Os participantes da primeira mesa do evento de 14/6

No dia 14/6, ocorreu o 3º encontro da série “Webinários ABC/CNPq: a contribuição dos INCTs para a sociedade”, que trouxe para o centro da discussão dois temas: INCTs e Saúde Única (One Health) e INCTs – Segurança Energética, Alimentar e na Saúde. 

O Programa Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs) é caracterizado por grandes projetos de pesquisa de longo prazo, de alto impacto científico e de formação de recursos humanos, atuando em redes nacionais e/ou internacionais de cooperação científica e integrando pesquisadores das mais diversas áreas. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) se uniram para promover uma série de quatro eventos para visibilizar as mais realizações dessa rede. No total, serão realizados quatro encontros. O último será realizado em 21/6 – veja aqui mais informações. 

Para debater o primeiro tema do dia, foram convidados os cientistas Adalberto Val (Inpa, vice-presidente da ABC para a Região Norte); Afonso Luís Barth (HC-UFRGS); e os representantes da Fiocruz Carlos Morel (membro titular da ABC) e Thiago Moreno (membro afiliado da ABC no período de 2017-2021). 

INCTs da região Amazônica 

“Não tem como pensar em ciência sem que ela esteja toda interligada. Ainda mais num país com as dimensões e os desafios que temos”, avaliou Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Não dá mais para falarmos sobre mudança climática e geração de renda sem falarmos de todo o conjunto de ecossistemas que acabam sendo afetados.” 

Ele deu destaque para o Centro de Estudos de Adaptações Aquáticas da Amazônia (INCT-Adapta), que coordena. Segundo ele, no início o Adapta era um pequeno grupo de pesquisadores que se reuniu em torno da ideia e, hoje, são mais de 100. Os estudos realizados no Adapta têm como objetivo contribuir para avanços no entendimento de como organismos da biota aquática se adaptam às mudanças ambientais, expandindo também seu escopo para as mudanças naturais e aquelas causadas pelo homem, incluindo as mudanças climáticas. A diversidade de mecanismos em todos os níveis da organização biológica é o alvo das várias linhas de pesquisas. O Adapta conta com um grande herbário virtual, com mais de 11 milhões de registros de algas e plantas que, no último ano, recebeu cerca de 140 milhões de consultas diárias. 

Além da grande biodiversidade, a Amazônia também possui um histórico diferenciado de movimentos tectônicos e mudanças climáticas – características destacadas por Val, que alerta sobre a escassez INCTs na região. “Temos uma grande mistura de organismos vivendo nesses locais, uma imensa quantidade de informações em papel muito importante. Há um conjunto imenso de ecossistemas espalhados pela Amazônia e poucos INCTs para estudá-los.”  

Ele percebe que as questões relacionadas às mudanças climáticas na Amazônia têm um grande impacto em toda a região Norte. ‘O aumento da acidez e da temperatura das águas dos rios, por exemplo, influencia na qualidade da vida dos peixes – a principal fonte de proteína dos nortistas. O Rio Negro, por exemplo, já possui suas águas naturalmente ácidas e têm seus níveis de acidez ascendendo constantemente.  Atualmente, a temperatura máxima de suas águas é de 33ºC – quase o limite da tolerância térmica crítica dos peixes caracídeos, principal família existente na Amazônia, que resistem à até 38ºC”, observou. 

O vice-presidente da ABC para a região Norte destacou também a atuação de outros INCTs que estudam a biodiversidade de diversas regiões do país, como o baiano In-Tree, que realiza investigações inter e transdisciplinares na área de ecologia e evolução; o paulista INCT-Bionat que estuda a química de produtos naturais escondidos na biodiversidade brasileira; e o Inau, do Mato Grosso, que estuda o uso sustentável das áreas úmidas. 

De acordo com o palestrante, é fundamental usar as informações que os INCTs vêm produzindo para elaborar novas estratégias de saúde pública. “Os INCTs têm contribuído muito com a descoberta de novas zoonoses que representam  ameaça, por exemplo. É muito provável que essa interação próxima que temos com a mata e com a diversidade biológica nos traga problemas no futuro”, afirmou. 

