Leia o artigo de Vanderlan Bolzani para o Jornal da Ciência, publicado em 16/04:

Parece evidente que o mundo vai mergulhar em um grande processo de revisão de alguns modelos tradicionais de organização da sociedade, inevitável, em consequência da pandemia e de seus desdobramentos. Um dos pontos básicos de tal revisão diz respeito à ciência e tecnologia, trata da importância que devem ter no conjunto das atividades da sociedade, e de suas relações com a economia, a política e o bem estar humano.

A sociedade brasileira participará desse debate, mas a dúvida é saber com que profundidade ele ocorrerá. Ou se vai resultar em mudanças efetivas no valor que a sociedade brasileira dar à ciência em essência, na importância de utilizá-la como um vetor decisivo para o desenvolvimento do país. Passada a crise, tudo voltará a ser como era antes? Voltaremos ao “normal”? Como fazer para que essa discussão vital não esmoreça no Brasil depois de tratados os últimos pacientes da covid-19?

Dois artigos publicados recentemente dão impulso a este movimento de revisão. Um deles (“Ciência em Krakatoa”) é do neurocientista Sidarta Ribeiro e foi publicado na edição de abril da revista Piauí. O outro (“Ciência e tecnologia salvam vidas. Mas ainda falta reconhecimento”) é do sociólogo e ex-presidente da Finep Glauco Arbix, e pode ser visto no jornal Nexo, de 9 de abril. Diferentes na forma, têm em comum um olhar de maior amplitude sobre a questão de C&T no país e alertam para o momento crítico que atravessamos.

Reunindo a trajetória de cientista, memórias e sentimentos pessoais, Ribeiro acompanha a história de C&T no Brasil a partir de 1900, mostrando que houve um eixo nesse trajeto, um processo lento de sedimentação de decisões políticas das sucessivas gerações, configurando o atual mapa de C&T do país. E nota que os resultados dessas escolhas estão hoje presentes em conquistas como a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, na produtividade da soja que o país exporta ou na capacidade de sequenciar o genoma do coronavírus numa rapidez invejável as nações do bloco central. O texto desemboca nos anos recentes registrando o desespero de quem vê frustradas as expectativas de uma geração, com o retrocesso vivido neste momento na área de C&T e a desmobilização dos recursos humanos que exigiram décadas de formação.

Compreender esse passado, suas limitações e conquistas, é o primeiro passo para vê-lo com os novos olhos de um mundo pós-pandemia. É a direção óbvia quando se pensa na construção de um novo modelo de organização da sociedade que considere uma perspectiva de valorização da vida, tendo o conhecimento científico como alicerce basal na vida cotidiana do cidadão.

“Um novo sistema nacional de C&T deve ser estruturado no país. A comunidade de pesquisadores de todos os cantos do país precisa se reunir, debater e propor um novo modo de fazer ciência no Brasil. Um Encontro Nacional de Cientistas, de todas as áreas e regiões, pode dar voz e unificar esse esforço. Para construir em nosso país um sistema conectado com o mundo e sustentado por uma educação de qualidade.” Enunciado no final do texto de Glauco Arbix, a proposta encerra uma análise das várias iniciativas de universidades, centros de pesquisa e instituições ligadas à C&T em respostas e ações à pandemia. “A velocidade da resposta permite entrever o enorme potencial que o Brasil possui para a geração de conhecimento novo e comprometido com o desenvolvimento…”, afirma.

Ninguém imagina que teremos pela frente tempos amenos. A ideia de uma grande discussão nacional, tendo como foco o papel de CT&I, terá que ser concretizada em um dos momentos mais difíceis que o país já atravessou, quando coincidem uma situação de alta turbulência política e uma crise econômica e social evidente. Mas ela parece ser inevitável, porque a grande onda destruidora da pandemia espalha-se por centenas de países e todos serão levados a buscar respostas para o novo ciclo que se inicia. A resposta é conhecimento científico de excelente nível para encontras as respostas pelo “desconhecido”. A Ciência ganha destaque na mídia diária e nas falas de vários representantes da vida pública, mas, isto só não basta. A sociedade brasileira tem que ser a grande aliada dos cientistas e das instituições que desenvolvem pesquisa e, sentir-se orgulhosa do sistema de CT&I robusto, construído em menos um século! Tem ainda que, ao nosso lado, em voz de uníssono, aumentar as ações no parlamento e no governo por mais investimentos para a Educação e CT&I. O aporte de investimentos mais do nunca é crucial para entender o presente e evitar danos cada dia mais graves, e isto se faz com investimentos na ciência que aqui vêm encolhendo de forma acelerada nos últimos anos. Vale destacar uma frase clássica do grande cientista José Leite Lopes: “Ciência empobrecida: tecnologia de segunda classe”.