Ciência e Inovação em Políticas Públicas foi o tema da 26ª edição dos Webinários da ABC, realizada no dia 20/10. Apesar de um robusto sistema de ciência e tecnologia, há no Brasil um cenário desafiador para a aplicação dos conhecimentos científicos em políticas públicas que favoreçam a população. O subfinanciamento de pesquisas, a burocracia e a desvalorização da ciência são alguns desses entraves e foram discutidos por Tarcísio Pequeno (Funcap), pelo Acadêmico José Soares de Andrade Júnior (UFC), Francilene Procópio Garcia (UFCG) e Denise Pires de Carvalho (UFRJ) nesta edição dos Webinários da ABC. O encontro foi coordenado pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich, e pelo Acadêmico Luiz Drude de Lacerda.

A ciência na vida das pessoas

Engenheiro e doutor em informática, Tarcísio Pequeno é professor titular da Universidade de Fortaleza (Unifor), professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). Em sua gestão foi criado o Programa Cientista Chefe, uma estratégia de unir o meio acadêmico à gestão pública. Assim, desde 2018 equipes de pesquisadores passaram a integrar secretarias e órgãos do Governo do Estado do Ceará. Essa ação, segundo Tarcísio, possibilitou um novo olhar de como a ciência pode beneficiar a vida das pessoas.

“O programa visa aproximar a ciência dos centros de decisão e fazer com que ela seja revertida em benefício de todos”, disse Pequeno. Para ele, a incompreensão e o distanciamento da ciência é uma das causas de cenários políticos como os de hoje, em que há, além da COVID-19, uma pandemia de desinformação. “É preciso que, além de fazer boa ciência, a gente mostre melhor o que a ciência pode fazer em benefício de todos, para que os governantes saibam que vale a pena investir nela”, afirmou.

Durante o evento, Tarcísio também destacou a importância de se fazer inovação no setor público e de melhorar a articulação da ciência brasileira com o setor privado. “Há uma falta de instrumentos adequados para conduzir essa aproximação e fazer com que a ciência esteja mais presente nos diferentes setores”, disse. “O Brasil desenvolveu uma ciência importante, com grande quantidade de pesquisadores e de qualidade, mas ainda pertencemos a uma geração que precisa, para fazer ciência, desenvolver a tarefa de fazer política para conseguir condições de sobreviver”, completou.

A aplicação dos conhecimentos científicos na vida das pessoas

O Acadêmico José Soares de Andrade Júnior é engenheiro químico e professor titular do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Faz parte da Equipe Cientista Chefe de Dados, ou seja, participa da aplicação do programa. Por meio do estudo de notas fiscais eletrônicas emitidas entre 2010 e 2020, ele e a equipe conseguiram desenvolver uma análise da microeconomia do Estado do Ceará. Com essa apuração mais detalhada, os parâmetros da atividade econômica do Ceará e os preços dos alimentos, por exemplo, ficaram mais acessíveis. “Pudemos ver o efeito da pandemia na comercialização de produtos, como os derivados do petróleo, o arroz, e até calcular o contágio de COVID-19 entre os indivíduos no Estado”, exemplificou o Acadêmico.

Após essa enorme coleta de dados, ao invés das informações terem se encerrado dentro dos computadores dos cientistas, elas serviram para a gestão dos municípios pelo Governo do Ceará. “Por conta desses dados, da busca pelo entendimento dos efeitos da pandemia no Ceará fomos chamados para ajudar na gestão política”, disse.

O que José Soares e sua equipe de cientistas fizeram foi um feito que, para o Acadêmico, ainda é raro no Brasil. “Enfrentamos o problema da interlocução. É importante que os cientistas sejam flexíveis e que se comuniquem para traduzir os métodos científicos aos gestores públicos”, disse. “Os cientistas podem ter um papel importante como porta-vozes do valor da ciência. Neste momento de pandemia, devemos mostrar as perspectivas promovidas pelas inovações científicas e tecnológicas para a população”, afirmou.

Além do Acadêmico José Soares de Andrade Júnior, o Acadêmico Antonio Gomes de Souza Filho participa da avaliação das ações de ciência e inovação da Funcap para o programa Cientista Chefe.

O contexto da ciência em políticas públicas

Graduada em Ciências da Computação pela Universidade Federal da Paraíba com mestrado em Ciência da Computação e doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisadora visitante na Tsinghua University, Beijing, China. Atua como professora/pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande, atuou como Secretária Executiva de CT&I junto ao Governo do Estado da Paraíba, foi Presidente do CONSECTI e Conselheira do CCT, da FINEP e do CGI.br. Atuou como Diretora Geral da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba, foi Presidente da ANPROTEC e é Conselheira do CDN/SEBRAE.

Associar o desenvolvimento social ao papel da inovação e da ciência é, para a cientista da computação com doutorado em engenharia elétrica Francilene Garcia, essencial ao Brasil. Atuante no planejamento e avaliação de políticas públicas em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) – foi secretária de CT&I do Estado da Paraíba, presidente do Consecti e da Anprotec e diretora da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba -, Garcia considera a evolução da legislação como a base necessária para alcançar esses objetivos. “Se não houver esse alinhamento, como vamos avançar em termos de um projeto para o país?”, questionou ela, que também é professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

“O crescimento econômico e social baseado em conhecimento científico precisa da articulação com os poderes públicos para chegar na sociedade”, disse Garcia. Em um contexto de subfinanciamento de pesquisas, segundo ela, é inviável que a ciência se faça presente no contexto de desenvolvimento social. “A pandemia trouxe um novo entendimento de que precisamos usar melhor a ciência no enfrentamento de crises”, afirmou.

“Vivemos um momento de rupturas, como o de aceitar um baixo crescimento econômico com potencial criativo. A ABC, em conjunto com outros atores, pode fazer questionamentos em relação a esses retrocessos”, disse Garcia. Uma sugestão para ampliar a inserção de inovação na economia seria, para a professora, investir no ensino do empreendedorismo. “É fundamental que as grades curriculares forneçam formação empreendedora para engajar os estudantes e para que eles se sintam desafiados a entrar nesse mundo”, analisou.

A ciência no combate às desigualdades

A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho, também marcou sua posição no webinário. A integração entre a ciência e políticas públicas, segundo ela, também tem um potencial transformador das desigualdades sociais no país. Saber investir em CT&I em benefício da população também pode produzir a inserção social e a mudança na vida de muitas pessoas.

“Para além do negacionismo, precisamos mostrar que o Brasil tem uma relação entre o número de doutores e o total da população muito abaixo da média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]”, alertou Denise. Segundo dados apresentados pela médica, a ciência pode ser ainda pouco perceptível pelas pessoas também por conta do baixo ingresso da população no ensino superior. “Sabemos que quanto maior o nível educacional, maior é o salário das pessoas e a percepção da ciência. Mas, no Brasil, o ensino superior ainda é muito excludente”, afirmou.

“Infelizmente o Brasil caminha no sentido contrário do desenvolvimento industrial e, ao mesmo tempo, no sentido contrário do desenvolvimento científico”, disse Denise. Esse contexto, segundo ela, pode manter o país refém dos mesmos problemas, como a dependência da importação. “É dramático o que vemos acontecer com as fundações de fomento à pesquisa, essenciais para a mudança desse quadro. Não há como nos mantermos em crescimento se o investimento continuar diminuindo”, acrescentou.