A 20ª edição dos webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada no dia 18/8, teve como tema a ciência aberta, um movimento global que envolve o conjunto de políticas e ações para promover a ampla disseminação das descobertas cientificas, de modo que os resultados de uma pesquisa sejam acessíveis a todos, passíveis de reutilização e de reprodução. O Acadêmico Virgilio Almeida, diretor da ABC, foi o moderador desta edição.

Os participantes foram a Acadêmica Claudia Bauzer Medeiros, professora titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro do Conselho Científico da Research Data Aliance (RDA) e da Association for Computing Machinery (ACM); Patricia Bertin, PhD em gerenciamento de informação pela Loughborough University, na Inglaterra, e supervisora de governança da informação e transparência da Secretaria de Desenvolvimento Institucional da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa); e Josué Laguardia, doutor em saúde pública e pesquisador do Instituto de Informação e Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz).

Compartilhamento e colaboração

“Ciência aberta é definida como uma colaboração mundial de pesquisadores, por meio do compartilhamento dos resultados de suas pesquisas (publicações, dados, software, metodologias”, explicou Claudia. O termo em inglês, open science, é o mais usado. O conceito contém diferentes implicações para a ciência e traz novas questões para a participação da sociedade no desenvolvimento científico. A Acadêmica observa que “disponibilizando esses resultados passamos a colaborar com pessoas que não conhecemos, e que talvez só venham a nascer daqui a 100 anos, e que vão utilizar esses resultados em pesquisas que nem mesmo imaginamos, beneficiando a ciência, a tecnologia, e a sociedade como um todo”.

Em um contexto de pandemia de COVID-19, a ciência aberta se tornou essencial para acelerar descobertas. Com a busca por vacinas e tratamentos contra o novo coronavírus, surgiu a necessidade de uma maior colaboração internacional entre pesquisadores. “É um processo de colaboração indireta que ainda encontra desafios, mas traz muitos benefícios”, afirmou Claudia. A democratização do acesso ao conhecimento para a sociedade, a transparência de toda a pesquisa e a economia de recursos são alguns desses benefícios. Além disso, ela ressaltou que “o pesquisador consegue maior visibilidade para seu trabalho e novas colaborações e comprovadamente um aumento de até 25% mais citações.”

Para implementar essa prática é preciso criar e manter permanentemente repositórios públicos, espaço virtual onde se guarda a informação, o que requer um aporte continuado e permanente de recursos – um dos gargalos para a implementação da open science, de acordo com Claudia. “A partir de 2021, todos os projetos financiados pela União Europeia deverão adotar práticas de ciência aberta. Para colaborarmos com pesquisadores europeus precisaremos nos inserir neste movimento”, alertou a cientista.

Para garantir as práticas de open science é necessário, para Claudia, treinamento e qualificação profissional. “O reconhecimento dessas demandas urgentes e a formulação de novas políticas de Estado são significativas nesse contexto”, afirmou. “Ciência aberta é mudança de cultura, exige confiança e muito trabalho de todos os atores envolvidos para sua implementação”, concluiu.

A Embrapa e o avanço da ciência aberta no Brasil

Em 2011, o Brasil participou como cofundador da Open Government Partnership (OGP) — em português, “Parceria para Governo Aberto” –, uma iniciativa internacional que busca promover a transparência e o acesso à informação governamental. A iniciativa conta hoje com mais de 80 países membros, que propõem e implementam planos de ação bienais com metas e compromissos governamentais.

A Embrapa é responsável por um desses compromissos no Brasil, que visa promover o avanço da ciência aberta brasileira. Patricia Bertin, que atua na área de gestão da informação e de conhecimento na Embrapa, compartilhou a abordagem adotada pela Empresa para o avanço da Ciência Aberta.

“Nosso foco é a gestão de dados de pesquisas e a Embrapa tem ferramentas para facilitar a organização e o tratamento de diferentes tipos de dados”, disse Patricia. Alguns desses serviços são a plataforma Geoinfo, para dados espaciais, a Alelo, para dados de recursos naturais, e o SIEXp, para dados experimentais. “Ainda temos, entretanto, um grande volume de dados dispersos em dispositivos e mídias de diversos tipos, o que está sendo tratado pela Empresa no momento”, afirmou.

Além da promoção de estruturas que permitam o avanço da Ciência Aberta, Patricia observou que ainda há impedimentos culturais para a implementação do novo modelo de produção do conhecimento científico. “Apesar da maior parte da pesquisa ser financiada com recursos públicos, a cultura acadêmica entende os dados como de propriedade do pesquisador que os gerou”, disse.

A Embrapa tem um olhar atento para os dados produzidos pelos projetos de pesquisa, que são entendidos como ativos corporativos. À essa visão corresponde uma política da empresa para fomentar as melhores práticas de gestão e compartilhamento de dados e informações. “A política da Embrapa será sempre de favorecer o acesso, quando possível, às informações geradas pela pesquisa”, pontuou.

 A Fiocruz no contexto da ciência aberta

Como coordenador de informação e comunicação da Fiocruz, Josué Laguardia apresentou alguns dos desafios para a ampliação de uma cultura de ciência aberta no Brasil. A Fiocruz vem discutindo, desde 2018, a construção de uma política de ciência aberta na instituição. Ele tem observado que alguns pesquisadores ainda tem reservas quanto ao uso de dados por terceiros.

“Ciência aberta não é só disponibilizar dados de graça, tem que oferecer segurança”, disse Laguardia. A Fiocruz oferece um programa de formação sobre o tema, com oficinas voltadas para a gestão de dados de pesquisa. “Fizemos um plano de infraestrutura de repositório de dados da Fiocruz, um teste para que novas pesquisas sejam depositadas nesse modelo”, relatou.

ABC conectada ao avanço a ciência aberta

A reação da comunidade científica mundial ao surto do novo coronavírus reafirmou a necessidade para a transição para o modelo de ciência aberta, além de promover o direito humano e social de acesso aos dados científicos. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou, em novembro de 2019, um documento para a recomendação sobre ciência aberta por meio de uma consulta global, uma iniciativa para promover o avanço dessa prática científica no mundo.

Num período em que o Brasil está dando seus primeiros passos para o desenvolvimento da ciência aberta, a ABC está lançando um documento sobre abertura e gestão de dados, com a colaboração dos Acadêmicos Claudia Medeiros, Alberto Laender, Iscia lopes-Cendes, Mauricio Barreto, Marie-Anne Van Sluys e Ulisses Almeida.