O Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados 2018-2022 da ABC Região Norte foi realizado no dia 28 de setembro, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Além das apresentações dos novos membros e de duas palestras especiais, proferidas pelos Acadêmicos Christopher Wood e Philip Fearnside, o evento contou com uma mesa-redonda sobre Mulheres na Ciência, com a participação das afiliadas da ABC Fernanda de Pinho Werneck (INPA) e Joyce Kelly do Rosário da Silva (UFPA), assim como da ex-afiliada da ABC Ândrea Kely Campos Ribeiro dos Santos (UFPA) e da pesquisadora do ITV Vera Lúcia Imperatriz da Fonseca.

Ândrea Kely Campos, Vera Lucia Imperatriz, o pró-reitor de Pesquisa da UFPA Rômulo Angélica, Fernanda Werneck e Joyce Kelly da Silva

A pesquisadora associada do INPA Fernanda Werneck, eleita afiliada da ABC (2017-2021), ganhadora do prêmio brasileiro Para Mulheres na Ciência 2016, oferecido pela L’Oréal, ABC e Unesco, e do International Rising Talent/For Women in Science, da L’ Oréal, deu início à sessão.

Formada em biologia pela Universidade de Brasília (UnB), onde cursou o mestrado em ecologia, e doutorado nos EUA em biologia integrativa, em 2013 foi para a Amazônia trabalhar no INPA. E começou a preocupar-se, também, com a questão de gênero na ciência na região.

A questão do viés numérico lhe interessou. De início, o número de homens e mulheres na carreira científica é mais próximo, dependendo da área. Mas à medida que o tempo passa há um “vazamento”: as mulheres não progridem tanto quanto os homens.

Maternidade requer políticas públicas que apoiem as cientistas

Em sua visão, o maior problema é a falta de oportunidades. “Sentimos isso até na maneira como as cartas de recomendação são escritas. Nos cientistas homens são valorizadas suas qualidades intelectuais e seu brilho científico. Nas pesquisadoras, o foco é quase sempre em aspectos da vida social. Ter filhos é considerado ponto negativo. E isso ‘justifica’ salários diferentes.”

Fernanda ressalta que há um ciclo de reconhecimento menor. As mulheres têm menos autoria sênior, menos convites como palestrantes e quando têm função de responsabilidade, geralmente são coordenadoras de curso ou chefes de departamento. “Ou seja, costumam concentrar o trabalho burocrático“, afirma a Acadêmica.

O ambiente profissional, de modo geral, tem um viés implícito de sexismo sutil. Ela destaca as micro agressões do cotidiano e ao que chama labirinto de vidro: a mulher está vendo tudo que há à frente na carreira, quase chega lá, mas… “Ah, mas você é tão bonitinha para ser cientista… Tão novinha… Foi você que escreveu isso? Ah, mas esse projeto é muito ambicioso para um mestrado… Você não vai conseguir concluir…” Essas, segundo Fernanda, são manifestações sexistas implícitas. Mas, infelizmente, ainda há os casos explícitos de assédio moral e sexual”, aponta.

Um estudo da Elsevier no Brasil, porém, aponta que em termos de número de publicações a divisão por gênero é equilibrada. “Ou seja, com tudo isso, as mulheres estão produzindo tanto quanto os homens”. Mas o reconhecimento, como ela já havia dito, é menor. “Das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq, 41% são das mulheres. Mas isso na categoria 2, porque na categoria 1, o número de mulheres é muito menor”, salientou. Na Academia, a situação das mulheres não é melhor: apenas 8% das titulares das áreas exatas são mulheres.

Fernanda considera que promover o papel da mulher na ciência é, em primeiro lugar, uma questão de direitos humanos: todos devem ser capazes de colocar em prática seus potenciais. E avalia que a contribuição da mulher, assim como de pesquisadores de diferentes etnias, regiões e religiões, é diferenciada. “E isso interessa à ciência, possibilita a formulação de questões científicas mais amplas e multi-dimensionais. Isso leva à excelência”, afirma Werneck.

Abordando especificamente a situação da mulher cientista na Amazônia, Fernanda concorda que, realmente, é uma realidade mais difícil. “Aqui há peculiaridades, por conta da pesquisa de campo, principalmente. É mesmo mais complicado”, ponderou. Em sua área, a herpetologia, há um maior número de mulheres curadoras de coleções científicas, tanto no Norte como no Nordeste. Ela participa da iniciativa Projeto Maternidade, junto ao CNPq, que usa a hashtag #maternidadenolattes. “Deixamos clara nessa discussão a necessidade da existência de um fator F – de filhos – na avaliação das pesquisadoras”, conta Fernanda, que atua também no grupo  “Parent in Science”.

O lado positivo de tudo isso, segundo Fernanda, é a sororidade. “Mulheres tendem a agir como catalisadoras. Elas puxam outras mulheres para cima na carreira”, declara.

