A Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu uma edição extra de sua série de webinários, no dia 22/10, como participação na 17ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (SNCT/MCTI). Inteligência Artificial: tendências, aplicações, desafios éticos e sociais foi o tema desta edição, que contou com a participação dos Acadêmicos Virgílio Almeida (UFMG/Harvard),  Nivio Ziviani (UFMG), e Carolina Horta Andrade, assim como do pesquisador e empreendedor Anderson da Silva Soares (UFG). 

A inteligência artificial (IA) é um avanço tecnológico que permite que sistemas sejam programados para tomar decisões autônomas baseados em padrões de enormes bancos de dados. Essa nova forma de produzir e lidar com as tecnologias pode abrir novas possibilidades para o avanço da ciência e de toda a humanidade. Alguns exemplos da aplicação de estudos em IA são utilizados na produção de notícias, no combate à COVID-19 e até para a produção de novos fármacos.

Tendências e desafios éticos da computação

“A Inteligência Artificial representa um progresso tecnológico real”, disse o Acadêmico Virgílio Almeida, professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor associado ao Berkman Klein Center, na Universidade de Harvard.  A tradução de línguas, análise de imagens, sons, tomadas de decisão e a recomendação de conteúdos na internet são algumas das aplicações mais evidentes da IA na vida das pessoas. Para Virgílio, apesar de tantos avanços, é preciso ter atenção às minúcias dessa nova tecnologia, que podem esconder retrocessos, como o racismo.

“Muitos de nós podemos utilizar aplicativos de redes sociais, de reserva de hotéis, compras. A maioria deles utiliza algoritmos que recomendam serviços personalizados”, exemplificou Almeida, que oi secretário nacional de Políticas de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (2011-2015). “O que é preocupante é que o uso desses algoritmos sejam incorporados aos serviços de impacto social, como na polícia, em bancos e na saúde”, disse. Para o Acadêmico, a disseminação não cuidadosa dessas tecnologias pode reproduzir desigualdades, como a repetição das preferências, imagens, gostos e análises em favor de um grupo social em detrimento de outros. Um exemplo, apresentado por Virgílio, foram sistemas de buscas na Nigéria que apresentavam como resultado para a busca “mulher bonita” como mulheres de cor de pele branca em um país com maior número de pessoas pretas.

No Reino Unido, em agosto deste ano, estudantes foram às ruas para protestar contra um sistema de algoritmos que diminuía as notas obtidas durante a vida escolar dos alunos e que poderiam impedir o seu ingresso nas universidades britânicas. “Decisões que impactem a vida das pessoas dessa forma não devem ser tomadas por algoritmos”, afirmou Almeida. “Para desenvolver uma tecnologia justa e confiável, devemos entender como a IA interage com os humanos, bem como com instituições e estruturas sociais”, disse  Almeida, que além de ser diretor da ABC é membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e da Academia Mundial de Ciências (TWAS).

O uso da inteligência artificial em tempos de pandemia

“A inteligência artificial vai ter a mesma importância que a eletricidade ou ao motor à combustão”, disse o Acadêmico Nivio Ziviani, cofundador de empresas da área de computação, como a Akwan e a Kunumi. A mais antiga ‒ Akwan ‒ virou o primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do Google na América Latina, enquanto a segunda ‒ Kunumi ‒ se dedica à solução de problemas complexos por meio da Inteligência Artificial. Nos últimos anos, além de ajudar empresas com predição de demanda e oferta, identificação de anomalias, análise de carteiras de produtos de crédito, a Kunumi tem atuado em pesquisas de IA que podem ajudar médicos e formuladores de políticas públicas a lidar melhor com a COVID-19.

“Criamos modelos com dados sobre a pandemia em outros países e de testes realizados no Brasil”, disse Ziviani. Com essas informações, os pesquisadores conseguiram gerar gráficos e análises de dados que possibilitaram um maior entendimento sobre a pandemia e os números de mortes, sua aceleração e velocidade. “São explicações que podem ajudar epidemiologistas a entender os fatores que motivam os surtos de COVID-19 e monitorar o impacto das medidas de saúde pública na propagação da doença”, afirmou. “Hoje, conseguimos analisar que a principal causa de mortes no Brasil é a desigualdade”, contou o Acadêmico, que é professor emérito da UFMG e membro dos Conselhos de Administração da Kunumi, do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e da Petrobras.

