atual de destruição

O economista Jeffrey Sachs, co-presidente do SPA ao lado de Nobre e da cientista Andrea Encalada, abriu as discussões lembrando que o Brasil vem batendo recorde atrás de recorde em queimadas criminosas. Ele classificou a decisão do governo brasileiro de demitir o então presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, como uma “estupidez”. “O atual governo brasileiro deixa claro que não entende nada sobre a Amazônia, e acredita que combater o mensageiro fará a informação deixar de correr”, criticou.

O estado atual do bioma é preocupante, e se aproxima de um ponto de não-retorno. Lar de 13% de toda a biodiversidade do planeta e responsável por 15% de toda a água doce despejada nos oceanos, a bacia amazônica já está com 18% de seu território totalmente desmatado e outros 17% degradado, ou seja, com menor cobertura vegetal e, consequentemente, menor capacidade de absorver e armazenar carbono.

Esse é um dos fatores de maior risco para o combate às mudanças climáticas em todo o planeta. Estima-se que a floresta em pé armazene de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa, e retire da atmosfera cerca de 1 bilhão de toneladas todos os anos. “Sem a Amazônia, mesmo as metas de contenção do aquecimento em 2°C se tornam completamente inalcançáveis”, alertou Nobre.

Além do estoque de carbono, a floresta tem papel crucial no ciclo hidrológico de todo o cone sul. Cerca de 70% da pluviosidade na bacia do Prata é resultado direto da evaporação amazônica. As estações secas no centro-sul estão ficando cada vez mais longas e mais intensas, o que os especialistas garantem ser diretamente relacionado à destruição da floresta. “Nós já estamos vendo as mudanças acontecendo, não são mais projeções. O sul da Amazônia brasileira corre sério risco de savanização”, alertou Marina Hirota, cientista do painel.

Cerca de dois terços da floresta está em território brasileiro, então é natural que o país seja o maior responsável pelos seus rumos. No entanto, o Brasil atualmente permite que uma série de ilegalidades proliferem na região, cujos custos serão sentidos por muitos anos. Uma vez degradado, são necessários trinta anos para que o bioma recupere sua condição inicial. “Atualmente o Brasil desmata quinze vezes mais que os demais países amazônicos. É muito grave”, destacou a pesquisadora colombiana Dolores Armenteras.

Uma nova economia amazônica

Para reverter esse cenário é preciso repensar toda a economia da região, garantindo que o desenvolvimento ande lado a lado com a preservação. “Uma nova bioeconomia com a floresta em pé e os rios fluindo”, salientou Adalberto Luis Val. Atualmente, uma visão ultrapassada de progresso defende a derrubada das matas para dar lugar à agropecuária e ao extrativismo mineral, que oferecem baixos retornos comparados ao que a Amazônia tem para oferecer, além de serem insustentáveis no longo prazo.

Exemplos não faltam de espécies nativas que podem ser cultivadas sem agredir o ambiente e com retornos robustos. O açaí no Brasil e a baunilha no Equador são casos de sucesso que vêm se tornando alternativas viáveis para populações locais. São inúmeras as espécies com potencial alimentício, farmacêutico, cosmético, entre outras aplicações. Nas águas não é diferente. Tambaquis e pirarucus são alguns dos peixes muito consumidos na região e cuja criação é mais rentável que a pecuária de desmatamento.

Além desses produtos, outro ativo pode ser o ecoturismo. A palestrante Belén Paez trouxe alguns exemplos de povoados no Equador que geram uma receita adicional considerável com a atividade. Ela salienta que, com a anuência dos povos tradicionais, a capacitação necessária e o respeito às boas práticas ambientais e às culturas indígenas, o turismo pode ser um importante pilar do desenvolvimento regional.

Mas para essas transformações acontecerem, é necessário investimento robusto em capacitação. Carlos Nobre defendeu a criação de um instituto tecnológico da Amazônia, como forma de mitigar a desigualdade orçamentária que o norte do Brasil sofre em relação ao sudeste e sul. “Dos parcos investimentos em ciência brasileiros, menos de 5% é direcionado à Amazônia”, afirmou, “precisamos aliar o conhecimento tradicional ao científico”.

O Acadêmico defendeu também que o potencial de transporte hidroviário da bacia amazônica ainda é subutilizado. “Nos anos 70 o Brasil estimulou uma ideia de que o progresso chegaria ao norte pela abertura de estradas, mas isso é um contrassenso, temos que usar as rotas hidrográficas que são abundantes”, defendeu. Por último, Nobre lembrou do projeto Arco de Reflorestamento, um megaprojeto de restauração ambiental que pode ser a chave para recuperar a resiliência do bioma.

Arco do Reflorestamento. Em roxo estão as áreas já desmatadas. Os contornos vermelhos representam os arcos para restauração

Mensagens principais do painel

O Painel Científico para a Amazônia traz algumas mensagens principais para aplacar as questões mais urgentes da bacia amazônica:

Primeiro, defende uma moratória urgente no desmatamento, que permita aos países, sobretudo ao Brasil, realizar o objetivo desenhado na COP-26 de zerar a derrubada até 2030. Uma vez estancada a destruição, é preciso focar em restauração, e o Arco do Reflorestamento pode servir de norte para esses esforços. Mas para que tudo isso se sustente com o passar dos anos, urge repensar o desenvolvimento econômico da região, que deve ser feito de forma a manter o bioma saudável, utilizando de forma consciente seus recursos e promovendo o bem-estar das populações locais sem agredir a floresta.

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2022 como o Ano Internacional da Ciência Básica pelo Desenvolvimento Sustentável. O SPA reflete esses dois pilares do futuro do planeta, trazendo o estado da arte do conhecimento científico sobre a bacia amazônica para promover transformações urgentes, cuja influência vai muito além de seus limites territoriais.

Assista aos dois dias de debate:

15/09 – Caminhos Baseados em Ciência para uma Amazônia Sustentável, Inclusiva e Resiliente

16/09 – A Amazônia como uma Potência Bioeconômica: Investindo em Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável