“Modelos computacionais e isolamento social” foi o tema da nona edição dos Webinários da ABC, que ocorreu no dia 2/6, com mediação do presidente da ABC, Luiz Davidovich. Os encontros da série “Conhecer para entender: o mundo a partir do coronavírus” vão ao ar todas as terças-feiras, e abarcam aspectos diversos do cenário pós-pandemia, com perspectivas interdisciplinares.

Nesta edição, o epidemiologista e Acadêmico Cesar Victora (UFPel), o pesquisador Marcelo Gomes (Fiocruz) e o médico Claudio José Struchiner (FGV) foram convidados a debater sobre os modelos que estão sendo utilizados para a coleta, o registro e a divulgação de dados referentes à COVID-19 no Brasil.

Não é uma, são várias epidemias ao mesmo tempo

O Acadêmico Cesar Victora, médico e doutor em epidemiologia, apresentou o estudo Epicovid-19, conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Esse é o primeiro estudo brasileiro a investigar o número de infectados pelo novo coronavírus em nível nacional e questiona, segundo o epidemiologista, até que ponto modelos matemáticos podem fazer previsões para áreas geográficas especificas.

O estudo Epicovid-19 foi lançado no Rio Grande do Sul no início de abril, um mês depois do diagnóstico dos primeiros casos no Estado. A pesquisa consiste em visitas domiciliares, nas quais são realizados testes rápidos para anticorpos contra o SARS-CoV-2. Envolvendo inicialmente nove cidades no sul do país, o estudo conseguiu abranger, posteriormente, 133 cidades de 26 estados e do Distrito Federal, em duas ondas de coleta de dados, em 14 a 21 de maio e 4 a 6 de junho. As cidades amostradas correspondem a todas as sedes de regiões intermediárias segundo o IBGE, incluindo todas as capitais e polos regionais.

“Desejamos saber quantas pessoas foram infectadas, a evolução da epidemia, quais regiões foram mais afetadas e a taxa de letalidade”, disse o epidemiologista. Utilizando um teste rápido e entrevistas, o estudo conseguiu analisar também o comportamento da população em relação ao distanciamento social. Mostrou, ainda, o aumento significativo do número de casos em cidades à margem do Rio Amazonas, enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram prevalência inferior a 1% em praticamente todas as cidades amostradas. “A região Norte decolou, mas ainda é imprevisível tentar entender o que está acontecendo lá. Não é uma epidemia, são várias epidemias ao mesmo tempo dentro do Brasil”, afirmou.

Victora foi enfático ao afirmar que não seria possível fazer essa pesquisa se não houvesse, em anos anteriores, tanto investimento em saúde pública. Porém, a falta de coordenação entre as esferas federal, estaduais e municipais de saúde chegou a levar alguns dos entrevistadores à prisão quando iniciavam a coleta de dados no campo durante a primeira fase. “Tivemos problemas com secretarias municipais de saúde em 20 municípios. Alguns testes foram até destruídos pela polícia, devido à falta de comunicação.” relatou Victora. Esses percalços reduziram o escopo da pesquisa e atrasaram os resultados da primeira fase. De qualquer modo, o estudo foi completado em 90 municípios e obteve resultados parciais em outros 43 deles.

Registro e vigilância epidemiológica

Para o monitoramento dos números relacionados à pandemia, existem sistemas específicos que registram os dados e são responsáveis por manter os profissionais de saúde e a sociedade informados sobre a evolução da COVID-19. Marcelo Gomes, pesquisador da Fiocruz, coordena o InfoGripe, um sistema responsável por registrar novos casos de SRAG e de COVID-19 no país. Além desse, há o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-gripe), o e-SUS VE, com notificação de internações, e o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde.

Para Gomes, a análise de dados ajuda a entender melhor as fases da pandemia no país. “Os dados mostram que os sacrifícios que fizemos, como o isolamento social, funcionam – e podemos mensurar esses resultados”, disse. De acordo com o pesquisador, somente até maio de 2020 foram registrados cerca de 96 mil casos de SRAG, um dos sintomas que servem como índice para novos contágios, enquanto em todo o ano de 2019 foram registrados cerca de 90 mil.

O pesquisador explica os dados gerados pelos registros de SRAG no país são importantes pela mudança no perfil de vítimas durante a pandemia. “O perfil etário de pessoas que tiveram SRAG mudou, apontando agora um volume muito grande de indivíduos acima de 30 anos. É justamente nessa faixa etária que está o maior número de casos de COVID-19”, ressaltou.

A demora entre a coleta de dados e os registros nos sistemas de informação pode atrapalhar o acompanhamento da evolução da pandemia no país. Marcelo destacou a burocracia para os processos de notificação da SRAG. Mesmo com prontuários eletrônicos, a coleta das informações pelos profissionais de saúde pode ser ineficiente e, com unidades de saúde sobrecarregadas com os atendimentos, a prioridade não é voltada para o preenchimento de registros. “Diversos municípios concentram a atividade de registro nas secretarias municipais de saúde, ou seja, as fichas são preenchidas pelos profissionais de saúde nas unidades e são enviadas para as secretarias para a inserção dos dados nos sistemas”, completou o pesquisador.

Estatísticas para entender a realidade

Acompanhar os dados de detecção de novos casos de COVID-19, como visto, pode ser muito importante para entender a evolução da doença. A modelagem estatística, como os gráficos e mapas, é aliada no desafio de disponibilizar esses dados aos profissionais envolvidos e à população. O pesquisador Claudio Struchiner explicou como os registros desses casos correspondem à realidade da propagação da doença.

Na China, ao acompanharem o surgimento da epidemia do novo coronavírus e os primeiros casos, foram testadas diversas práticas a fim de conter a propagação da doença, como o isolamento social. À medida que a epidemia avançava pelo mundo, além dos limites territoriais do Oriente, outros países adotaram diferentes precauções para tentar conter a propagação do novo vírus, que foram mensuradas e podem ser entendidas por meio de dados hoje disponíveis. “A Inglaterra apostou em um pequeno distanciamento social e na possibilidade de uma imunidade de rebanho. Já em Cingapura e em Hong Kong, apostaram em um rastreamento em massa. Vimos que a pressão aos sistemas de saúde seria muito grande independente dessas medidas”, disse.

A descoberta do isolamento social como medida eficaz contra o novo coronavírus foi importante, na visão de Struchiner, para conter novos surtos. “Qualquer tentativa de relaxamento desse distanciamento é seguida de um surto epidêmico. Todos os modelos apontam para isso e acho que não deixam margem de dúvida”, afirmou. Segundo o pesquisador, o Brasil, até aquele momento, estava caminhando para uma estabilização do número de casos, mas ainda com um nível alto de novas infecções, por um longo período de tempo.

Struchiner ressaltou a importância da administração responsável dos danos causados pela pandemia no Brasil, no que diz respeito ao sistema de saúde. “Acredito que qualquer pressão ao sistema de saúde mata não só indivíduos com o vírus, que terão um pior atendimento, como também aqueles que não terão acesso aos cuidados necessários de saúde porque o sistema estará saturado”, disse.

Enfim, vimos que modelos matemáticos e estatísticos que acompanham a evolução da COVID-19 no Brasil e no mundo podem ser importantes para a criação de estratégias. Além disso, esses dados podem informar a população para manter as práticas preventivas de acordo com o risco real de novas infecções.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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