No dia 21 de junho, terça-feira, aconteceu a quarta e última edição da série de webinários “A Contribuição dos INCTs para a Sociedade”, organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A segunda mesa desta edição abordou os INCTs que realizam pesquisa de fronteira, ou seja, aquela focada em tecnologias inovadoras de última geração, com potencial de revolucionar setores inteiros da economia e da sociedade.

Participaram os Acadêmicos Virgílio Almeida, ex-coordenador do INCT de Pesquisa na Web; Mayana Zatz, coordenadora do INCT Envelhecimento e Doenças Genéticas: Genômica e Metagenômica; e Marcos Pimenta, coordenador do INCT de Nanomateriais de Carbono. Também participou o geneticista Gonçalo Pereira, ex-diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). As apresentações foram mediadas pelo vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade.

Virgílio Almeida.

INCTs e o Futuro Digital

“A segunda revolução industrial vai desvalorizar o cérebro humano como a primeira desvalorizou o braço”, afirmou o fundador da cibernética, Norbert Wiener, na década de 50. Naquela época, o mais potente computador pesava dez toneladas e tinha memória de 4 mil palavras. Desde então, o investimento contínuo em computação, robótica, softwares e neurociência trouxe inovações que revolucionaram o presente e nos permitiram vislumbrar futuros antes inimagináveis.

Mas para ter voz ativa nesse futuro é preciso investir na pesquisa nacional. Atualmente, o Brasil adota uma filosofia de importação de tecnologia que o relega a uma posição de dependência externa. Comprar os frutos da pesquisa de ponta do exterior significa pagar mais caro para ter apenas o resultado final, sem obter o conhecimento associado que é desenvolvido no processo. “Essa é a importância dos INCTs, não só na geração de inovação, mas de pessoal qualificado”, enfatizou.

Como exemplo, Virgílio Almeida trouxe o exemplo do INCT de Pesquisa na Web, que coordenou em 2009. Esse instituto foi responsável pela formação de 58 doutores, 311 mestres, além da criação de 3 start-ups nas áreas de inteligência artificial, big data e redes sociais. Outro destaque foi o Centro de Inovação em Inteligência Artificial e Saúde, que se utiliza de tecnologias de última geração para atuar em diagnóstico, prevenção, gestão de sistemas de saúde, medicina personalizada e modelagem de crises sanitárias.

“Grandes projetos geram conhecimento, resultados e retorno para a sociedade”, sumarizou o palestrante, que enfatizou a vantagem da criação de redes com objetivos ambiciosos, englobando os setores públicos e privados, e instituições nacionais e do exterior. “Precisamos trazer esses parceiros não apenas para o financiamento, mas para a definição de problemas a serem abordados, e também para o compartilhamento de bases de dados”.

Mayana Zatz.

Bases genéticas do envelhecimento

O Brasil hoje encontra-se num processo de transição demográfica com muitos paralelos no resto do mundo. Os avanços da urbanização e da medicina fizeram com que as pessoas tivessem cada vez menos filhos ao mesmo tempo em que vivem cada vez mais. Atualmente, já são mais brasileiros acima dos 60 anos do que abaixo dos 9, e a tendência é de que até 2060 mais de um quarto da população seja de idosos. Esse fenômeno desperta muitas questões sobre organização social e do trabalho, mas, acima de tudo, reacende a velha pergunta: como envelhecer com saúde e qualidade de vida?

O campo da genética tem muito a contribuir nessa questão, e avanços recentes só tornaram essas respostas mais promissoras. Para se ter uma ideia, o primeiro sequenciamento completo do genoma humano custou 3 bilhões de dólares e demorou 13 anos. Hoje, com as novas tecnologias em genômica, já é possível conhecer todo o material genético de um indivíduo em menos de duas horas e com um custo de 500 dólares. “Isso permite uma abordagem personalizada da medicina, estimando risco de doenças hereditárias e identificando mutações de interesse”, explicou Mayana Zatz.

Outra possibilidade é a criação de bancos de dados genéticos específicos para diferentes coortes da população. “Atualmente existe uma discrepância nos bancos genômicos internacionais, que tendem a super-representação de populações europeias”, afirmou Zatz, “nesse cenário, a diversidade étnica do Brasil é uma vantagem inestimável”. Como exemplo, a palestrante trouxe uma genotipagem feita de idosos brasileiros que revelou mais de 2 milhões de variantes genéticas desconhecidas. “Inclusive, identificamos algumas mutações cancerígenas em pessoas que nunca chegaram a desenvolver a doença. Talvez a diversidade possa ser um fator de proteção”, conjecturou.

