São Paulo, 1o de agosto de 2022
Excelentíssimo Senhor JOSÉ ARTHUR FILHO
Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Belo Horizonte, MG.

Senhor Desembargador Presidente,

Minas Gerais é historicamente um estado importante na formação cultural da nação brasileira, pelos vários Brasis que nele estão presentes. É um estado conhecido pelas belas montanhas que caracterizam boa parte de suas regiões, pelo caráter introspectivo de sua gente, pelo cantar de seus diferentes modos de falar, pela religiosidade, por abrigar três dos principais biomas brasileiros, pela formação de dois dos principais rios que promovem a integração nacional e também as mazelas e esperanças do país urbano em que nos transformamos. De fato, a ciência, a educação e as artes gestadas em Minas formam um futuro diverso para seu povo e para as perspectivas de um país moderno, sustentável e com uma economia de valor agregado em todos os campos.

Minas Gerais tem, entretanto, sofrido a irresponsabilidade de um processo de desenvolvimento, que remete sobremaneira ao uso territorial para a produção de bens primários que são transformados em outros estados brasileiros e países. Essa condição tem se dado com o uso da violência institucional, com abusos em torno dos processos participativos – empreendidos sem o menor equilíbrio na composição das arenas e colegiados onde decisões são tomadas, a exemplo do que diferentes grupos de pesquisa têm relatado e registrado a propósito dos conselhos de Meio Ambiente do Estado.

Ao tomarmos conhecimento de uma reunião de conciliação de interesses sobre a questão do tombamento da Serra do Curral a acontecer no próximo dia 5, com a condução e convocação por parte do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), vimos, de vários de nossos pares, emergir a pergunta se no presente caso é possível uma conciliação entre interesses ou posições tão díspares, ou se a forma de eventual decisão se daria nos mesmos moldes de composição da câmara técnica que delibera sobre projetos de mineração no âmbito do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais, conforme bem documentado em relatório da Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais, de 2019.

Sabemos que a Serra do Curral cumpre o desígnio dos artigos 215 e 216 de nossa Carta Magna. Constitui um espaço territorial a ser especialmente protegido com a integridade dos atributos que justifiquem essa proteção, revestindo-se também como indispensável à sadia qualidade de vida do povo de Belo Horizonte e municípios vizinhos. É um sítio ou monumento natural que reúne valores históricos, paisagísticos, arqueológicos, ecológicos, artísticos e científicos – objeto que também é de inúmeros registros de escritores, artistas e cientistas, de celebrações e manifestações populares em sua homenagem, e na constituição territorial da capital do estado, desde sua concepção. Ou seja, a Serra do Curral é portadora de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formaram a Minas do Ciclo do Ouro e a contemporaneidade do povo em geral e das vanguardas de Minas Gerais, reunidas em seu núcleo político-administrativo e cultural.

A ora pretendida conciliação da mineração com a preservação nesse território nos parece, assim, impossível de ser realizada, a menos que um dos interesses ceda ao outro. E essa disposição não parece preestabelecida em quem advoga por uma “segurança jurídica” a favor de uma das partes (a mineradora e seus próceres), contrariando princípios norteadores da República e da vontade amplamente expressa da população mineira.

Contamos, pois, com o Poder Judiciário de Minas Gerais para garantir a livre atuação do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural, órgão que tem a missão de proteger os bens culturais do estado e que sequer teve a condição de se reunir para delegar a seu presidente uma posição efetiva quanto à escolha a defender em relação ao processo de tombamento da Serra do Curral, na pretendida reunião de conciliação.

Também nos somamos aos que solicitaram audiência com o Senhor Presidente do TJMG advogando o equilíbrio das oitivas, mas garantindo o curso administrativo do Tombamento Estadual da Serra do Curral conforme o diagnóstico e relatório técnico da consultoria Praxis, contratada pelo Iepha.
Manifestamos nosso desejo de nos fazermos representar nessa reunião, e que nenhuma decisão diversa da proteção integral seja subsumida pelo TJMG, independentemente dos encontros que a seu juízo venham a ser agendados com representantes da sociedade civil em defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural.

Respeitosamente,

HELENA BONCIANI NADER
Presidente da ABC

RENATO JANINE RIBEIRO
Presidente da SBPC


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