Leia entrevista do Acadêmico José Murilo de Carvalho ao jornalista Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em 19/1:

Uma bravata perigosa. Assim o historiador José Murilo de Carvalho classifica a declaração do presidente Jair Bolsonaro apontando nas Forças Armadas o poder de determinar se o Brasil é uma democracia ou uma ditadura. Embora admita que o que mandatário afirmou é em parte verdadeiro – considera que a República brasileira é tutelada pelos quartéis –, o pesquisador avalia que ele não fala pelos altos comandos de Marinha, do Exército e da Aeronáutica. E aponta um risco nas atitudes do presidente. Ele, afirma, se dirige aos escalões inferiores da hierarquia castrense e às polícias militares. Para o professor, trata-se de uma “violação da hierarquia”.

“É veneno para as corporações militares”, preocupa-se. “Para o historiador, Bolsonaro “fracassou” na “guerra da vacina” e tenta retomar protagonismo”. Mas não conseguirá bom resultado se tentar envolver os fardados e desafiar a sua hierarquia, adverte José Murilo, que diz que na pandemia Bolsonaro “lutou do lado errado”.

A seguir, as principais trechos da José Murilo ao Estadão.

Onde o presidente Bolsonaro quer chegar quando diz que depende das Forças Armadas se o Brasil vai ser uma democracia ou uma ditadura?

A declaração é contraditória. Dizer que a democracia depende das Forças Armadas é dizer que já não há democracia, o que em parte é verdade na medida em que temos uma república tutelada. Só teremos uma república democrática quando ela não depender de apoio militar. A república norte-americana passou por uma crise séria, sem que os militares se manifestassem.

Essa declaração é apenas uma bravata ou há uma ameaça real de golpe, com possibilidade de se concretizar?

É uma bravata perigosa. Ele fala em “nós militares”,  colocando-se como porta-voz do grupo, o que ele certamente não é. Pela lei, quem fala pelos militares são seus comandantes. Se falasse como presidente, chefe das Forças Armadas seria ainda pior, porque estaria colocando a presidência como defensora de um grupo social. A bravata é perigosa para ele por estar usurpando a autoridade dos comandantes das três forças. 

Em sua avaliação, Bolsonaro tem apoio das Forças Armadas, no seu todo ou em parte, para esse tipo de declaração?

Como já indicou o comandante do Exército, general (Edson) Pujol, aliás colega dele na AMAN, quando condenou a politização das Forças Armadas, ele (Bolsonaro) não fala em nome delas. O presidente tem feito um jogo perigoso ao se dirigir a escalões inferiores da hierarquia militar e às polícias militares. Essa violação da hierarquia é veneno para as corporações militares.

Bolsonaro tenta usar as Forças Armadas como “espantalho” contra um eventual processo de impeachment?

Se for o caso, acho que será mais um erro político, um tiro que poderá sair pela culatra por estar comprometendo as Forças Armadas com seu projeto político pessoal. Esse envolvimento não interessa às Forças Armadas que vêm tentando fugir à acusação de que estamos diante de um  governo militar e não apenas de um governo com militares.

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A entrevista na integra pode ser acessada no site do Estado de S. Paulo.