Ciências exatas requerem estímulo maior para a inserção de mulheres

A química da UFPA Joyce Kelly do Rosário da Silva tende a concordar. “Mas as ciências exatas sofrem grande pressão da discrepância de gênero, especialmente na região Norte.”  Na região, só havia bolsas de produtividade para os estados do Pará e do Amazonas.

Assim como Fernanda, Joyce também foi uma das vencedoras do Prêmio Para Mulheres na Ciência, da ABC-L’ Oréal-Unesco, só que anteriormente, em 2013. “Das 82 cientistas já premiadas, apenas três eram da região Norte e, destas, apenas uma da área de ciências exatas.” Entre as eleitas como membro afiliado da ABC, até hoje apenas quatro mulheres são das ciências exatas e da terra. “Dentro das ciências exatas, a química ainda é a área que tem mais mulheres”, ressaltou.

Em 2015 Joyce fez um estágio de pós-doutorado nos EUA e em 2017 foi eleita para a ABC. Em 2018, conseguiu enfim ascender à categoria 2 das bolsas de produtividade do CNPq. “Nas ciências exatas, as mulheres detêm 20% das bolsas de pesquisa – este é o número registrado no CNPq entre 2013 e 2017. Mas na categoria 1A do CNPq, a proporção é de 87% para 13%”, afirmou.

Preconceito regional em relação ao Norte é maior do que de gênero

A bióloga da UFPA Ândrea dos Santos reforçou a dificuldade específica das mulheres cientistas em função da maternidade. “Precisamos de creches, esta é a principal política pública para apoiar mulheres”, defendeu.  Ela falou de sua experiência pessoal: filha de professores, sempre estimulada para a independência financeira pela mãe e para a busca do conhecimento pelo pai, nunca se sentiu constrangida no meio científico. “Acho que a postura ajuda”, ponderou.

Há 20 anos, quando começou na área de genética, conta que a proporção entre homens e mulheres era equilibrada, meio a meio. Mais recentemente, porém, com a entrada forte da bionformática na área, o percentual de homens subiu para 75%. “Na UFPA ainda é mais equilibrado: 55% de homens para 45% de mulheres”, disse Ândrea, referindo-se aos professores de todas as áreas somadas.

Mais do que por ser mulher, no entanto, Ândrea diz que sente preconceito por ser pesquisadora na região Norte. “E aí tanto faz se o pesquisador é homem ou mulher para ser visto como inferior. O preconceito regional é maior do que o de gênero.”

Interação regional na ciência é possível e desejável

A bióloga Vera Lúcia Imperatriz da Fonseca conta que fez seu doutorado há 40 anos. Aposentada como professora titular de Ecologia no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), passou a colaborar como pesquisadora sênior em outras universidades, no  Nordeste e depois no Norte do país. Pesquisadora 1B do CNPq, desenvolve suas pesquisas com abelhas nativas e polinizadores. “Destaco que sou 1B desde os anos 80. Nunca consegui passar para 1A”, relatou.

Ela participa, por indicação do governo brasileiro, como co-chair da nova avaliação sobre polinização, polinizadores e produção de alimentos, em elaboração pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES). Atualmente é pesquisadora titular ”, no Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável (ITV), na linha de pesquisa Biodiversidade e Serviços de Ecossistema.

“Aprendi muito nesta fase pós-aposentadoria. Sempre trabalhei onde a ciência era organizada, e depois fui para lugares onde nós é que temos que organizar a ciência e fazemos uma ciência para todos, inclusiva”, ressaltou Vera. Ela é casada e tem quatro filhos. E sempre trabalhou em ciência. “Só nunca consegui morar fora, era uma família muito grande”, observou.

Sua primeira incursão foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte. “Lá vi que era possível formar gente boa numa universidade nova, promovendo a interação com os pesquisadores da USP”, relatou.

Aos 72 anos, ela diz que se sente realizada profissionalmente. “Aqui na Amazônia, temos que fazer a ponte entre a ciência e a sociedade. Temos que trabalhar para o país, construir a ponte do conhecimento”, aponta Vera, acrescentando que vai ao Egito ainda este ano para falar sobre a biodiversidade amazônica na 14ª Conferência de Biodiversidade da ONU. Um admirável exemplo de mulher cientista.

Por mais mulheres em cargos de liderança científica

A conclusão do debate reforçou a necessidade de se encorajar mais mulheres para a ciência e aumentar o percentual delas em posições de liderança científica. E como fazer? Fernanda Werneck respondeu: “Promovendo círculos virtuosos”.

Estes círculos envolvem conversas, disseminação de estatísticas, estímulo ao respeito aos direitos da maternidade através da manutenção de bolsas e de outras iniciativas que facilitem a permanência da mulher na ciência. “Precisamos lutar pela oferta equilibrada de oportunidades e pela quebra da divisão de tarefas nos nossos grupos de pesquisa, assim como pressionar nos níveis institucionais por políticas públicas específicas.”