No dia 12 de setembro, segunda-feira, a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, ministrou a conferência “Educação e Ciência: pilares para soberania e independência de uma nação”, na Universidade Federal do Ceará (UFC). A palestra foi realizada no Campus do Pici, no auditório do Centro de Ciências da UFC, e foi promovida pelo Grupo de Trabalho (GT) Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Sindicato dos Docentes das Universidade Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato).

Histórico da Ciência no Brasil

O Brasil é um país muito jovem, e a ciência brasileira é ainda mais recente. Enquanto na América espanhola as primeiras instituições de ensino superior datam do século XVI, no Brasil estas só foram criadas após a vinda da Coroa Portuguesa em 1808. “Deveríamos agradecer a Napoleão”, brincou Nader, “os primórdios da ciência brasileira começaram ali, mas não como uma forma de benefício social, foi simplesmente para manter a Corte”.

Esse histórico tardio se reflete até hoje na sociedade brasileira. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019 o Brasil tinha pouco mais de 20% de sua população entre 25 e 34 anos com ensino superior, quase metade dos 40% da Argentina. Na mesma faixa etária, aproximadamente 32% dos brasileiros não haviam concluído o ensino médio, estando pior do que Argentina e Colômbia (aprox. 28%), e muito pior do que o Chile (aprox. 15%). “Estamos perdendo uma janela demográfica na qual a maior parte da população está em idade economicamente ativa, mas ainda é pouco especializada”, lamentou Nader.

Mas se o cenário não é dos melhores, o Brasil tem bons exemplos a tirar de seu passado recente. Dos anos 80 para cá, o país saltou de apenas 0,5% da produção científica mundial para aproximadamente 3%, graças à expansão do sistema de ensino superior e das instituições de pesquisa. Mais recentemente, o país viu dobrar o número de alunos na graduação e a interiorização dos programas de pós-graduação, sobretudo no Norte e Nordeste. “A história da ciência brasileira está intimamente relacionada com o sucesso de várias áreas da economia”, lembrou Nader, “precisamos valorizar nossos acertos”.

Esses avanços ocorreram em um cenário de investimentos ainda aquém do necessário para a soberania científica nacional. A porcentagem do PIB brasileiro investido em CTI se estabilizou na casa dos 1%, menor que a média global e menos do que a metade do observado para países desenvolvidos. O país também não atinge os mil pesquisadores por milhão de habitantes, de novo abaixo da média para a América Latina. Em documento com diretrizes para os presidenciáveis, a ABC defende que, em 10 anos, o país invista pelo menos 2% do PIB na área e chegue à casa dos dois mil pesquisadores por milhão de habitantes.

Comparação entre o percentual do PIB investido em CTI pelo Brasil e por países desenvolvidos. Salto dado por países do sudeste asiático está diretamente relacionado ao ganho de protagonismo econômico

Medida Provisória 1.136/2022: Novo avanço sobre o FNDCT

O estrangulamento orçamentário da ciência brasileira se intensificou nos últimos 4 anos, e seus contornos são resumidos pelos embates quanto à liberação do FNDCT. O Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico é um fundo setorial que se tornou a maior fonte de financiamento para a ciência brasileira, em virtude dos amplos cortes nas verbas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Nos últimos anos, o uso de recursos do fundo vem sendo alvo de manobras orçamentárias, obstruções e contingenciamentos que vão contra ao estipulado pela Lei Complementar 177/21, que proíbe o bloqueio das verbas.

O último desses ataques se deu por meio da Medida Provisória 1.136/22, que suspendeu o uso integral dos recursos do FNDCT até 2027. A presidente da ABC classificou a MP como um “golpe no Congresso Nacional”, que já havia obrigado por lei a integralização das verbas e derrubado vetos presidenciais que enveredavam pelo caminho do contingenciamento. A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), da qual a ABC faz parte, já se posicionou contrária à MP e enviou ofício ao presidente do Senado advogando por sua imediata revogação.

Durante a palestra, Helena Nader defendeu a Constituição Brasileira e o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, que instituem o dever do Estado na promoção do desenvolvimento científico. “Se fossem cumpridos seria perfeito”, salientou, “mas, infelizmente, nós votamos para fazer a Constituição, mas não para emendá-la, esse é um caminho que não nos levará a lugar nenhum”, finalizou.

Linha do tempo com os embates em torno do FNDCT

Desigualdades de gênero e de raça

A presidente da ABC também abordou o tema das desigualdades, ainda muito presente na ciência e na sociedade brasileira. A participação feminina ainda é desbalanceada dentre as grandes áreas da ciência, e diminui à medida que se avança para as posições de liderança. Na representatividade política a situação é ainda pior. Nenhuma das casas parlamentares chega a 20% de participação feminina, e a maior porcentagem de mulheres no comando de Ministérios já registrada foi de 16%.

A desigualdade racial é outra marca do Brasil. Nas últimas décadas, a política de cotas raciais revolucionou as universidades brasileiras, trazendo um número inédito de alunos pretos e pardos para o ensino superior. Nader fez uma defesa enfática dessa política. “Não deveriam se chamar cotas, que pressupõe reserva de mercado, são ações afirmativas, uma reparação histórica e um pedido de desculpas”, avaliou.

Mas apenas permitir o ingresso não adianta, é preciso garantir a permanência. Os valores das bolsas de pós-graduação não são reajustados a 10 anos, e já perderam 70% do valor com a inflação acumulada. As bolsas de permanência para alunos mais pobres também estão sendo descontinuadas. “A fuga de cérebros do ensino superior e da pós-graduação se acentuou, e é ainda mais grave que a perda para o exterior, pois relega as pessoas a ocupações de menor qualificação”, disse Nader.