Sediado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o último dia da Conferência IAP-SPEC, em 29 de março, teve seu início com uma conferência especial, proferida pelo presidente da Academia Mundial de Ciências (Twas, na sigla em inglês), Mohamed Hassan. Doutor em matemática pela Universidade de Oxford, Hassan tratou das parcerias globais em ciência, tecnologia e inovação para o alívio da pobreza e da fome.

O cientista traçou um panorama global da ciência, tecnologia e inovação, focando nos acordos e parcerias globais realizados na área. Ele lembrou dos fóruns de discussão sobre sustentabilidade realizados pelas Nações Unidas (Rio+10 e Rio+20) e também do Acordo de Paris, que rege medidas de redução de emissão de gases estufa a partir de 2020.

Hassan reforçou que CT&I são essenciais para o cumprimento da Agenda 2030, como mostram os ODS 9 (indústria, inovação e Iinfraestrutura) e 17 (parcerias em prol das metas). Segundo o pesquisador, uma nova abordagem que pode ser útil nesse campo é a ciência da sustentabilidade, que por meio de sistemas de pesquisa e educação, tem gerado soluções para problemas de sustentabilidade e acelerado a “transformação verde”.

Por ser definida pelos problemas, e não por disciplinas, a ciência da sustentabilidade promove a integração de múltiplas formas de inovação, sejam nas áreas de C&T, social ou de negócios. E a relação desenvolvida entre pesquisa e inovação / ciência e sociedade acaba levando a novas políticas e boas ações, apontou Hassan.

Pela manhã, ainda foi realizada a sessão 7: “Combatendo a Pobreza e a Desigualdade”, que mostrou como conhecimentos relativos a condições de mobilidade urbana, prevenção de doenças e segurança alimentar são recursos valiosos para promover uma sociedade mais justa. Participaram da mesa Rômulo Orrico (UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro), Alex Ezeh (Universidade de Drexel) , Tolu Oni (Universidade de Cambridge) e Julian May (Centro de Segurança Alimentar do DST-NRF e Sistemas Africanos de Alimentos da Unesco), como moderador da sessão.

Mobilidade urbana em prol de uma sociedade mais justa

Ex-secretário de Estado de Administração do Estado do Rio de Janeiro e ex-subsecretário de Transportes da Cidade do Rio de Janeiro, o engenheiro civil Rômulo Orrico é professor dos cursos de pós-graduação em Engenharia de Transportes da UFRJ.

Utilizando o conhecimento agregado para a mobilidade urbana e uma sociedade mais justa, Orrico defendeu em sua palestra que, para traçar a relação entre pobreza e mobilidade urbana, é necessário entender os processos de urbanização, ocupação espacial, onde se realizam as atividades econômicas e onde as pessoas que as exercem habitam.

O engenheiro mostrou que o crescimento espacial e demográfico das cidades é um fenômeno que ocorre em escala global. Sobre as cidades em ascensão no continente africano, ele comentou: “Eu não gostaria que essas cidades sofressem o processo de urbanização e organização que as cidades brasileiras tiveram no século passado: um crescimento grande, mas sem ordenamento e como se o centro fosse tudo”.

Ainda assim, ele indicou que o Brasil, como outros países emergentes, apresenta uma porcentagem maior de uso do transporte público, se comparado ao privado, e esta é uma característica a ser preservada. “Não temos dinheiro para basear nossa mobilidade no transporte individual”, destacou Orrico.

Para que a mobilidade seja um agente transformador na renda dos mais pobres, é preciso redesenhar a rede de transportes para suportar a multipolaridade do formato das cidades modernas. Aumentar a eficiência do transporte público e reduzir o custo para a população; redirecionar o uso de automóveis, para que eles não demandem mais infraestrutura; e reorganizar a base do financiamento para operações e infraestrutura foram algumas das alternativas sugeridas pelo palestrante para acelerar o desenvolvimento das famílias e da economia urbana.

Pesquisa científica para redução da pobreza e da desigualdade na África subsaariana

Especialista nos desafios do crescimento das favelas pelo mundo e o crescimento populacional rápido e contínuo na África Subsaariana, Alex Ezeh é professor de Saúde Global na Universidade Drexel e membro distinguido do Centro para Desenvolvimento Global, ambos nos Estados Unidos.

Ezeh conduziu uma apresentação sobre crescimento populacional e desenvolvimento na África subsaariana. O professor revelou que até 2050, a previsão é que 2 bilhões de pessoas habitem a região, que até lá precisará dobrar o número de escolas, professores, centros de saúde, moradia e infraestrutura, apenas para manter o nível atual e inadequado de cobertura de serviços.

Ele indicou também algumas ações programáticas para a redução do crescimento populacional na África subsaariana: programas de planejamento familiar, educação sexual compreensível, combate ao casamento infantil e promoção do acesso de mulheres a educação formal.

Ezeh chamou atenção também para o papel da pesquisa científica no desenvolvimento nacional e continental. “Se nós vamos lidar com isso,  de fato, precisamos começar a pensar em como construir instituições locais sustentáveis que poderiam criar o caminho para a África sair da pobreza”, afirmou.

Segundo o especialista, nenhum país se desenvolve por meio das capacidades de assistência técnica internacional. Além disso, o baixo investimento em pesquisa no continente africano reprime a capacidade de produção dos cientistas, tornando o ciclo da pobreza mais difícil de ser rompido.

Para mudar esse cenário, o professor defendeu o desmantelamento dos arranjos globais para o desenvolvimento, a fim de redirecioná-los para a assistência humanitária e o investimento direto em instituições africanas para mapear o caminho do desenvolvimento do continente.

Saúde urbana para toda a população

Médica, pesquisadora em saúde pública e epidemiologista urbana, Tolu Oni é pesquisadora clínica sênior do Programa de Pesquisa em Saúde Pública e Epidemiologia da Universidade de Cambridge e professora associada honorária da Escola de Saúde Pública e Medicina Familiar da Universidade da Cidade do Cabo.

Em sua palestra, a médica apresentou um panorama da multimorbidade na área urbana, lembrando o papel dos dados e de abordagens integradas de prevenção, além de ações inovadoras para a governança em saúde e o desenvolvimento da ciência da saúde pública.

Oni apontou que, para melhorar a saúde da população de forma igualitária, é preciso revisar o impacto da alta carga de doença no desenvolvimento econômico.

A pesquisadora mostrou que muitos fatores que influenciam o surgimento de doenças fogem ao setor de saúde. Ela indicou que a comida, o desperdício, o transporte, habitação e planejamento habitacional também devem ser vistos como serviços de saúde, sendo essencial uma reação integrada para lidar com as questões da saúde urbana.

 

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