Ziviani explicou também que um dos exames mais utilizados para a detecção de COVID-19 ‒ o RT-PCR, um teste molecular ‒  pode apresentar erros de resultados em 7 a 10% dos exames realizados. “Utilizamos hemogramas, um método barato e rápido, que podem indicar se a pessoa entrou em contato com o coronavírus a partir do uso das informações do PCR”, disse ele. Com esse método, é possível que a IA seja uma aliada no combate à pandemia .

Inteligência artificial para acelerar a descoberta de fármacos

Líder do Laboratório de Planejamento Molecular e Modelagem Molecular (LabMol) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora visitante do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carolina Horta demonstrou como a inteligência artificial pode tornar mais eficiente a produção de fármacos. Segundo ela, medicamentos que demoram de 10 a 15 anos para chegarem nas prateleiras das farmácias podem ter o tempo de descoberta e produção otimizado com a ajuda da IA. “É possível que na próxima década todos os processos de descoberta de novos compostos para medicamentos utilizem essa nova tecnologia”, disse.

A utilização de bases de dados com informações sobre milhares de compostos é uma das chaves para uma revolução na forma como fármacos podem ser descobertos. “Desenvolvemos modelos que correspondem a estrutura química de compostos com a atividade biológica nos organismos”, disse Horta. “Esse processo pode ajudar a priorizar a descoberta de um composto específico num universo de milhares de outras substâncias, o que acelera o processo”, afirmou a pesquisadora, que recebeu o Prêmio L’Oréal-Unesco-ABC nacional em 2014 e o Prêmio “International Rising Talents”, da L’Oréal-Unesco em 2015

Segundo a Acadêmica, que foi eleita membro afiliado da ABC para o período 2015-2020, apesar de avançado, todo esse processo que ela desenvolve com uma equipe de pesquisadores do LabMol começou em janeiro deste ano. “Nosso laboratório atua na descoberta de fármacos para doenças negligenciadas, como a esquistossomose, que afeta cerca de 240 milhões de pessoas no mundo e pode ser tratada apenas com um medicamento existente e disponível no mercado farmacêutico”, disse. “Esperamos financiamentos que nos permitirão desenvolver pesquisas mais caras e que nos ajudariam a vencer a luta contra a COVID-19”, afirmou ela.

Academia e empresas nas soluções com Inteligência Artificial

Pesquisador da área de aprendizado de máquina ‒ campo da IA que busca desenvolver em computadores a habilidade de aprender sem programação prévia ‒ e coordenador da graduação em inteligência artificial da Universidade Federal de Goiás (UFG), Anderson da Silva Soares demonstrou como a universidade pode desenvolver um papel empreendedor na sociedade com IA. Fonte das ideias e da criatividade, segundo Anderson, as universidades brasileiras tem um potencial em seu processo natural de desenvolvimento o que as empresas também necessitam: a rotatividade de saberes e mentes. “Não podemos participar de um mundo novo achando que nada pode mudar, precisamos conhecer novas alternativas”, disse ele. 

Desde 2019, Anderson Soares é o diretor executivo do Centro de Excelência em Inteligência Artificial de Goiás (unidade Embrapii), cujo objetivo principal é o desenvolvimento de inovação e geração de valor a partir das teses e dissertações produzidas na universidade. 

Por outro lado, Soares mostrou como as instituições de ensino superior também devem se adaptar às demandas das empresas. “Antigamente podíamos esperar por cerca de 10 anos para que um produto fosse desenvolvido. Hoje, esse prazo foi reduzido”, disse. Para ele, a flexibilidade e a capacidade de se comunicar com o setor industrial e empresarial devem estar incluídos nas universidades. “Apesar de tempos ruins de investimentos, o caminho da universidade empreendedora pode atrair capital para dentro das instituições de ensino e melhorar perspectivas”, afirmou.