Val encerrou sua participação afirmando que os INCTs que estudam a biodiversidade amazônica já capacitaram inúmeros profissionais, além de estarem contribuindo de forma efetiva com dados, informações e novas tecnologias, mas falta apoio político. “É por isso que eu prego a união dos INCTs”, justifica o pesquisador. “Somos apenas dois em toda a Amazônia, que representa cerca de 60% do território brasileiro. Não temos braços para colaborar com os outros 100 INCTs que existem.” 

Novos fármacos e doenças negligenciadas 

Carlos Morel e Thiago Moreno trabalham na Fiocruz, especialmente no INCT em Inovação em Doenças de Populações Negligenciadas (INCT-IDPN), que existe desde 2020 e se dedica à pesquisa translacional – ou seja, pesquisas que tentam “cruzar o vale da morte”.

Um dos novos focos que o grupo destaca é a mudança do conceito de “doença negligenciada” para “população negligenciada”. Um exemplo disso são os pacientes com câncer, que não é uma doença negligenciada, mas que exige que o paciente se desloque quilômetros para obter tratamento em um bom hospital.  

Morel destacou a precariedade dos laboratórios dos INCT, que foi destacada pela pandemia de covid-19: os laboratórios de nível de segurança 2 eram maioria na Fiocruz e a pesquisa sobre covid-19 requer laboratórios de nível 3. Estes, que eistiam, mas em menor número, ficaram congestionados. “Esse é um exemplo clássico de como o Brasil está despreparado no espectro da biossegurança”, apontou Morel.  

O Acadêmico destacou a importância das parcerias acadêmicas para o desenvolvimento de novos projetos. Mencionou o Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições internacionais, como a Universidade de Liverpool e os Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês), assim como a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). “Temos novas urgências para demandas não atendidas”, disse Morel. 

Segundo Thiago Moreno, as doenças endêmicas que mais têm preocupado brasileiros ao longo da última década – zika, chikungunya, dengue e até mesmo covid-19 – derivam de um processo de degradação ambiental que faz com que alguns patógenos rompam a barreira animal e cheguem até os humanos. Em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz, está sendo desenvolvida uma nova linha de pesquisa com este foco. 

A integração entre profissionais de diversos setores é fundamental para o estudo dessas doenças ainda pouco ocnhecidas. Nesse sentido, o atual momento nos laboratórios da Fiocruz é de otimismo: com grandes parcerias, trabalhos de alto impacto estão sendo selecionados. A Coalizão Covid-19 tem facilitado a progressão no desenvolvimento pragmático de novos medicamentos antivirais e até mesmo na elaboração de possíveis imunizantes nacionais.  “Estamos nos empenhando para caracterizar as ondas genéticas de Sars-Cov-2 no Brasil em função do perfil do fenotípico viral. Dessa forma, é possível perceber como as ondas de covid se comportaram no Brasil de 2020-21 e como as variantes impactam no aumento global de casos.” 

Transdisciplinaridade nos laboratórios 

“Saúde única exige transdisciplinaridade, apoio às pesquisas colaborativas”, apontou Afonso Luis Barth, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HC-UFRGS).  O cientista destacou a atuação dos INCTs da área da saúde que, mesmo não especializados em covid-19, estão atuando ativamente há dois anos no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico e de fármacos para o tratamento. “Os INCTs desenvolveram um kit nacional para diagnóstico da covid-19 e, atualmente, trabalham na produção de um imunizante 100% nacional”, conta Barth, destacando o trabalho dos INCTs de Investigação em Imunologia (iii-INCT) na produção de uma vacina nasal brasileira. Barth destaca uma questão ainda mais atual, que preocupa toda a população: os casos de varíola de macacos. Ele garante, de antemão, que a doença não terá as mesmas proporções que a covid-19. 

Barth destaca a excelência de outro INCT: o  Instituto Nacional de Pesquisas em Resistência a Antimicrobianos (INCT-Inpra), que atua na detecção rápida de mecanismo de resistência aos antibióticos. Este INCT estima que cerca de 25% das prescrições de antibióticos são desnecessárias. Dado que cerca de 80% das vendas de antibiótico são para uso veterinário, conclui-se que há uma grande quantidade de conteúdo tóxico escoando diretamente para os lençóis freáticos e influenciando a qualidade dos vegetais. De acordo com Barth, isto resulta nas superbactérias, com alta resistência aos antimicrobianos. “A resistência a antibióticos é um dos tópicos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca como prioridade”, relatou o palestrante. 


Assista à gravação completa do webinário.