Proteger e recuperar ecossistemas que afetam a água é essencial para mitigar a escassez dela. Da mesma forma, promover práticas de sustentabilidade na agricultura, apoiar pequenos produtores rurais e permitir o acesso à terra, tecnologia e mercado é crucial para promover a segurança alimentar. A sessão 5 da Conferência IAP-Spec, realizada na tarde do dia 28 de março, no Museu do Amanhã, promoveu a perspectiva intercontinental de três especialistas sobre o acesso universal à água potável e barata, ao saneamento básico adequado e à nutrição básica.

A mesa foi moderada por Peter Fritz (Centro Helmholtz para Pesquisa Ambiental) e recebeu os palestrantes Maurício Lopes (Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Canisius Kanangire (Conselho de Águas dos Ministros Africanos) e Maciej Zalewski (Centro Europeu Regional para Ecohidrologia da Unesco).

Peter Fritz, Canisius Kanangire, Maciej Zalewski e Maurício Lopes

 

O desafio de alcançar uma produção alimentar sustentável no Brasil

Doutor em genética molecular pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, o agrônomo Maurício Lopes atua como pesquisador visitante do Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados, na Áustria. Geneticista de plantas, desde 1986, integra a equipe da Embrapa pesquisando o beneficiamento do milho.

Em sua apresentação, Lopes tratou da agricultura sustentável na região do Cinturão Tropical do mundo, área limitada pelos Trópicos de Câncer e Capricórnio. A região, caracterizada pela mais rica biodiversidade e os solos mais ácidos e pobres em nutrientes do planeta, sofre também com a persistência e gravidade da pobreza e da desigualdade social. Esse cenário traz o desafio de se acessar e usar os recursos naturais de forma equilibrada, sem destruir a biodiversidade local.

No caso do Brasil, até os anos 70 o país não tinha segurança alimentar. A compreensão de seus biomas era limitada; a produção agrícola e os rendimentos eram baixos; havia crise constante de oferta de alimentos; a pobreza rural era generalizada; e o Brasil era conhecido apenas como um produtor de café e açúcar. Mas, na mesma década, o país decidiu desenvolver uma agricultura tropical avançada, baseada no conhecimento científico.

Segundo o geneticista, o Brasil percorreu quatro etapas durante esse desenvolvimento: expansão, competitividade, sustentabilidade e multifuncionalidade. Visando um conceito de agricultura sustentável, o Código Florestal Brasileiro impõe o limite da expansão de terras agrícolas e a conservação da água e da biodiversidade em terras privadas; e, por meio do Plano ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, o país organiza e planeja ações a serem realizadas para a adoção das tecnologias de produção sustentáveis, selecionadas com o objetivo de responder aos compromissos de redução de emissão de gases do efeito estufa no setor agropecuário.

“A agricultura é uma das atividades mais multifuncionais que os humanos já desenvolveram e dialoga muito bem com basicamente todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afirmou o pesquisador. Ele destacou que a própria Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) já demonstrou como a agricultura está relacionada com cada ODS promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU):

Imagem: FAO Statistics / Twitter

Para Lopes, aprimorando sua capacidade como produtor e fornecedor de alimentos, consolidando sua capacidade para a agricultura de conservação e intensificação sustentável, e compartilhando conhecimento e suas experiências nos sistemas agrícolas tropicais, o Brasil pode ser um importante agente na superação dos desafios para o cumprimento da Agenda 2030.

 

Falta de segurança hídrica

O Secretário-executivo do Conselho de Águas dos Ministros Africanos (AMCOW, na sigla em inglês), Canisius Kanangire, fez estágio de pós doutorado na Universidade de Bergen, na Noruega, tendo obtido os títulos de mestre e doutor em ciências aquáticas pela Universidade de Namur e pela Universidade Notre-Dame de la Paix, ambas na Bélgica. Tem 20 anos de experiência na academia como professor, pesquisador, orientador e reitor em universidades no Congo e Ruanda, e como pesquisador visitante em universidades na Bélgica.

Kanangire tratou em sua palestra sobre os desafios do continente africano em acessar ou tornar a água acessível e levar serviços de saneamento para seus habitantes. A agricultura na África – segundo continente mais seco do mundo – depende das chuvas, com apenas 5% da terra cultivável sendo irrigada, o que torna suas práticas agrícolas muito vulneráveis a secas e inundações. Esse cenário contribui para a intensificação da pobreza na região, já que grande parte da população vive em áreas rurais.

Segundo o professor, os maiores desafios enfrentados nos serviços de acesso a água e saneamento são o baixo investimento do setor público para segurança hídrica, saneamento e produção de alimentos; enorme brecha de infra-estrutura para armazenamento de água, irrigação, energia, uso doméstico e ecossistemas; governança inadequada e fracos arranjos legais e institucionais na gestão de bacias hidrográficas nacionais e transfronteiriças.

Para superar esses problemas, serão necessários um ambiente favorável e vontade política mais fortes, capacidade técnica e inovações, novas formas de financiamento e parcerias estratégicas. Nesse sentido, Kanangire declarou sobre a comunidade científica: “Eu acho que nós precisamos, sim, discutir e enriquecer nosso conhecimento, nossas estratégias, aprender daqueles que estão dando grandes saltos, mas então: agir. Eu acho que nós precisamos, absolutamente, não continuar apenas a reunir informação, mas nós precisamos fazer algo”.

Ecohidrologia para gestão sustentável dos recursos hídricos

Maciej Zalewski é professor do Departamento de Ecologia Aplicada da Universidade de Lodz, na Polônia, e diretor do Centro Europeu Regional para Hidroecologia da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês). Iniciou o desenvolvimento do conceito de ecohidrologia no Programa Hidrológico Internacional (IHP, na sigla em inglês) da Unesco, tornando-se um reconhecido especialista internacional no assunto. Pela Unesco, estabeleceu centros de ecohidrologia em Portugal, Indonésia, China, Argentina e Etiópia.

Durante sua palestra, Zalewski defendeu a ecohidrologia como uma resposta para os problemas locais, regionais e globais relacionados a segurança hídrica. O professor apontou que essa é uma ciência transdisciplinar, que a partir da relação entre ecossistemas e o ciclo da água, propõe soluções inovadoras para atender as demandas da sociedade.

Dada a crescente instabilidade climática, o crescimento populacional e migrações humanas e o surgimento de novos centros geopolíticos que afetam a economia internacional, há uma necessidade urgente de se reverter a degradação dos recursos hídricos e impedir o avanço da perda de biodiversidade. A valorização e otimização dos serviços do ecossistema para a sociedade, juntamente com a melhoria da resiliência das bacias hidrográficas podem contribuir enormemente para atingir esse objetivo.

O Programa Hidrológico Internacional da Unesco indica que uma ferramenta muito útil neste caso é a ecohidrologia. Por meio da teoria ecohidrológica é possível regular os ciclos hidrológicos e de nutrientes em “novos ecossistemas” (agrícolas e urbanos) para melhorar a capacidade de condução do ecossistema global. A melhoria na capacidade de condução é entendida como a melhoria relativa dos recursos hídricos, da biodiversidade, dos serviços do ecossistema para a sociedade e da resiliência às crescentes formas de impacto.

Segundo Zalewski, a ecohidrologia aplicada a partir da quantificação do ciclo da água, passando pela distribuição dos ecossistemas, resulta em soluções avançadas e sistêmicas, baseadas na natureza, que podem auxiliar na redução da pobreza e da desigualdade.

 

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