Leia nota assinada por líderes de institutos e departamentos de pesquisa de todo o país, incluindo Acadêmicos, divulgada em 16 /4:

A comunidade acadêmica recebeu com surpresa e preocupação as portarias Nos. 20 e 21 de fevereiro de 2020 que implementam uma nova metodologia de distribuição de cotas de bolsas entre programas de pós-graduação. A portaria No. 34 de 9 de março magnificou ainda mais o impacto imediato dessa nova metodologia, afetando até mesmo estudantes que já haviam se matriculado em programas de pós-graduação.

É urgente refletir tanto sobre a fórmula utilizada no novo cálculo das cotas de bolsas, quanto sobre o impacto da aplicação dessa fórmula nos novos estudantes. É válida a combinação de fatores de produtividade (taxa média de titulação), qualidade (nota do programa) e índice de desenvolvimento regional (IDHM) como parâmetros de distribuição das cotas de bolsa. Entretanto, a fórmula escolhida para combinar esses fatores no cálculo das cotas de bolsas tem graves defeitos.

O primeiro problema da fórmula são as faixas de titulação média usadas pela Capes. Ao usar faixas muito largas, a metodologia mistura programas de tamanhos totalmente diversos. No Colégio de Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinares, por exemplo, programas que titulam em média 6 Mestrados por ano são tratados do mesmo modo que programas que titulam 24 Mestrados por ano. Programas que titulam em média 20 Doutores por ano são igualados a programas que titulam em média 35 Doutores por ano. O resultado é que programas que são (e sempre foram) de tamanhos completamente diferentes acabaram sendo contemplados com o mesmo número de bolsas. Essa falta de discernimento da fórmula adotada pela Capesacarreta perdas significativas aos programas que são nivelados por baixo e ganhos substanciais a programas que são nivelados por alto. Essa disparidade acentuada é apenas parcialmente mitigada pelos fatores multiplicativos do IDHM e da qualidade dos programas.

O segundo problema é o peso muito pequeno que a fórmula atribui à qualidade do programa no cálculo final das cotas de bolsa. O exemplo a seguir ilustra bem esse problema: tomemos dois programas em cidades de IDHM muito alto, um com nota 6 e outro com nota 7. Segundo o novo cálculo, se o programa nota 6 formou 36 alunos de doutorado em média por ano, terá direito a 57 cotas de bolsa. Já um programa nota 7 que forma em média 35 alunos de doutorado por ano teria direito a 32 cotas. Uma diferença de apenas uma titulação leva a uma vantagem de 23 bolsas para o programa menos qualificado. Além da diferença ser totalmente desproporcional, o sinal que se passa é o de que mais vale a titulação a qualquer custo do que a busca da qualidade.

Há também um terceiro problema referente ao modelo de “Colégios” utilizado. A necessidade de bolsas varia muito entre programas de áreas distintas. Algumas áreas com alta empregabilidade tem baixa dependência da oferta de bolsas pois muitos dos seus alunos são profissionais dos setores público e privado com vínculo empregatício e que portanto não desejam nem podem ter bolsas. Já na Física ou na Matemática, por exemplo, a situação é oposta: todos os estudantes necessitam de bolsas para fazer pós-graduação. A metodologia da Capes ignorou por completo as diferentes realidades do mercado de trabalho das áreas dentro dos mesmos Colégios. O resultado é que agora temos programas com bolsas disponíveis mas sem candidatos aptos e outros programas com candidatos aptos mas sem bolsas. A solução desse problema passa pela separação dos programas que têm naturezas distintas em áreas mais bem definidas.

Os defeitos apontados acima são graves e já estão causando danos ao sistema nacional de pós-graduação e à área de Ciência e Tecnologia.

É urgente que a Capes corrija esse rumo.

 

Abril de 2020.

Luis Raul Weber Abramo (Presidente da Comissão de Pós-Graduação, Instituto de Física da USP)

Francisco Castilho Alcaraz (Instituto de Física de São Carlos, USP, membro da Academia Brasileira de Ciências)

Nelson Braga (Presidente da Comissão de Pós-Graduação, Instituto de Física da UFRJ)

Sylvio Acioli Canuto (Instituto de Física da USP, Ex-coordenador de área de Astronomia e Física da Capes e ex-membro do Conselho Superior da Capes, 2015-2018)

Antonio Martins Figueiredo Neto (Instituto de Física da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências, Membro do Conselho da Aciesp)

Richard Charles Garratt (Instituto de Física de São Carlos, USP, membro da Academia Brasileira de Ciências)

Yvonne Primerano Mascarenhas (Instituto de Física de São Carlos, USP, membro da Academia Brasileira de Ciências)

Paulo A. Nussenzveig (Instituto de Física da USP)

Glaucius Oliva (Instituto de Física de São Carlos, USP, ex-presidente do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências)

Marcos de Oliveira (Presidente da Comissão de Pós-Graduação, Instituto de Física Gleb Wataghin, Unicamp, e coordenador do Fórum de Pós-Graduações em Astronomia e Física)

Thiago R. L. C. Paixão (Presidente da Comissão de Pós-Graduação, Instituto de Química da USP)

Murilo A. Romero (Presidente da comissão de pós-graduação da EESC/USP, ex-coordenador da área de Engenharias IV da Capes, ex-coordenador do comitê assessor de Engenharia Elétrica e Engenharia Biomédica do CNPq)

Liane M. Rossi (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Química, Instituto de Química da USP)

Alberto Saa (Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, Coordenador Associado da área de Astronomia e Física da Capes

Luiz Vitor de Souza Filho (Presidente da Comissão de Pós-Graduação, Instituto de Física de São Carlos, USP)

Vanderlei Bagnato (Diretor do Instituto de Física de São Carlos, USP)

Manfredo Harri Tabacniks (Diretor do Instituto de Física de São Carlos, USP)