Apesar desses dados serem promissores, o segredo da longevidade não está somente nos genes. “Diria que é 20% genética e 80% ambiente”, afirmou Zatz, lembrando que não existe uma única receita para se tornar um centenário. Entretanto, no que a genética pode contribuir as possibilidades são imensas, e a medicina do futuro tenderá a ser cada vez mais personalizada e preventiva. Além de conhecer nosso DNA, a pesquisa de fronteira possibilitou técnicas como a do CRISPR-Cas9 para edição gênica fina. “Combinando identificação de genótipos de interesse com edição gênica, podemos corrigir elementos deletérios e adicionar sequências protetoras para os mais diversos malefícios”, defendeu Zatz.

Gonçalo Pereira.

Potencial bioenergético brasileiro

A geração de energia é tema central para a economia e uma questão urgente para a ecologia. O petróleo hoje movimenta não apenas automóveis e máquinas, mas o próprio mercado financeiro. A dependência que a humanidade tem desse recurso é um dos maiores entraves para uma economia sustentável e ainda estamos distantes de uma solução. Mesmo o crescimento no uso de energias renováveis nos últimos anos não diminuiu a procura por petróleo, e isso nos obriga a considerar todas as alternativas. “Siga a energia e entenda a dinâmica da sociedade”, resumiu Gonçalo Pereira.

O palestrante fez uma enfática defesa dos biocombustíveis como a alternativa mais viável para substituir o petróleo, e também como uma área de potencial liderança brasileira. “O etanol é uma jabuticaba, por assim dizer, é uma grande oportunidade para o Brasil”, afirmou. Ele acredita que não existe um dilema de comida versus energia no país, como ocorria nos EUA na década de 80. “Temos imensas áreas de pasto improdutivas que poderiam facilmente ser adaptadas ao cultivo de biomassa”, defendeu.

O avanço brasileiro em biocombustíveis vai depender de investimento contínuo em pesquisa e inovação. O melhoramento genético pode aumentar ainda mais a produtividade da cana de açúcar. Outra possibilidade é o cultivo de agave, planta de semiárido que poderia ter muito sucesso no sertão brasileiro. “O sertão pode se tornar um pólo de biorrefinarias capaz de dobrar a produção de etanol brasileira”, sugeriu.

Para o palestrante, o fascínio atual com carros elétricos não se justifica pela sustentabilidade, uma vez que 85% da energia elétrica no mundo é produzida pela queima de combustíveis fósseis. “Emissões de carbono são um problema global e não local, não adianta nada reduzir em um lado para aumentar em outro”, explicou. Por fim, Pereira admitiu que motores elétricos tem maior eficiência energética que motores a combustão, mas defendeu que baterias movidas a etanol são mais eficazes e com menor risco ambiental e geopolítico do que bateriais de lítio. “A solução é bioeletrificar o etanol. Não é futuro, a tecnologia já existe”, finalizou.

Marcos Pimenta.

Nanomateriais e aplicações

Nanomateriais são aqueles que estão na ordem de grandeza dos nanômetros, isto é, estão entre o tamanho de um vírus e o de uma molécula de DNA. São vários os exemplos de biomateriais utilizados hoje em dia, como transistrores (elemento mais básico de um chip), grafeno e nanotubos de carbono. O leque de aplicações desses compostos é imenso, e abrange a maioria dos setores econômicos, entre eles a indústria farmacêutica e eletrônica, o setor energético, telecomunicações e diversas engenharias.

Atualmente são cinco os INCTs trabalhando diretamente com nanomateriais. Pela própria diversidade de aplicações, esses institutos tendem a ser multidisciplinares e interagir fortemente com o setor privado. O Acadêmico Marcos Pimenta apresentou um pouco do INCT Nanomateriais de Carbono, que coordena. “A ideia central é que os compostos da eletrônica moderna, como os semicondutores, são majoritariamente a base de silício. Precisamos de alternativas para suceder o silício, e os nanomateriais de carbono tem propriedades muito promissoras”, explicou.

Conhecido como INCT NanoCarbono, o instituto aborda temas que vão desde problemas teóricos básicos, até soluções em sustentabilidade e aplicações industriais. “Participamos do desenvolvimento de cimentos mais resistentes com nanotubos, polímeros mais adaptados à extração mineral e de petróleo, e também de pesquisas com monitoramento e nanotoxicologia”, exemplificou Pimenta. Desde que foi fundado, o INCT se faz presente em 12 estados brasileiros, e auxiliou na formação de mais de 900 mestres e 500 doutores, e na publicação de mais de 1.200 artigos com impacto internacional. “Os recursos mais valiosos de qualquer país são as pessoas”, finalizou.