Gabriel Vasconcelos e Helena B. Nader durante a Live do Valor de quarta-feira, 20/4.

 

Helena B. Nader, presidente eleita da ABC para o triênio 2022-2025, foi a convidada da edição de 20/4 da “Live do Valor”, programa diário do jornal Valor Econômico com transmissão ao vivo pelo Youtube, Linkedin e Instagram. Em entrevista para o repórter Gabriel Vasconcelos, a cientista falou sobre a diversidade na ciência, o achatamento orçamentário e as lutas que os pesquisadores têm enfrentado frente ao Parlamento.

“Apesar de tudo, a ciência brasileira vai bem – graças à resiliência do cientista brasileiro”, diz a professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ela, os pesquisadores brasileiros estão “fazendo mágica” e mantendo a produção científica sempre significativa, ocupando a 13ª posição no ranking mundial. Ela compara a disparidade do investimento em ciência, com fundos cada vez mais reduzidos, com o sucesso dos bancos.  Quatro dos 10 bancos mais rentáveis do mundo são brasileiros: “O Brasil ainda não conseguiu ter noção clara de que, sem educação e sem ciência, a economia brasileira não irá florescer.”

Igualdade de gênero

A inserção da mulher na ciência é uma das principais bandeiras defendidas por Nader. Apesar de ter demorado 106 anos para que a ABC elegesse sua primeira presidente mulher, a cientista acredita que a instituição está “na faixa” em comparação com outras academias globais, que também tiveram poucas presidentes mulheres ou teve a sua primeira representante feminina eleita recentemente. 

Atualmente, na Academia, as mulheres representam apenas 18% do corpo total de membros. Em sua Diretoria, um dos principais compromissos da biomédica é com a igualdade de gênero: dos 11 Acadêmicos que irão acompanhá-la pelo próximo triênio, quatro são mulheresMercedes Bustamante e Patricia Torres Bozza serão vices-presidentes e Maria Domingues Vargas e Mariangela Hungria serão diretoras. “Não é sobre sermos maioria perante os homens, mas estarmos em equilíbrio. A diversidade, em todas as profissões, incluindo a ciência, é algo muito relevante”, afirmou. 

A queda na produção acadêmica de mulheres durante a pandemia é outro assunto que preocupa Nader, que justifica o fato pela necessidade das mulheres em conciliar trabalho e tarefas domésticas, incluindo o cuidado com os filhos, durante a quarentena. Esse fenômeno, por outro lado, seguiu acompanhado de um aumento global no número de publicações escritas por homens. “Não podemos, de forma alguma, em pleno século 21, continuar com essa disparidade de argumentos”, determina. “Dizer que a mulher é do lar é se referir a uma fase muito datada. A mulher contribui para a sociedade além do trabalho familiar, que deveria ser compartilhado.”

Luta pela recuperação das verbas científicas

Sobre os investimentos em inovação e produção científica, Nader aponta que falta compreensão e visão estratégica por parte do governo. A professora, que esteve ao lado de Luiz Davidovich como vice-presidente da ABC ao longo de seus dois mandatos, relembrou algumas das lutas mais importantes que a Academia e diversas instituições de apoio à ciência enfrentaram nos últimos anos: a possível fusão da Capes com o  CNPq e o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)

Apesar de ter sido criado para suplementar o estímulo à inovação, o FNDCT têm sido a principal fonte de verba de instituições universidades e instituições federais – algo que preocupa os pesquisadores. Nader estima que, ao longo de 2022, a ferramenta irá arrecadar entre R$ 8 bilhões e R$ 8,5 bilhões por meio dos 14 fundos setoriais que provêm seu abastecimento. O valor, somado com o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2022 (R$ 6,9 bilhões) seria suficiente para dar um novo fôlego para a produção tecnológica no país. No entanto, considerando os números dos mais recentes repasses – incluindo a pior execução orçamentária dos últimos anos, R$ 3,3 bilhões discricionários em 2021 – é difícil acreditar que esse valor chegará, de fato, nas mãos de quem gera inovação no país.

“O governo coloca a culpa no teto de gastos, mas o corte no financiamento da ciência vêm acontecendo há muito mais tempo”, disse Nader, referindo-se à Emenda Constitucional 95/2016, que inclui a área científica. “Basta observar a lei orçamentária anual: o percentual da ciência vem caindo, tanto em valores nominais, quanto em juros. O orçamento do CNPq, que era próprio, hoje é irrisório, por conta dos contingenciamentos, e acabou tornando-se dependente dos recursos que vem do  FNDCT, que foi criado para outras ações. Ou seja, o cobertor é curto e ainda se disputa as migalhas”, conclui a bioquímica.  

Para Nader, o problema seria menor se o FNDCT já estivesse efetivamente livre de contingenciamentos, conforme previsto na Lei Complementar 177. A lei foi aprovada no Congresso no ano passado, após intensa ação da ABC e outras entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, que já foi presidida por Nader entre 2011 e 2017) e a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br). Na prática, a verba ainda não foi liberada – com cerca de 90% a 95% do recurso sendo utilizado, provavelmente, para aumentar o superávit primário (resultado das contas públicas excluindo os juros). 

A professora atribui esse atraso ao Ministério da Economia, que, em nova manobra fiscal, promulgou uma nova lei de contingenciamento em outubro de 2021. À princípio, R$ 690 milhões em créditos suplementares seriam destinados MCTI, dos quais 95% (R$ 655,4 milhões) viriam de recursos contingenciados do FNDCT. Com as alterações solicitadas pelo ME, apenas R$ 89,8 milhões foram destinados para o MCTI (13% do valor total originalmente previsto), enquanto os outros R$ 600,2 milhões foram transferidos para outros ministérios utilizarem em atividades diversas, como agropecuária, saneamento básico e inclusão digital. Saiba mais sobre a luta da ABC e seus Acadêmicos pela liberação do FNDCT.

“Eu vou lutar e a gente tem que conseguir decência na pós-graduação”, sentencia Nader, preocupada com o futuro dos jovens cientistas no país. “A bolsa não tem segurança, não conta tempo de serviço e não pode continuar no mesmo patamar que está há oito anos.” A cientista também deixa claro que seu principal compromisso frente à ABC é com a educação, que ela interpreta como primeiro passo para que haja produção científica e tecnológica de qualidade no país. “Precisamos recuperar o orçamento para ciência e tecnologia e lutar por uma governança correta do FNDCT.”

Assista à gravação completa do bate-papo no canal do Valor no Youtube.