Confira o artigo escrito pelo professor da UFPE e membro titular da ABC, Anderson Gomes, publicado no Jornal da Ciência em 25 de novembro.

 

A comunidade acadêmica e científica do Brasil tem vivido momentos de total estarrecimento diante dos fatos quase que diários que atingem, a partir de ações ou inações do governo federal. A Educação, Ciência e Tecnologia (e por consequência a inovação) definitivamente não são prioridades do atual Governo Federal, nas pessoas dos seus gestores. Podemos elencar, nestas áreas, o corte injustificado de recursos, a falta de um planejamento estratégico adequado, os ataques individuais a cientistas que contribuem com seus conhecimentos de forma direta para sociedade, o descaso com a formação de recursos humanos qualificados, que além de não terem um programa de longo prazo, veem reduzidos o número de bolsas para pós-graduação e pesquisa. O país já está vendo uma debandada de pessoas, com cérebro, mala e cuia, que já perderam a esperança. O impacto negativo dessa chamada “fuga de cérebros” não é imediato, é a médio e longo prazos. Da mesma forma que, para formar uma geração de pessoas capacitadas e competentes nas habilidades do presente e do futuro, que saibam “resolver problemas que ainda não existem”, exige tempo, décadas. Nos países que se desenvolveram ou estão de fato em desenvolvimento, a educação e a ciência são prioridade, desde a infância até à pós-graduação. No Brasil não é assim. O letramento científico da maior parte da sociedade é pífio (Letramento Científico: Um indicador para o Brasil) e mesmo a alfabetização, que não vem na idade certa, leva a um Brasil que tem mais de 11 milhões de pessoas acima de 15 anos que não sabem ler nem escrever (PNAD, 2019).

A CAPES é uma instituição respeitada, vinculada ao Ministério de Educação, que tem entre suas funções fomentar o desenvolvimento da pós-graduação no País, e avaliar a qualidade dos formandos egressos dos programas de pós-graduação nos quatro cantos do País. Isto tem sido feita de forma competente, idônea e independente há algumas décadas. Sem nenhuma interferência externa de quaisquer poderes. E os resultados do desenvolvimento da pós-graduação no País, através do seu crescimento e impacto na sociedade são reconhecidos nacional e internacionalmente. O processo de avaliação sempre teve uma proposta arrojada, dinâmica, que “subia o sarrafo” à medida que a qualidade dos programas de pós-graduação em todo o País ia sendo elevado. Um círculo virtuoso. Os parâmetros de avaliação eram adaptados a uma realidade medida a partir da produção científica e acadêmica das instituições, tudo realizado por pares. E os resultados sempre foram positivos, melhorando o sistema. Por outro lado, sempre tivemos um plano nacional de pós-graduação (PNPG), que “venceu” em 2020, e não há nenhuma ação clara e envolvendo a comunidade para elaborar o PNPG 2021-2030, que já deveria estar pronto.

Para completar (da pior forma possível) o processo de avaliação quadrienal, que já estava ocorrendo em 2021, foi suspenso judicialmente em setembro de 2021 (com uma argumentação claramente elaborada por quem não conhece o sistema, e poderia ter sido amplamente esclarecido). Mas a inação da CAPES, através de sua presidência, na defesa do processo foi tal que, passados dois meses, e já em segunda instância, foi negado o recurso da CAPES indicando “Da mesma forma, o acesso à via impugnativa recursal, através da interposição do Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo (Processo nº 50156576420214020000), também não se mostrou imediato, porquanto o recurso apenas foi distribuído em 03/11/2021, a demonstrar que, na espécie, inexiste, concretamente, o iminente risco de dano tal como alegado no Evento 01, diante do dilatado lapso temporal transcorrido até a regular impugnação do ato judicial por parte da Requerente” (parte do despacho do Presidente do TRF2).

Não obstante a paralisação da avaliação, a CAPES mantém o processo para avaliar e autorizar o início de novos cursos, através do processo conhecido como APCN (Análise de Propostas de Cursos Novos, Presidente da Capes anuncia data de APCN 2021) inclusive tentando que sejam analisados APCNs na modalidade de “Educação à Distância”. Como mencionado por um colega da UFBA, “quem não avalia, não autoriza”. Se a avaliação está suspensa, por que autorizar novos cursos? Abrir APCN significa avaliar propostas de programas. Deveria também ser suspenso! Os esforços da CAPES teriam de ser envidados, e de forma tempestiva, para repor o processo de avaliação das pós-graduações brasileiras. Caso contrário, e infelizmente, o que poderá “sobrar” disso tudo é um verdadeiro desmonte do sistema de avaliação da pós-graduação realizado pela CAPES. Passar um período – até agora indeterminado – sem avaliação da pós-graduação é algo impensável. As consequências serão mais do que danosas. Certamente a avaliação não é perfeita, precisa se modernizar cada vez mais. Mas “travar” a avaliação e de forma “judicial”, sem uma defesa ampla, competente e consistente, é impor a milhares de pós-graduandos um atraso de muitos anos, particularmente para aqueles que nos últimos 4 anos estiveram realizando suas teses e dissertações de doutorado e mestrado, além dos professores, os jovens e os experientes, que estavam construindo ou consolidando uma carreira na pós-graduação de suas instituições. Uma pergunta precisa ser respondida: a quem interessa o desmonte da avaliação do exitoso programa de pós-graduação no País?

 

Leia o artigo no Jornal da Ciência.